Cardeal português citou ensinamento do Papa Francisco para defender superação da conflitualidade que marca sociedade contemporânea
Lisboa, 06 jan 2020 (Ecclesia) – O cardeal português D. José Tolentino Mendonça alertou em Lisboa para a crise da “esperança”, na sociedade contemporânea, que pode pôr em risco a democracia, perante o aumento da “conflitualidade”.
“Hoje vivemos um certo impasse, um certo bloqueio das sociedades democráticas, que são lugares de desencanto, porque não conseguem realizar as aspirações fundamentais dos cidadãos”, assinalou o arquivista e biblista da Santa Sé, num encontro que decorreu na tarde desta segunda-feira, no centro do Graal – Terraço, em Lisboa.
Na conferência sobre ‘Um olhar esperançado sobre este tempo’, o colaborador do Papa sublinhou que se vivem tempos de “grande conflitualidade”, visíveis nas redes sociais, por exemplo, uma “uma guerra de ‘eus’”, num tempo em que milhões de pessoas tiveram a possibilidade de “assumir-se como sujeitos”.
O cardeal madeirense falou de “regressões” que são “desconcertantes”, a nível político e social
“Nós vemos isso na forma como tantas comunidades europeias lidam com a questão dos refugiados e dos imigrantes, no fundo, a questão do outro. E, de facto, há uma conflitualidade latente”, precisou.
D. José Tolentino Mendonça considera necessário “interpretar o tempo com esperança, com coragem”, inspirados pelo Papa Francisco, para “habitar a mudança, os tempos de crise, os tempos de acelerada transformação”.
Entre a incerteza e o desconhecido, advertiu, há o perigo de “aprisionar o olhar a um pessimismo muito grande”.
O membro da Cúria Romana deixou conselhos para a “construção do olhar”, a partir de “quatro pontos cardeais” do pensamento do Papa Francisco, a partir da sua primeira exortação apostólica, ‘A Alegria do Evangelho’: “o tempo é superior ao espaço”; “a unidade prevalece sobre o conflito”; “a realidade é mais importante do que a ideia”; “o todo é superior à parte”.
Face à ditadura do imediato, indicou, é necessário recuperar uma “dimensão lata” da temporalidade e “reconhecer a vida como ela é”.
Um dos dados contraditórios da nossa contemporaneidade é que, numa aldeia global, onde temos acesso a toda a informação, onde podemos ser vizinhos de situações e vivências tão distantes das nossas, cada vez mais estamos enclausurados no mesmo, no idêntico”
O cardeal e poeta apelou à “paixão pelo outro”, propondo uma “ecologia do quotidiano”, apresentada pelo Papa Francisco na encíclica ‘Laudato Si’, para “fazer a diferença”.
“É a ecologia dos pequenos gestos, daquilo que só eu posso fazer”, explicou.
No encontro promovido pelo Graal, movimento internacional de mulheres cristãs, o cardeal respondeu à pergunta do pequeno Joaquim, sobre como é se pode falar da esperança a uma criança de 11 anos.
“A esperança é poderes crescer, é poderes ainda ser, é poderes sentir que estás no início, que estás a começar”, declarou.
O colaborador do Papa convidou a contrariar a “desesperança”, o pensar que “as portas estão todas fechadas”, para permitir “o triunfo da esperança sobre a previsibilidade”.
“A esperança é quando nós percebemos que alguém nos pode salvar, que há uma boa nova, uma boa notícia, há portas que se vão abrir”, indicou.
LS/OC