Igreja: «A palavra ‘irmã’ ou ‘irmão’ pode mudar a realidade» – João Maria Carvalho

Jovem de 24 anos acredita que experiências comunitárias como a que vive na Casa Velha – Ecologia e Espiritualidade estão a mostrar uma geração que quer «tecer a Igreja» de «proximidade» e relação

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 25 out 2023 (Ecclesia) – João Maria Carvalho, que cantou o Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, no Vaticano, diz que a palavra “irmã ou irmão” é a afirmação “mais poética” e que mais age sobre a realidade.

“A palavra «irmã» ou «irmão» muda tudo. Acho até que é a palavra que muda mais. Talvez seja a mais poética e que age mais sobre a realidade. E age sobre tudo: sobre o nosso olhar pelas coisas, pela nossa relação uns com os outros. É uma palavra simples mas difícil porque é difícil chamar irmão, porque o dar nome é mais do que catalogar, é entrar noutra dinâmica de relação com tudo”, explica à Agência ECCLESIA.

O Cântico das Criaturas, escrito por São Francisco de Assis, escrito no século XIII, foi cantado pelo jovem de 24 anos, na Praça de São Pedro, durante a vigília de oração ecuménica, antes do início da assembleia sinodal, que decorre no Vaticano.

João Maria Carvalho diz que regressa ao cântico assiduamente, “numa fase, regressava todas as manhãs”, e explica que sempre imaginou aquele poema dito ou cantado de forma “desamparada”.

Senti que o Cântico era para ser cantado de forma desamparada, nu, a capella; é bom criar um espaço onde a fragilidade e desamparo possa ser mostrado”.

João Maria Carvalho integra a comunidade da Casa Velha, uma associação que alia a ecologia e a espiritualidade, localizada em Vale Travesso, em Ourém.

“Na experiência comunitária que faço na Casa Velha reconhecemos uma proximidade e ao mesmo tempo, o acolhimento de uma fragilidade – ai todos somos irmãos e irmãs, onde nos vemos desamparados, desmascarados que nos permite vermo-nos mutuamente. Na Casa Velha há uma comunidade e isso é raro. É uma comunidade onde cada um – ainda estamos a descobrir o que somos – pode ser mano. Cada um dos manos encontra um lugar onde pode ser inteiro e onde nos tentamos olhar de forma inteira, não às partes, mas inteiros. Só sabemos os nomes quando reconhecemos que somos manos”, explica.

O jovem de 24 anos, licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, e também professor de Língua Portuguesa, dá conta de uma “esperança” que vê nascer numa geração, que integra, e que procura lugares de construção da Igreja.

“A Casa Velha é um lugar profético de Igreja porque já acontece ali qualquer coisa e promete-se outra. O Reino é realidade e horizonte, e a Casa Velha é assim também”, indica.

“Não são apenas experiências mas modos de vida que estão a surgir, modos de ser Igreja e ser comunidade, de nos reunirmos à volta da mesa, e isso devolve uma esperança imensa. Mais do que esperança dá uma sensação de enraizamento, há um modo de habitar do qual quero fazer parte”, conta.

Eu dou muito para o tecer de uma comunidade e da Igreja – talvez assim se altere a ideia de que há a Igreja e depois estou eu. Não. Eu não entro na Igreja; eu teço esta Igreja e não o faço como uma tarefa mas porque Deus me fala e a cada um dos manos de uma maneira nova”.

Leitor diário e “orgânico” de poesia, João Maria Carvalho recorda que foi na adolescência que descobriu o mundo dos poetas, “uma forma de confirmar o estar no mundo”, e acredita que esta pode alterar as pessoas, e só assim, poderá influenciar o rumo dos dias.

Em Elvas, onde cresceu, conheceu as primeiras palavras mas não sabe dizer quais – as primeiras foram as das histórias do avô, dos cânticos de Natal de Elvas, ditas ao som da ronca um instrumento musical típico.

“As primeiras palavras vêm de uma atenção ao que vai sendo dito, mais até do que ao que se diz. A minha infância foi encantada nesse sentido. Essa sensibilidade às palavras vem da pronúncia alentejana, das expressões, e depois pela leitura, sobretudo da Sophia de Mello Breyner. Começou pelos livros de infância mas lembro-me de ter pedido para me comprarem tudo desta escritora, porque eram contos preocupados com a palavra, com o deixar a palavra límpida e brilhante”, recorda.

Na adolescência, quando descobriu os poemas, percebeu como as palavras podiam ser “soltas”, “não domesticadas” o que para aquela fase da vida lhe permitiu sentir-se capaz de tudo.

Hoje acredita que a poesia ajuda a dar ritmo aos dias, a criar peso ou leveza nas horas.

A conversa com João Maria Carvalho pode ser acompanhada esta noite no Programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e escutada posteriormente no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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