Idanha-a-Nova: Passado deixou «tesouro da fé» e tradições que marcam Semana Santa

Investigador António Catana explica ciclo de celebrações do concelho da diocese de Portalegre-Castelo-Branco

Lisboa, 26 mar 2024 (Ecclesia) – O investigador António Catana afirmou que as tradições religiosas de Idanha-a-Nova, na Semana Santa, são fruto da riqueza do passado, destacando-se a fé entre os “tesouros” herdados.

“Não há dúvida alguma que a riqueza que o passado nos deixou são vários tesouros e um dos tesouros foi o tesouro da fé e, na verdade, quem o quiser contemplar nesta região transfronteiriça, interior, à mesma distância de Lisboa, do Porto, à mesma distância de Madrid, vai ali e vai encontrar esta paz, esta paz interior que ainda hoje conseguimos manter”, referiu o historiador, em entrevista transmitida hoje no Programa ECCLESIA, na RTP2.

Inserido no distrito de Castelo-Branco-Portalegre, o concelho abrange uma celebração particular do lava-pés, a Procissão dos Passos ou do Encontro, a “incontornável” ceia dos 12, o descimento da cruz, a procissão do enterro do Senhor, além da música com chocalhos e apitos e distribuição de amêndoas que marcam o Sábado de Aleluia.

O entrevistado explica que nos anos 50, a população se foi “esvaindo” para o “estrangeiro” e “grandes centros urbanos”, sendo por isso difícil manter as tradições.

No entanto, “muitos que vieram do anos 50”, segundo António Catana, lembrando-se daquilo que viam os pais celebrar, recriaram as tradições, mas sempre com o mesmo “espírito”.

“[A tradição oral foi transmitindo] o tesouro dessas tradições, de uma fé simples, mas que de facto encanta, especialmente as pessoas que nos visitam na época quaresmal e pascal”, indica.

Na Quinta-feira Santa tem lugar, na freguesia de Segura, o rito do lava-pés, que se distingue por não ser protagonizado pelo pároco.

“O lava-pés, quer aí, quer em Alcafozes, mantém-se. O pároco está presente, mas quem faz o lava-pés é o provedor da Misericórdia. Aos irmãos, aos 12 irmãos da Misericórdia. Seis de cada lado, estendidos em bancos, escorridos, e é ele que lava os pés”, descreve o investigador.

Segundo António Catana, “dois momentos históricos” na história portuguesa contribuíram para que o provedor da Misericórdia assumisse esta celebração: “O nosso concelho é rico em nove Misericórdias atualmente, mas teve onze Misericórdias, únicas no país, por isso se mantém muito destas tradições”.

“Neste caso concreto, em muitos momentos, precisamente no Liberalismo e depois na República, como nós sabemos, eram momentos que foram difíceis para a Igreja. […] Um anticlericalismo muitíssimo acentuado […] O Provedor da Misericórdia pedia para fazerem uma perseguição na altura da Quaresma”, adianta o historiador.

António Catana informa que nas 17 paróquias do concelho, os párocos têm sido “benevolentes e aceitam, acolhem” a tradição, assistindo-se a uma “repartição de papéis”.

Outra das celebrações que marcam a Semana Santa em Idanha-a-Nova é a Procissão dos Passos ou do Encontro, dependendo das localidades.

“Fizeram sempre com três Cristos. Com três imagens como se fossem Cristo. Para o povo daquela terra, para o povo de Segura, a imagem verdadeira de Cristo é só uma. Só um deles. Os outros são os ladrões. E então, na encruzilhada, quando se faz o encontro, é de uma beleza. Aquela paz das pessoas todas, no máximo de silêncio, um silêncio doido, vale a pena assistir a isso!”, assegura o investigador das tradições populares do concelho de Idanha-a-Nova.

Foto: Município de Idanha-a-Nova

A ‘Ceia dos 12’, representação da última ceia de Cristo com os apóstolos, é outra das encenações que ainda se cumpre em quatro Misericórdias.

“Em Segura, a ‘Ceia dos Doze’ é muito peculiar porque, além de estar próximo do rio, aliás, a fronteira mesmo, direta com Segura, na própria localidade, o rio passa e, portanto, tem peixe”, desenvolve o historiador, que acrescenta que é consumido “com ervas amargas”.

Entre as celebrações surge a cerimónia do Descimento da Cruz que, de acordo com António Catana, a primeira memória que existe de que o momento se realizou foi em 14 de abril de 1615, em Salamanca.

“Nesse descimento da cruz foi um padre franciscano que falou durante 30 minutos, foi isso que havia escrito, e depois dois franciscanos subiram e de facto descravaram o Cristo, tiraram-lhe os cravos, quer os dois como o outro dos pés, e descem. E ainda hoje se faz esse descimento da cruz, que é algo de facto extraordinário”, assinala.

Por sua vez, a ressurreição do senhor caracteriza-se pela manifestação de alegria, pautada pela utilização de apitos e chocalhos e o lançamento de amêndoas.

HM/LJ/

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Agência ECCLESIA

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