Intervenção de D. João Lavrador no 36º Encontro Nacional da Pastoral dos Ciganos

Saúdo, em nome do Senhor Dom Manuel Bispo do Porto, que por impossibilidade de estar presente me pede que o represente, e no meu próprio, o Director Nacional, o Rev.mo Pe. António Jesús Heredia Cortés, Director da Pastoral dos Ciganos em Espanha, os Directores Diocesanos dos Secretariados ou das Obras da Pastoral dos Ciganos, os intervenientes na orientação destes trabalhos e todos os participantes deste 36º Encontro Nacional da Pastoral dos Ciganos.

Já que nos dais a honra de realizardes este Encontro na Casa de S. Paulo, na Diocese do Porto, gostaria de exprimir a minha mais profunda alegria por este acontecimento e formular votos de que seja uma oportunidade de reflexão e de empenhamento no domínio da pastoral destes nossos irmãos que fazem parte desta família os ciganos.

Este encontro insere-se num longo caminho que a Igreja em Portugal tem vindo a percorrer nesta área da pastoral dedicada ao povo cigano. O primeiro documento eclesial que se refere a eles é uma bula do papa Sixto V que identificava os ciganos como peregrinos em caminho para Santiago de Compostela, graças à qual puderam aceder à maioria dos países europeus. Ao longo dos séculos, São Felipe Néri ou os beatos Pedro Poveda e Manuel González ocuparam-se especificamente deles. Em 1958, o papa Pio XII, ao criar a Obra Assistencial e Moral do Nómada, deu-lhes um lugar específico na Cúria Vaticana. O Concílio Vaticano II cita-os especificamente no decreto «Christus Dominus». A partir de 1970, através da Obra de Apostolado dos Nómadas, também denominada Obra de Promoção dos Ciganos, a Igreja procurou desenvolver um conjunto de acções e de estabelecer um conjunto de contactos de modo a proporcionar o desenvolvimento, o acolhimento e a evangelização do mundo concreto em que vivem os diversos grupos de ciganos. Ao longo deste tempo, a par com uma sensação de deserto pastoral e de nos encontramos num campo muito difícil de evangelizar, devemos reconhecer que muito foi já alcançado. A criação, em 1981 do Programa de Promoção Social dos Ciganos que pretendia dar-lhes a iniciativa de modo que, sem destruírem os seus traços culturais, tivessem um papel activo na sociedade, até ao projecto «Ponte sem margens», de 1999, sedeado em Coimbra, que se propunha o desenvolvimento social da comunidade cigana, respeitando as suas riquezas culturais; passando pela chamada «Saga Cigana» e, em 1982, a Associação «Ouga Bénea» (Vamos Vender) que pretendia valorizar o trabalho tradicional da família cigana, promovendo um trabalho simultaneamente com pais e filhos, os pais são apoiados na venda e os filhos em actividades escolares e em ATL, e os pais são, ainda, sensibilizados para a educação escolar dos seus filhos; em 1997 surge a Associação das Oficinas Romani que consiste num projecto de formação profissional para a etnia cigana.

Mas sobretudo é de realçar a realização dos Congressos Mundiais de Ciganos. O primeiro teve lugar em Londres em 1971, contando com a participação de 14 países, o 2º realizou-se em Genebra, em 1978, e contou com a participação de 26 países, e o 3º em Gottinen, em 1981, e contou com 3000 delegados de 22 países e outros se sucederam, o último dos quais, teve lugar na Alemanha, em Setembro de 2008, e versava sobre a evangelização e a promoção humana dos jovens ciganos tendo-os como protagonistas. È significativa para a pastoral o envolvimento dos ciganos, neste caso jovens, na promoção e na evangelização das suas famílias.

Importa também referir quão importantes se manifestaram para a pastoral da Igreja no domínio da evangelização do povo cigano as «Orientações para uma Pastoral dos Ciganos» que o Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes publicou no ano 2006.

Acresce, ainda, os Encontros Nacionais de Pastoral dos Ciganos que, praticamente, todos os anos se foram realizando até ao presente.

Ao trazer estes dados ao presente, não quero senão reconhecer que, no meio de um sector pastoral bastante árido, há já um conjunto de acções, acontecimentos e organizações que foram dando corpo à acção de muitos homens e mulheres, grupos de cristãos e da própria Igreja em prol da evangelização dos nossos irmãos ciganos.

A realidade do povo cigano tem vindo a mudar dentro do contexto em que vivemos. Há mudanças significativas no domínio laboral, no regime habitacional, na frequência escolar, na sua relação com a Igreja, entre outros. Mas continua a ser povo cigano, com as suas marcas de cultura própria, com as suas tradições e valores que teimam em preservar e, sobretudo, com a vontade de uma vida melhor.

Todos estamos conscientes da sua religiosidade. A par com a manifestação de um determinado grupo, a denominada Igreja de Filadélfia, muito liderada por membros da etnia cigana, muitos mantêm uma simpatia por alguns actos religiosos presentes na Igreja Católica, nomeadamente o Baptismo e o culto dos mortos.

São grandes os desafios que são lançados à Igreja na evangelização destes nossos irmãos pelos quais também Jesus Cristo se entregou na Cruz e aos quais quer manifestar as maravilhas da sua Ressurreição.

Permitam-me que acrescente algumas reflexões a partir do que diz Sergio Rodríguez na sua obra «Notas sobre a pastoral cigana». Diz ele: «É imprescindível entender a fé e a cultura se queremos trabalhar com as famílias ciganas. É preciso valorizar a cultura cigana como lugar de evangelização, sabendo fazer uma leitura do Evangelho desde suas pautas culturais e favorecendo uma síntese entre fé e cultura cigana». E, num outro passo, sublinha: «Ao mesmo tempo, é preciso favorecer que os ciganos passem de ser objectos a sujeitos de evangelização, permitindo que sejam eles quem tenham o protagonismo na evangelização de seu povo». E, continua, afirmando que, «para isso, é fundamental desvelar neles opções de compromisso cristão, melhorar sua formação cristã e construir comunidades que permitam processos de crescimento espiritual, individual e colectivo. É necessário converter em realidade aquela frase que Paulo VI pronunciou em 1964, em Pomezia: ‘Vocês, ciganos, estão no coração da Igreja’.» E, termina com a seguinte advertência: «A incidência do pentecostalismo entre os ciganos, muito significativa nos últimos vinte anos, começou a fazer com que muitas dioceses substituíssem a pastoral cigana na própria agenda, criando estruturas específicas e optando por esta metodologia inculturada».

Mas, é forçoso recordar como acção da bondade de Deus através do nosso esforço o facto de hoje em dia serem 60 os ciganos que optaram pelo sacerdócio, o diaconato ou a vida consagrada em todo o mundo.

Gostaria de deixar a todos vós, que sois voz da Igreja para a evangelização dos ciganos, uma palavra de alento e de ânimo. Se há na evangelização a preferência pelos mais pobres e marginalizados, vós estais a trabalhar com eles; um convite ao profundo enraizamento na fé, porque se toda a evangelização é colocar-se na pedagogia do Mistério Pascal, onde o despojamento total dá lugar à iniciativa divina de uma Vida Nova, vós estais a tocar este mesmo mistério; um alerta para a missão que se faz em comunhão eclesial e a partir da experiência de comunidade eucarística e missionária. Neste sentido, compete-vos não só encontrar os dinamismos pastorais adequados para uma verdadeira evangelização do cigano na totalidade do seu ser, mas de despertar em cada comunidade cristã que tem no seu território famílias ciganas a sentirem a responsabilidade da integração comunitária, através do acolhimento, da presença, do empenhamento em caminhar com elas, proporcionando uma verdadeira experiência evangélica.

Termino com as palavras que João Paulo II dirigiu aos participantes num encontro para a pastoral entre os Ciganos, a 8 de Junho de 1995, «é necessária uma nova evangelização orientada para cada um dos seus membros, como para uma querida porção peregrinante do Povo de Deus; este empreendimento ajudar-vos-á a superar as tentações que hoje são fortes: fechar-se em si mesmo, procurar refúgio nas seitas ou ainda dilapidar o seu património religioso a fim de se voltar para um materialismo que impede reconhecer a presença divina».

Que Nossa Senhora, Peregrina com Jesus, acompanhe e abençoe os trabalhos deste vosso Encontro.

+ João Lavrador, Bispo auxiliar do Porto

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