Igreja não se pode deixar derrotar pelo pessimismo

Entrevista a D. António Marto, um dos delegados da CEP no Sínodo dos Bispos D. António Marto, Bispo de Viseu, foi um dos dois delegados da CEP no Sínodo dos Bispos. Em entrevista à Agência ECCLESIA fala da experiência de três semanas exigentes, nas quais viu o confronto entre o pessimismo ocidental relativamente ao ambiente cultural em volta da fé cristã e o optimismo de quem vive outras experiências de Igreja. Agência ECCLESIA – Que balanço pode fazer dos trabalhos desta XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo? D. António Marto – A primeira parte do Sínodo ofereceu-nos um panorama da vida das Igrejas espalhadas pelo mundo a partir da Eucaristia. De facto, não se fala da Eucaristia abstractamente, mas a partir do contexto vital das comunidades. Na América Latina, por exemplo, sobressaía a preocupação da dimensão comunitária e social da Eucaristia, ligada aos problemas da pobreza e da justiça social. Da África vieram testemunhos da alegria da celebração eucarística, no meio da pobreza, como uma fonte de esperança. Houve testemunhos humildes da vivência e da devoção à Eucaristia no meio de sociedades que seguem outras religiões o que, por conseguinte, faz que os cristãos encontrem na Eucaristia a fonte da sua identidade. Os padres da Europa e da América do Norte falaram já a partir de um ambiente de indiferentismo, que se estende à Oceania, com um relativismo cultural, espiritual e moral. A Eucaristia é aqui um convite de regresso às fontes da fé, para recuperar a vitalidade, a novidade, a frescura da fé cristã num mundo onde a descrença alastra bastante. A primeira parte dos trabalhos parecia muito confusa, mas é importante encontrar uma chave de leitura, que é o contexto vital dos vários acontecimentos. Debateram-se problemas de ordem teológica: a novidade da Eucaristia, o dom que representa para os cristãos, a dimensão sacrificial, de doação, presente em Cristo, a dimensão missionária. Seguiram-se problemas pastorais, que dizem mais respeito à celebração, à participação, à falta de possibilidade de Eucaristia em algumas comunidades pela falta de vocações sacerdotais, e os problemas disciplinares, mais de ordem normativa, em ordem a assegurar a celebração correcta. Todos eles foram debatidos mais particularmente nos “Círculos Menores”, de intercâmbio e de debate, para chegar às proposições que o Sínodo oferecer ao Papa. AE – Não foi um trabalho tão teórico como se queria fazer crer… AM –A Eucaristia não foi tratada abstractamente, mas sempre em relação com as esperanças e os sofrimentos da humanidade nas várias partes do mundo. Por isso, a Mensagem do Sínodo – que quis ser de alegria, de esperança – traduz essa preocupação por uma nova cultura, uma nova civilização no mundo, para a qual contribui este Sacramento enquanto vivido, celebrado e testemunhado pelos cristãos. A Eucaristia é uma fonte de cultura, de comunhão, de reconciliação, de paz, de solidariedade e de amor. AE – Essas dimensões estiveram presentes na sua intervenção, mas nem todos seguiram essa linha… AM – No meio de todas as intervenções havia também uma corrente que olhava mais para a parte disciplinar, a respeito dos abusos que se cometem na celebração da Eucaristia. Os padres ocidentais deixaram transparecer, ainda, um certo pessimismo, por causa da cultura hostil à fé cristã, o que se reflecte na participação na Eucaristia. Foi preciso dar depois um sinal de esperança e de alegria: a cultura pós-moderna que prevalece no Ocidente tem as suas dificuldades em relação à fé cristã, mas é evangelizável, tem pontos de abertura e de ligação àquilo que constitui a identidade dos cristãos, a Eucaristia. Nesse sentido, era preciso fazer a ligação entre a Eucaristia e as aspirações do coração humano, de todo o tempo, embora em culturas diferentes. Este mundo também é amado por Deus e, por isso, procurei – não fui o único, houve seis intervenções sobre a beleza da fé e da Eucaristia – mostrar a via da beleza como uma das portas de abertura do homem moderno ao Evangelho. AE – Sentiu-se a pressão mediática em volta de tudo o que se fazia e dizia no Sínodo? AM – Sim, nós também lemos jornais, vemos os noticiários e os ecos que vão chegando. Sentíamos que não podíamos estar apenas a tratar de questões internas à própria Igreja, era preciso responder às questões cruciais da humanidade, daí que se fosse fazendo um caminho progressivo, em ordem a seleccionar os temas. O próprio caminhar levou a fazer a selecção, até chegar às Proposições, o que não quer dizer que elas esgotem toda a riqueza do Sínodo, nas intervenções e nos debates. AE – A centralidade do Domingo não foi das questões mais mediáticas… AM – Essa foi, até, das questões menos tratadas nas intervenções. As questões de fundo foram agrupadas em volta de três temas: a formação do Povo de Deus para a fé na Eucaristia; a participação do Povo de Deus na Eucaristia, onde entra o tema do Domingo; a missão do Povo de Deus no mundo. Isto deu unidade às várias problemáticas que se foram colocando. Para os Cristãos, o Domingo tem um sentido salvífico, de celebração e testemunho da identidade cristã, Dia de Deus para nós e nosso para Deus e os irmãos. Há aqui uma dimensão cultural muito grande, por onde passa todo o testemunho e a riqueza de humanidade própria da fé cristã, como o repouso, o encontro familiar, a libertação em relação ao trabalho, a dimensão caritativa, a dimensão festiva da vida, valores que hoje são postos em causa por uma cultura consumista e mercantil. Daqui nasce a insistência de que os cristãos façam do Domingo o dia da sua identidade, da celebração da sua fé. AE – Enquanto delegado da Conferência Episcopal Portuguesa, que aspecto do Sínodo julga ser mais importante para a vida da Igreja em Portugal? AM – Eu diria que todos o são, estabelecendo prioridades, naturalmente. Aqui no Ocidente, a quebra da frequência dominical foi interpretada como um sinal do enfraquecimento da fé e do amor a Jesus Cristo, da perda da identidade cristã. É um alarme em ordem a ir ao coração da fé, a um projecto de evangelização que brota da Eucaristia para redescobrir a frescura da fé. Um outro aspecto é a dignidade e a beleza da celebração cristã, que deve traduzir em si a beleza do mistério de Deus. Todas as comunidades cristãs deviam empenhar-se para que toda a celebração seja expressiva da beleza de Deus e da fé cristã. A Eucaristia é também para o mundo e essa dimensão não pode faltar. Por conseguinte, ela é fonte de uma cultura eucarística, de atitudes e comportamentos sociais e pessoais em ordem à transformação da sociedade.

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