Igreja/Cultura: «O pior que pode acontecer» é quando «a cruz se torna ornamento»

Sexta-feira Santa só se pode compreender com o domingo de Páscoa, considera padre José Tolentino Mendonça

Lisboa, 19 abr 2011 (Ecclesia) – O responsável pela relação da Igreja Católica em Portugal com o mundo da cultura, padre José Tolentino Mendonça, teme que a cruz, principal símbolo dos cristãos, perca o seu significado e se torne num adereço decorativo.

“A cruz é uma linguagem paradoxal e também uma interpelação. O pior que pode acontecer é quando ela se torna ornamento, quando a trazemos ao peito como trazemos um outro símbolo qualquer a que não damos importância”, afirmou à ECCLESIA.

A banalização daquele símbolo estende-se também aos fiéis: “Hoje os cristãos continuam a fazer a cruz sobre o seu corpo, e muitas vezes fazem-no de forma mecânica. Isso é triste porque é diminuir e dispersar o seu sentido de levantamento”, acrescentou.

O biblista recordou a dimensão “paradoxal” e “ambígua” da cruz, ligada à “história de sofrimento e rejeição que Jesus protagoniza” e o “dom que ela exemplifica e testemunha”, uma dupla vertente especialmente patente na sexta-feira Santa, data em que os cristãos evocam a crucificação de Cristo.

Para o diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, a cruz “é o símbolo da radicalidade do gesto cristão”, que Jesus exprimiu ao estar “disposto a ir até ao fim”, manifestando “um amor incondicional” que “vai ao extremo de si na lógica do dom”.

A par do significado da cruz como “árvore da vida”, coexiste o “sentido do homicídio, da máquina torcionária que massacra o justo”, tornando-se então “denúncia de todos os processos que conduzem à violência e à injustiça”.

O poeta considera que “os grandes opositores da mensagem cristã”, mais do que “grupos humanos”, são o sofrimento da vítima, a fome, o injustificável, o irreparável da violência e da guerra” e o “manto de egoísmo” que se estende na sociedade.

As implicações da morte de Cristo só se podem compreender plenamente com a ressurreição: “O mistério da cruz não acaba nela – transcende-a e vence-a. Jesus é vencido e é vencedor, é triunfador da cruz precisamente porque há a manhã de Páscoa, porque há essa insurreição que ela representa”, referiu.

Depois de precisar que a ressurreição “é o inédito de Deus”, Tolentino Mendonça assinalou que ela “estilhaça as certezas humanas” e as convicções obtidas a partir dos “sentidos” e da “racionalidade”.

A ressurreição contraria “a vitória fatal que a morte parece ter sobre a história humana e sobre as nossas histórias”, sublinhou o sacerdote madeirense.

PTE/RM

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