Jornadas litúrgicas no Algarve centradas na Eucaristia

A diocese do Algarve voltou a relançar desafios à vida dos cristãos, à sua própria vida e à vida da Igreja em geral. Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, seminaristas e fiéis leigos reflectiram uma vez mais sobre as interpelações que se colocam à vivência actual da fé cristã, este ano a partir da Eucaristia. As Jornadas Diocesanas da Pastoral Litúrgica abordaram, com base no enfoque colocado pelo Papa Bento XVI na sua exortação apostólica pós-sinodal intitulada “Eucaristia Sacramentum Caritatis”, as implicações resultantes da comunhão eucarística. Realizadas no passado sábado e domingo no Centro Pastoral e Social da Diocese do Algarve, as Jornadas foram participadas por cerca de 170 pessoas, uma das maiores adesões de sempre a esta iniciativa promovida pelo Departamento Diocesano de Pastoral Litúrgica. Ao longo das diferentes intervenções e espaços reflectivos das jornadas foi possível encontrar muitos pontos de encontro entre as análises e o aspecto unificador entre todas as reflexões foi a necessidade de identificação da vida com Cristo para que se possa estabelecer uma comunhão plena na Eucaristia. Para além das cinco conferências que especificaram detalhadamente as características e implicações da vivência do sacramento, o programa do fim-de-semana contou ainda com o desenvolvimento de quatro áreas temáticas que procuraram particularizar alguns aspectos resultantes da celebração da Eucaristia. Albino Martins deteve-se na análise da “Eucaristia, sacramento esponsal”; o diácono Flávio Martins abordou a “Arte da celebração eucarística”; o seminarista António de Freitas reflectiu sobre a “Eucaristia e a transformação do mundo”; e o padre Joel Teixeira referiu-se a “Uma forma eucarística da vida cristã (a saúde)”. Intimidade eucarística D. Manuel Neto Quintas apresentou os desafios pastorais resultantes do sacramento, sob o tema “Eucaristia, Pão para a vida do mundo”. O Bispo do Algarve referiu-se à relação da missão e do testemunho com a Eucaristia, abordou a existência eucarística e apontou as implicações sociais mesmo sacramento. O orador, lembrando que “a transmissão da fé está ligada à celebração eucarística”, sublinhou que “o caminho de iniciação cristã tem como ponto de referência tornar possível a compreensão e o acesso à participação na Eucaristia”. “Somos baptizados e crismados em ordem à Eucaristia”, concretizou o Bispo diocesano, destacando que “os sacramentos da iniciação cristã preparam para a Eucaristia”. D. Manuel Quintas explicou que “a Eucaristia leva à plenitude a iniciação cristã como centro e termo de toda a vida sacramental”. “A nossa vida deve ser marcada por tudo aquilo que a Eucaristia é e significa para cada cristão”, complementou, acrescentando que “a Eucaristia transforma toda a vida em culto espiritual agradável a Deus”. “Podemos, na Igreja, viver diferentes vocações, exercer diferentes ministérios e enriquecer a Igreja com diferentes carismas, mas todos nos sentimos um só com Cristo na Eucaristia. A Eucaristia dá-nos essa dimensão de eclesialidade que dá consistência àquilo que somos”, observou o Bispo do Algarve. Considerando que “a intimidade eucarística desperta para a urgência do anúncio e do testemunho com a vida”, D. Manuel Quintas apresentou o “desafio pastoral”. “Somos chamados a ter esta vida eucarística no dia-a-dia”, concretizou, elucidando que “a Eucaristia impele todo o que n’Ele acredita, a fazer-se «pão partido» para os outros e a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno”. “A Eucaristia é um meio importante para a mudança de mentalidade no que diz respeito à pertença à Igreja, ao testemunho cristão, à celebração e anúncio da própria fé e à oferta da própria vida”, afirmou. Classificando a Eucaristia como “projecto de solidariedade em prol da humanidade”, D. Manuel Quintas sustentou que “a Eucaristia é uma grande escola de paz, onde se formam homens e mulheres que se fazem construtores de diálogo e comunhão”. O Prelado considerou então que “a autenticidade da nossa participação na Eucaristia mede-se pelo modo como nos comprometemos na real na edificação de uma sociedade mais equitativa e fraterna”. “Participar na Eucaristia de costas para o mundo e depois voltar para o mundo de costas para a Eucaristia não resulta”, constatou, sublinhando a “profunda incidência social” do sacramento. “O pedido que fazemos em cada Eucaristia – o pão nosso de cada dia nos dai hoje – obriga-nos a fazer tudo o que for possível em colaboração com as instituições internacionais, estatais e privadas para que cesse ou diminua no mundo o escândalo da fome e da subnutrição de que padecem muitos milhões de pessoas sobretudo nos países em vias de desenvolvimento”, advertiu. A terminar, desejou que “as dioceses e comunidades cristãs dêem a conhecer e fomentem o estudo da Doutrina Social da Igreja”. A concluir, destacou que “o culto agradável a Deus nunca é um acto meramente privado, sem consequências nas relações sociais”, pois “requer o testemunho público da própria fé”. Comunhão Na conferência que abriu as Jornadas Diocesanas de Pastoral Litúrgica, intitulada “Eucaristia, sacramento da Caridade”, D. Manuel Madureira Dias explicitou que na Eucaristia importa sobretudo a identificação dos fiéis participantes na celebração eucarística com o seu fundador Jesus Cristo, que durante a sua vida terrena também procurou sempre identificar-se com a vontade de Deus Pai. O Bispo Emérito do Algarve exaltou a oferta da vida dos cristãos como sacrifício a Deus, lembrando a propósito que “a comunidade cristã, na sua reflexão de fé, ajudada pelo Espírito Santo, foi descobrindo que o verdadeiro sacrifício dos cristãos era o sacrifício da natureza do que Jesus fez”, ou seja, “não era dar coisas, era dar-se”. “Deus não precisa de nada. Deus quer o coração e é exactamente aqui que está a grande dimensão da oferta sacrificial da vida”, explicou D. Manuel Madureira Dias, recordando que “na Ceia Pascal, estamos diante do verdadeiro sacrifício”. O Bispo Emérito do Algarve considerou mesmo o espaço compreendido entre a Ceia de Jesus e a sua morte no Calvário “um único acto”. “Na Ceia é a entrega de Jesus no sacramento; no Jardim das Oliveiras acontece mais uma manifestação da sua identificação com a vontade do Pai; e no Calvário acontece o sacrifício, real, vivo, cruento, da sua própria entrega. É um único sacrifício, que na Ceia é antecipado de forma sacramental e no Calvário é consumado com a sua morte e ressurreição”, aludiu D. Manuel Madureira Dias, designando o acontecimento como “o princípio do sacrifício da própria vida de Jesus Cristo”, “o sacrifício dos cristãos”, que se realiza na Eucaristia. “Este sacrifício tornou-se sacrifício para nós”, afirmou, explicando que Jesus “fez o sacrifício de si mesmo ao Pai em favor de todos nós”, “de tal maneira que ele implicou connosco na Ceia”. “O que Jesus fez na Ceia e no Calvário em nosso favor foi como se dissesse: «o mesmo que eu fiz, fá-lo tu também»”, interpretou. Confirmando isso mesmo, D. Manuel Madureira Dias, evocou o gesto do lava-pés, realizado por Jesus aos apóstolos antes da Ceia, quando disse “se eu, sendo Mestre e Senhor, vos fiz isto, fazei vós também uns aos outros”. “Ligando o lava-pés com a instituição da Eucaristia temos aqui um recadinho velado, mas muito bonito: «olhem que isto tudo que está a acontecer não é para assistirdes, é para vos incluirdes também»”, observou, considerando o amor como o “acto unitivo” da ligação entre a Ceia e o Calvário. O Bispo Emérito do Algarve considerou igualmente que “no sacrifício está a primeira razão do amor fraterno”. “Só na medida em que eu for capaz de me entregar eucaristicamente à imagem do próprio Jesus Cristo é que eu estou habilitado para amar”, concretizou o Prelado, considerando que “as acções externas realizadas, chamadas de caridade ou de amor fraterno, se não forem tocadas e enformadas na base pela entrega a Deus, são vazias”. Lembrando que “o que comemos transforma-se em nós”, o conferencista procurou descodificar o gesto de Cristo. “Jesus ao dar-se como comida e bebida quis dizer isto: «quero que tu te identifiques comigo porque eu estou identificado contigo»”, afirmou, frisando que “Jesus, identificado connosco desde o momento da incarnação, agora quer dar-nos oportunidades para que nos transformemos n’Ele”. “Eucaristia não é apenas a comunhão sacramental que se transforma em nós, mas é sobretudo o desejável: que nós nos transformemos n’Aquele que recebemos. Esta é que é a comunhão”, elucidou. D. Manuel Madureira Dias sublinhou igualmente o sentido comunitário da Eucaristia. “Jesus não se deu a cada um individualmente e em separado dos outros. Se eu estou na Eucaristia e recebo Cristo em comunhão, – dele comigo e de mim com Ele –, recebo Cristo em comunhão com a sua Igreja e Ele quer também que eu, como membro da Igreja, esteja em comunhão com a Igreja para estar em comunhão com Ele”, explicou, justificando que “por isso não há uma comunhão com Cristo separado da comunhão com a Igreja”, ou seja, “não há uma comunhão verdadeira com Cristo se não houver comunhão com os irmãos”. D. Manuel Madureira Dias explicou que não é a comunhão eucarística que vai “produzir” a comunhão, mas apenas “vem selar, confirmar e tornar mais sólida a comunhão se ela já existe”. “Eu posso ter a minha piedade pessoal, os meus momentos de adoração diante do Santíssimo Sacramento, mas a Eucaristia que eu estou a adorar diante do Santíssimo Sacramento, é uma Eucaristia que foi celebrada da comunidade, para a comunidade e na comunidade”, disse. O conferencista explicou ainda o sentido do amor fraterno. “É uma maneira de estabelecer ligação com o irmão para que Cristo passe por esse gesto e o meu irmão descubra, a trás do meu gesto, que a razão de ser dele é o próprio Cristo”, concretizou. Sobre o sentido missionário da Eucaristia, o Bispo Emérito do Algarve, lembrando o último documento saído do Vaticano II “Presbyterorum Ordinis”, elucidou que “a Eucaristia deve levar os cristãos às obras de caridade, à acção missionária e às várias formas de dar testemunho cristão”. “Aquilo que aconteceu no altar vai passar por mim para outros que lá não estiveram. A Eucaristia foi ali naquele espaço e para aquela comunidade, mas como eu vou eucaristiado, vou, em nome da Igreja, da comunidade em que estou inserido, e da humanidade de que faço parte, ser presença eucarística d’Aquele que esteve comigo durante aquele tempo”, frisou. A terminar, o orador referiu ainda que “não há verdadeira celebração eucarística sem a busca da própria santificação que se realiza no amor quotidiano nos irmãos”. D. Manuel Madureira Dias deixou ainda claro que “o Corpo de Cristo não é apenas a hóstia consagrada”. “O Corpo de Cristo é a comunidade que está ali a celebrar o mistério de Jesus ressuscitado”, concluiu.

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