Padre Manuel Barbosa recorda dimensão de «perdão e misericórdia» do Evangelho
Lisboa, 24 out 2017 (Ecclesia) – O secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) lamentou hoje o recurso à Bíblia na fundamentação de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, sobre violência doméstica, divulgado este domingo pelo JN.
“Neste caso em que há uso incorreto ou incompleto [da Bíblia], pois no episódio do encontro de Jesus com a mulher adúltera, ele pede àqueles que não têm pecados para atirarem a primeira pedra. Eles acabam por se afastar, simplesmente”, realça o padre Manuel Barbosa, em declarações à Agência ECCLESIA.
Em causa, acrescenta o secretário da CEP, está a necessidade de – sem que isso represente “aceitar o adultério” – “respeitar a dignidade da mulher e de se colocar numa perspetiva de perdão e misericórdia”, como tem acentuado o Papa Francisco.
“Não se pode atenuar ou justificar qualquer tipo de violência, no caso a violência doméstica, mesmo em caso de adultério”, declara.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto justificou a manutenção da pena suspensa para um homem que agrediu a sua mulher, considerando que a conduta desta, ao manter uma relação extraconjugal, representaria uma atenuante vista com “alguma compreensão” pela sociedade.
“Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, refere a argumentação do acórdão.
O texto não refere em específico qualquer passagem bíblica; o capítulo 20 do Levítico (terceiro livro do Antigo Testamento) determina, em orientações ao povo judaico, que “o homem adúltero e a mulher adúltera” sejam punidos com a morte.
Em fevereiro deste ano, num encontro para a recitação da oração do ângelus, o Papa Francisco afirmou que Jesus Cristo dá um novo “cumprimento” à lei matrimonial, que deixa de ser vista à luz do “direito de propriedade do homem sobre a mulher”, como acontecia no Antigo Testamento.
A mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz de 2017 denunciava, por sua vez, a “violência doméstica” e os “abusos sobre mulheres e crianças”, em particular dentro das famílias.
O Sínodo dos Bispos sobre a família, que o Papa encerrou em outubro de 2015, deixou uma mensagem de solidariedade às vítimas de violência doméstica e de maus-tratos, apelando a “uma colaboração estreita com a justiça para agir contra os responsáveis e proteger adequadamente as vítimas”.
Meses antes, Francisco tinha admitido no Vaticano que a separação pode ser “inevitável” para defender as vítimas, em casos de violência doméstica.
“Há casos em que a separação é inevitável. Por vezes, pode tornar-se mesmo moralmente necessária, quando se trata precisamente de poupar o cônjuge mais fraco ou os filhos pequenos às feridas mais graves causadas pela prepotência e a violência”, declarou, na Praça de São Pedro.
OC