Igreja lança reflexão sobre Portugal

Ciclo do SNPC passa pelo centenário da República, procurando traços maiores e referências do nosso país O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC) da Igreja Católica promove de 2008 a 2011 um ciclo de reflexão sobre a identidade portuguesa que passará, entre outros, pelas celebrações do centenário da República, no nosso país. Este centenário é assumido, de facto como “oportunidade para pensar Portugal: os seus fundamentos, os seus traços maiores e referenciais, mas também o seu viver de agora”. Para D. Manuel Clemente, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais (CECBCCS), este ciclo reflexivo procura “reflectir sobre a identidade portuguesa”, não apenas por causa dos acontecimentos de 1910, mas recuando até às invasões francesas, há 200 anos, “que trouxeram o impacto da contemporaneidade a Portugal”. A partir daí, explica o Bispo do Porto, “levantaram-se questões entre sociedade portuguesa, tradição católica, cultura, mentalidade, que ainda hoje estão em aberto”. “Portugal, de novo” foi o tema das IV Jornadas da Pastoral da Cultura, em Fátima, as primeiras que se realizaram neste novo ciclo desenhado pelo SNPC. O Pe. Tolentino Mendonça, director deste secretariado, explica à ECCLESIA que “esta iniciativa traz sobretudo o testemunho de um estilo da Igreja, a vontade de diálogo e proximidade com a realidade nacional”. “O conhecimento do modo como se vive, quais são as dinâmicas que dão corpo ao viver comum são importantes também para a missão da Igreja, que é o serviço do homem”, diz o sacerdote e poeta madeirense. Quanto à coincidência desta escolha com o centenário da República, o director do SNPC diz que “este é um momento de comemoração, mas não só, será também um momento de reflexão e de repensamento: a melhor maneira de comemorar um marco do passado é dizer como estamos nós agora”. “Para a própria Igreja, mais do que pensar qual foi a situação há 100 anos atrás, importa perceber qual o seu lugar hoje, o contributo que oferece numa sociedade aberta e democrática”, precisa. Portugal e o catolicismo No debate que manteve com o historiador Rui Ramos, nas Jornadas de Fátima, D. Manuel Clemente falou no “Catolicismo, sempre de novo em Portugal”, lembrando, a respeito do tema, que uma sondagem publicada a 10 de Junho, pelo Público, frisava que quase 70% dos inquiridos julgava que “ser português equivale a ser religioso, e mais concretamente católico”. À ECCLESIA, assinala que “esses portugueses definem-se mais em termos religiosos do que políticos, mas são exactamente essas questões que é preciso definir”. Para Tolentino Mendonça, “não há dúvida de que a dimensão religiosa é uma marca fundamental para a identidade” e “é importante perceber que o catolicismo deixa uma marca muito importante, não só no passado, mas também no presente”. “Na hora de dizer quem somos, a tradição cristã é um pólo fundamental dessa afirmação, pessoal e nacional. Isso para a Igreja é um desafio muito grande, no sentido de ela se mostrar ainda mais presente, ainda mais capaz de estabelecer pontes e diálogos com uma realidade que é cada vez mais heterogénea e mais global”, acrescentou. D. Manuel Clemente sustentou que “a actualidade volta a juntar catolicismo – particularmente Fátima – e Portugal”. “Por um lado, o lado de dentro, porque a renovada adesão às peregrinações traz à Cova da Iria, em toda a roda do ano, quantidades grandes e qualidades novas (na idade e no extracto social) de crentes e ex-descrentes. Inquéritos e sondagens evidenciam que, além de necessidades concretas, suas ou dos seus, muitos destes peregrinos demandam respostas e significados identitários e até ‘nacionais’, colectivos. Por outro lado, o lado de fora, Fátima é, para muitos portugueses espalhados pelo mundo o maior lugar de reencontro, religioso e português, a 13 de Agosto e não só”, precisou o presidente da CECBCCS. Que Portugal? “Duzentos anos depois das Invasões Francesas (1807-1811), quase um século depois da implantação da República (1910) e no novo quadro da União Europeia”, frisou o Bispo do Porto, o momento presente “é ocasião propícia e inevitável para nos perguntarmos sobre a realidade nacional, culturalmente falando, precisamente enquanto «Portugal»”. Em termos de identidade, indicou, “as coisas não foram fáceis, como a longa querela entre liberais e legitimistas demonstrou”. “O que estava então em causa, portuguesmente falando, era o que voltou a estar em 1910, 1926, 1974 ou ainda hoje, reaparecendo espontaneamente em torno de assuntos tão díspares como o acordo ortográfico ou o Tratado de Lisboa: o que é ou será o «Portugal» a manter, ou a «regenerar», ou a «progredir»”, precisou. Rui Ramos, historiador, falou do facto de haver sempre um modelo estrangeiro a adoptar em Portugal, “há sempre a necessidade de mudar, deixar de ser como somos” “Este discurso é um mito, esconde a realidade da mudança”, alertou o especialista, lembrando que “os portugueses são uma das populações ocidentais cujo modo de vida mais mudou nos últimos 40 anos”. Mesmo perante um país transformado “brutalmente” nos últimos anos, continua a exigir-se “mais mudança” e “ignora-se a mudança que o país já sofreu”. “Um dos maiores obstáculos foram as mudanças recentes, como o Estado Social mais virado para se servir a si próprio do que para servir aqueles que precisam”, indicou, referindo ainda que o envelhecimento das populações e os problemas de natalidade são “consequência das mudanças”. Neste contexto, desafiou a descobrir no passado “bases para assegurar a flexibilidade”, numa ecologia social, cultural, histórica, conjugando “os passados com os futuros”. Os portugueses, disse, são “várias maneiras de ser” unidas por uma “conversa sobre Portugal”. Para Rui Ramos, há que saber resistir à tendência de “projectos homogeneizadores”, com discursos exclusivistas sobre Portugal.

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