Vice-reitor da Universidade Católica e dois apresentadores de televisão leram breves relatos de vítimas
Lisboa, 30 jun 2022 (Ecclesia) – A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja em Portugal validou 338 testemunhos, em seis meses, e 17 casos foram enviados para o Ministério Público.
“Na quase totalidade dos testemunhos recebidos aparece uma dupla expectativa das vítimas: O pedido de perdão pelo passado, assumido pela Igreja, junto das vítimas, a par do inequívoco compromisso por um futuro diferente perante todos os seus fiéis”, referiu hoje Pedro Strecht, em conferência de imprensa, num balanço do trabalho realizado desde janeiro.
O coordenador da comissão disse aos jornalistas, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que entre os testemunhos validados – 29 foram excluídos – 56,9% são de homens.
Segundo o seu coordenador, a Comissão Independente já enviou para a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) “justamente para que sobre estes testemunhos, e o consequente número de vítimas não reste apenas a resignação”, isto diz respeito à “necessidade inequívoca” da materialização da sua mensagem e do seu significado, “através de uma forma simples, digna, publica, mas para que não se esgote em palavras que poderiam perder o verdadeiro e profundo sentido”.
Este responsável explicou que “foram resolvidos com sucesso pontos importantes” sobre o acesso aos arquivos da Igreja Católica em Portugal por uma equipa de historiadores e arquivistas.
Pedro Strecht destacou que através do “empenho da CEP”, que enviou uma delegação à Santa Sé, foi possível, a 9 de junho, receber um documento assinado pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolim: “Corresponde a cada ordinário autorizar o grupo de investigação histórica da Comissão Independente consultar toda a documentação conservada nos arquivos eclesiásticos, mesmo secretos, sempre sob supervisão de bispo diocesano ou superior maior”.
O coordenador assinalou os encontros realizados com a CEP e a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal – CIRP, indicando que “todas as dioceses, institutos religiosos e sociedades de vida consagrada” receberam “as notas metodológicas relativas ao trabalho arquivístico, bem como a ficha de inquérito preliminar a realizar na fase 1 de levantamento de dados”.
O pedopsiquiatra lamentou que a mensagem e os contactos da Comissão Independente ainda não chegam a zonas mais periféricas dos grandes centros de Portugal, que têm “menor densidade populacional e indicadores diversos de maior isolamento”, locais onde reside grande parte de população mais envelhecida “e/ou com menores habilitações literárias”.
Pedro Strecht começou por destacar que a relação da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja em Portugal com a Conferência Episcopal, “que solicitou este estudo”, tem-se pautado como “uma boa prática de confiança mútua, cada vez mais em franca articulação”.
“Na qual se deseja, de parte a parte, prosseguir no sentido preciso de conhecer o que sobre este tema aconteceu no passado para melhor se poder atuar no futuro”, acrescentou o pedopsiquiatra.
Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, recordou que a comissão tem um número de telefone que foi divulgado como uma das formas de receber testemunhos, “quer de vítimas, quer de outras pessoas que voluntariamente quiseram ajudar nesta missão” e, até esta quarta-feira, receberam 241 telefonemas, 101 de pessoas do sexo feminino e 140 do sexo masculino.
“83 foram vítimas que passaram por situações de abuso sexual por membros da Igreja Católica, e preencheram o inquérito online com a nossa ajuda. Todas as pessoas foram atendidas por uma psicóloga clínica e uma assistente social”, desenvolveu, indicando que 27 telefonemas foram de “informadores privilegiados para o estudo”.
Segundo a assistente social e terapeuta familiar, entrevistaram 26 pessoas, “todas com dois técnicos da comissão”, destas 21 pessoas foram vítimas” – 14 presenciais e sete por zoom, 15 pessoas do sexo masculino e seis do sexo feminino, a “mais nova com 22 anos e a mais velha 66.
Numa intervenção lida pelo coordenador da comissão, o juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça Álvaro Laborinho Lúcio informou que já remeteram para o Ministério Público “relativamente à eventual instauração do respetivo procedimento criminal 17 testemunhos”, mais um, aos 16 que já tinham enviado.
O antigo ministro da Justiça indicou também que têm sido estabelecidos contactos com a Polícia Judiciária para “apurar da existência de investigação” e para obterem “informação detalhada de casos ali registados de abusos sexuais contra crianças no seio da Igreja Católica”, durante o período do estudo da comissão.
O psiquiatra Daniel Sampaio referiu-se ao “abuso sexual no geral, não especificamente na Igreja Católica”, salientando que, se foi a Igreja Católica que deu este passo, de “escutar os abusos no seu seio, é preciso que a sociedade também o faça”.
Na conferência de imprensa desta manhã, o padre José Manuel Pereira de Almeida (Patriarcado de Lisboa), vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, e os apresentadores de televisão Carolina Patrocínio e Manuel Luís Goucha leram breves testemunhos de abuso sexual, partilhados por três vítimas.
CB/OC