Igreja/Cultura: «Silêncio», o romance «teológico» que transmite «inquietações» sobre a fé

Padre Adelino Ascenso foi missionário no Japão quase 20 anos e comenta obra de Shusaku Endo agora adaptada ao cinema

Lisboa, 17 jan 2017 (Ecclesia) – O superior-geral da Sociedade Missionária da Boa Nova foi missionário no Japão durante quase 20 anos e fez uma tese de doutoramento sobre Shusaku Endo, o autor de ‘Silêncio’, obra de “fundo histórico” que é um “romance teológico”.

“O livro poderíamos dizer que é quase um compendio de Teologia em forma de ficção com uma dramaticidade impressionante”, afirmou o padre Adelino Ascenso no programa 'Ecclesia' desta segunda-feira.

Para o missionário, o livro ‘Silêncio’ “é um exemplo magistral” da busca de Shusaku Endo como “cristão e japonês”, é um “eixo axiológico da sua teologia”.

O padre Adelino Ascenso que fez um trabalho de investigação a 10 obras de ficção de Shusaku Endo considera que ‘Silêncio’ “tem um miolo teológico impressionante”, uma obra onde o escritor usa como técnica o fundo histórico para “transmitir as suas inquietações”, principalmente sobre a “fé”.

Esta quinta-feira estreia em Portugal o filme baseado no romance homónimo do escritor nipónico que conta a história de dois padres da Companhia de Jesus do século XVII que foram para o Japão em busca do seu mentor, o jesuíta português Cristóvão Ferreira, e que são perseguidos e torturados durante a sua missão.

“Pelo que tenho escutado que está de acordo com a mensagem que Shusaku Endo procurou transmitir com o livro”, observou.

Para o sacerdote, “um dos pontos fundamentais” da obra escrita é a valorização dos “cristãos escondidos” (em japonês, Kakure kirishitan) que transmitiram a fé “ao longo de 250 anos sem sacerdotes”.

O superior-geral da Sociedade Missionária da Boa Nova explica que no título da obra estão presentes vários silêncios, “não só de Deus”, e que o protagonista começa por pensar que está “de braços cruzados” porque não defende os seus seguidores, “principalmente da instituição” (Igreja) relativamente aos que tinham apostatado.

‘Transcultural Theodicy in the fiction of Shusaku Endo’, é o título da tese de doutoramento em teologia do padre Adelino Ascenso, que realça que o autor japonês foi batizado aos 12 anos, após o divórcio dos pais e depois de regressar ao Japão.

“Ele diz que foi batizado sem entender absolutamente nada, para satisfazer o desejo da sua mãe. Usa a expressão que foi como se a mãe lhe tivesse dado um fato ocidental bastante largo que teria de adaptar ao corpo de japonês”, explica, sobre o entendimento do cristianismo como uma religião estrangeira.

Para o especialista, a evangelização nos séculos XVI e XVII estaria mais baseada nessa “normativa ocidental” e Shusaku Endo no romance histórico procura transmitir “a necessidade de desenvolver, estudar, estruturar, criar, uma imagem de Cristo que seja adaptável à mentalidade japonesa e ao contexto cultural”.

“É um Cristo que tem fundamentalmente três características: é débil, não é triunfalista; é companheiro do débil, fraco, do que sofre e, em vez de Cristo juiz, é compassivo, maternal. Acolhe o pecador por mais terrível que seja pecado”, contextualiza.

A mais recente edição do Semanário ECCLESIA – ‘Dúvida e martírio, de Portugal ao Japão’ – dedicada ao filme ‘Silêncio’, traz uma entrevista do realizador Martin Scorsese à revista ‘America Magazine’ e diversas análises e opiniões sobre esta presença cristã no Japão.

PR/CB

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