Sacerdote e escritor abordou em Portugal a abertura do processo de beatificação do antigo superior-geral da Companhia de Jesus
Lisboa, 20 dez 2018 (Ecclesia) – O padre jesuíta espanhol Pedro Lamet, jornalista, escritor e o principal biógrafo de Pedro Arrupe, abordou em Portugal o processo de beatificação daquela figura da Companhia de Jesus, que vai acontecer em fevereiro de 2019.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, o sacerdote destaca Pedro Arrupe (1907 – 1991) como um homem que se “adiantou ao seu tempo”, pois preocupou-se com questões que marcam agora estas últimas décadas, desde o “tema dos refugiados, das migrações”, ao “diálogo entre o Oriente e o Ocidente”, passando pela “problemática dos direitos das mulheres, dos jovens”.
“Ele foi uma testemunha do século XX, de tudo o que viveu nesse período, e um profeta do século XXI, com todos os elementos que estão hoje em causa”, salienta o padre Pedro Lamet.
Natural de Bilbao, Pedro Arrupe foi responsável mundial dos Jesuítas entre 1965 e 1983, mas antes disso viveu todo um conjunto de experiências que o marcaram como homem e como crente.
A perda dos pais, ainda em tenra idade; o contacto com os pobres quando estudava medicina em Madrid; o apostolado feito junto dos migrantes mexicanos e dos reclusos de origem latina, quando esteve nos Estados Unidos da América; a missão no Japão, onde estava quando a bomba atómica arrasou as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em 1945.
Segundo o padre Pedro Lamet, o bombardeamento de Hiroshima – que ficava perto da povoação de Nagatsuka onde Pedro Arrupe se estabeleceu – foi “a linha que marcou toda a vida” do antigo superior-geral da Companhia de Jesus.
“Ele atendeu muitos doentes que chegavam com feridas terríveis, tratou deles sem comer nem dormir durante sete dias, com uma generosidade tremenda. E aprendeu aí que a energia utilizada para o mal também se podia converter numa energia para o bem, por isso era muito otimista”, conta o biógrafo de Pedro Arrupe.
Foi também no Japão que Pedro Arrupe vincou mais esta sua caraterística de homem aberto a todas as culturas, e preocupado com o diálogo inter-religioso.
“Ele dizia que em cada cultura já estava presente a pegada de Deus, e assim ele buscava esse diálogo com as culturas e criou um termo que é novo, que não existia, que é inculturação. Significa não levar o Evangelho nos moldes ocidentais, mas sim ler o Evangelho nos moldes da cultura em que estamos”, explica Pedro Lamet.
Foi com este cuidado em mente que Pedro Arrupe, mal chegou a território nipónico, “começou a estudar a prática meditativa Zen, o tiro com arco, o ritual do chá, a caligrafia” e várias outras componentes que fazem parte da “milenar cultura japonesa”.
“Esta foi também a grande mensagem que Pedro Arrupe antecipou, a globalização do espírito, o aprendermos uns com os outros”, considera Pedro Lamet, que sublinha ainda nesta entrevista a criação do JRS – Serviço Jesuíta aos Refugiados.
“Arrupe dizia que a Europa não devia olhar tanto para o seu umbigo, mas sim abrir-se aos outros, porque os migrantes fazem parte da Europa e da sua fundação, que é uma origem cristã. O problema agora é que a Europa tem vindo a fechar-se cada vez mais sobre si própria”, lamenta Pedro Lamet.
O processo de beatificação de Pedro Arrupe vai ser aberto no próximo ano, no dia 5 de fevereiro, data do 28.º aniversário da sua morte, durante uma celebração na Basílica de São João de Latrão, em Roma.
De acordo com o padre Pedro Lamet, “o processo de beatificação de Pedro Arrupe não foi fácil porque a Cúria de alguma maneira considerava-o como marxista, como próximo do comunismo”, quando “isso não é verdade”.
“O que acontece é que ele dialogava com todas as pessoas, e então isto colocou dificuldades ao processo. Havia um cardeal espanhol, D. Enrique y Tarancón, que dizia que era preciso esperar para que se pudesse compreender bem o padre Arrupe”, conta o sacerdote.
Sobre aquilo que o processo de beatificação de Pedro Arrupe vai significar para a própria Companhia de Jesus, o padre Pedro Lamet sublinha este acontecimento como mais um acréscimo positivo à atualidade da congregação jesuíta.
O jornalista e escritor frisa que a Companhia de Jesus “vive um momento sensacional” na sua história, com “um Papa jesuíta” chamado Francisco, que reúne “esse duplo carisma da simplicidade e inteligência, dos jesuítas e dos franciscanos”.
“O momento em que Pedro Arrupe vai ser beatificado indica sobretudo uma nova Companhia de Jesus, porque creio que ele refundou a Companhia de Jesus de Santo Inácio para a época de hoje. Para o diálogo com os jovens, para o encontro”, completa aquele responsável.
Além de ter vindo a Portugal falar sobre o início da causa de beatificação do antigo superior-geral dos jesuítas, Pedro Lamet veio também apresentar o seu novo livro, intitulado ‘Saborear e saber’.
Uma obra que o autor descreve como uma espécie de “síntese de pensamentos de todas as religiões e de todas as ideias e culturas espirituais, que o ajudaram em momentos difíceis”.
Pedro Lamet espera agora contribuir, através desta publicação, para ajudar as pessoas que também enfrentam dificuldades nas suas vidas.
“As pessoas hoje em dia estão algo angustiadas, vivem uma vida muito solitária, vemos muitos matrimónios a desmoronarem-se, e muitas pessoas sozinhas. E este livro procura, de uma maneira simples, pois pode ser lido no metro ou no autocarro, dar às pessoas um pensamento que as ajude”, acrescenta o biógrafo de Pedro Arrupe.
O sacerdote termina com um ideal que Pedro Arrupe transmitiu já às portas da morte, como que uma máxima para a sociedade e para a Igreja Católica.
“As últimas palavras de Pedro Arrupe foram ‘para o presente Ámen, para o futuro Aleluia’. O passado já passou, não há volta a dar, temos de aceitar o presente, viver o presente com intensidade, o agora, que é aquilo que nos liga à eternidade. E o futuro, como somos crentes, como temos a sorte de acreditar, temos de ser otimistas, por muitos problemas que existam no mundo, estamos nas mãos de Deus”, completa Pedro Lamet.
O sacerdote jesuíta é também autor de obras como ‘Pedro Arrupe – Testemunha do Séc. XX Profeta para o Séc. XXI’; ‘Pedro Arrupe – O polémico superior-geral dos Jesuítas – Da bomba de Hiroshima à crise do pós-concílio’; e ‘Francisco de Borja – Os Enigmas do Duque Jesuíta’.
JCP