Antigo presidente da Assembleia da República sublinha importância de religiões «no desempenho de um papel decisivo na construção de confiança»
Lisboa, 15 mai 2024 (Ecclesia) – O antigo presidente da Assembleia da República Augusto Santos Silva enfatizou hoje, no Fórum Global KAICIID para o Diálogo, em Lisboa, a “importância que as religiões mundiais têm no desempenho de um papel decisivo na construção de confiança”.
“Vivemos em tempos de turbulência social, polarização política e conflitos armados em muitas partes do mundo, nomeadamente na Ucrânia, no Médio Oriente, mas também no Cáucaso, onde esperamos que a Arménia e o Azerbaijão possam coexistir pacificamente, respeitando-se mutuamente. Por isso, temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para restabelecer a confiança e promover a comunicação e o diálogo entre diferentes regiões, culturas e civilizações”, afirmou, na primeira sessão do encontro internacional.
O Centro Internacional para o Diálogo – KAICIID junta reúne, até quinta-feira, líderes políticos e religiosos mundiais, organizações internacionais e sociedade civil, com a premissa de “usar o poder do diálogo para construir pontes”.
Segundo Augusto Santos Silva, a própria base do diálogo tem de ser um compromisso claro de considerar que as diferenças de cada um “enriquecem o mundo” e que o mundo é uma “responsabilidade comum”, “uma vez que todos são seres humanos e têm de “viver juntos num único planeta”.
“Somos diferentes em tradições, línguas, modos de vida, regras sociais e hábitos, mas somos iguais em dignidade e valor. Partilhamos a mesma humanidade. E todos os dias, em todo o mundo, esta é de facto a mensagem básica transmitida pelas religiões globais”, destacou.
No discurso proferido perante responsáveis religiosos, políticos e sociais, o ex-presidente da Assembleia da República defendeu que as religiões fornecem às pessoas “uma interpretação do mundo”, dão “um sentido de comunidade”, “estruturam a vida” e “alimentam as instituições sociais”.
“As religiões chamam-nos para a tarefa fundamental de respeitar a natureza e o ambiente, de tornar as nossas cidades mais inclusivas, de cuidar especialmente das pessoas mais vulneráveis. E as religiões fazem tudo isto de uma forma muito singular, uma vez que nos obrigam a distinguir o que está certo e o que está errado, o que é bom e o que é mau, e a identificar e honrar o que é para nós sagrado. É por isso que precisamos tanto das religiões”, destacou, reforçando este ser um ponto de vista laico.
Para Augusto Santos Silva, “a criação de confiança é um trabalho abrangente”, envolve “várias ações e muitas questões a abordar”, “necessita de tempo, paciência e um contexto favorável”: “Exige a vontade e a capacidade de ouvir o outro, de aceitar e abraçar a alteridade alternativa, de conhecer e compreender a história passada e contemporânea e de respeitar a história do outro”.
É preciso ensinar e aprender ao mesmo tempo, estar em constante diálogo com vários interlocutores. Mas para dialogar, é preciso partilhar a mesma língua ou ser capaz de traduzir a língua dos outros para a nossa. E estou a falar de linguagem. As palavras, os pensamentos, os símbolos, os valores, as crenças, as formas de pensar, os sentimentos, tudo isso está incorporado na linguagem. Nesse sentido, as religiões globais são, de facto, línguas globais que atravessam fronteiras e chegam praticamente a toda a humanidade”.
De acordo com o antigo presidente da Assembleia da República, “proporcionando um conjunto comum de valores, cada religião global une pessoas pertencentes a diferentes continentes, regiões e sociedades, estabelecendo uma poderosa rede de cooperação internacional”.
“Em suma, participar no diálogo inter-religioso é melhorar a nossa capacidade de desenvolver a nossa própria linguagem numa interação frutuosa com a linguagem dos nossos semelhantes, descobrindo coletivamente desta forma os valores universais que são a nossa herança comum. E esta é, de facto, uma grande via para construir confiança mútua, a tão necessária confiança mútua em tempos tão turbulentos”, defendeu.
O presidente da Câmara de Lisboa foi também um dos participantes da primeira sessão do Fórum Global KAICIID para o Diálogo, assinalando as vantagens da diversidade cultural, nomeadamente na capital portuguesa.
“Nesta cidade, atualmente, 20% da nossa população não nasceu em Lisboa, nem sequer é portuguesa, mas são lisboetas, são de Lisboa. E mostram que a força da diversidade é que ela funciona, que quando se pensa de forma diferente, criam-se coisas melhores e grandes para a humanidade”, realçou.
Carlos Moedas apontou que a “diversidade é muito difícil”, porque é humano desejar rodear-se de alguém semelhante.
A minha grande professora em Harvard, Linda Hill, costumava citar e dizer que aprendeu com o falecido Nelson Mandela que, na verdade, quando começamos a trabalhar com alguém que é tão diferente de nós, é muito difícil. Demora mais tempo, mas quando funciona, é maravilhoso. E é disso que se trata a diversidade, é que no início é provavelmente mais difícil, mas depois resulta. E é por isso que é tão importante que os políticos de hoje se esforcem e lutem pela moderação, porque a moderação tem a ver com a diversidade”.
O autarca relembrou ainda a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, cuja cidade acolheu cerca de 1,5 milhões de pessoas, indicando que o que recorda daquela semana de agosto é “a positividade da religião”.
“Toda a gente estava feliz nesta cidade. Durante seis dias, os rostos sorriam. As pessoas estavam a falar. Eram pessoas de diferentes religiões. Algumas delas nem sequer têm religião, mas estavam felizes. Eram positivas. E isso é algo que nunca esquecerei”, frisou.
LJ/OC