I Fórum internacional de Migração e Paz

O Primeiro Fórum Internacional sobre Migração e Paz, promovido pela entidade Scalabrini International Migration Network (SIMN), levou cerca de 200 pessoas à cidade de Antigua, Guatemala. O evento foi realizado nos dias 29 e 30 de Janeiro, tendo como slogan “Fronteira: muros ou pontes”. Participam representantes de quase todos os países da América, bispos, agentes e lideranças ligados à Pastoral da Mobilidade Humana, representantes de outras organizações e de vários órgãos do poder público, além de algumas pessoas aureoladas pelo Prémio Nobel da paz, como a guatemalteca Rigoberta Menchú. O Superior Geral da Congregação dos Missionários de São Carlos, Pe. Sérgio Geremia, presidiu a sessão de abertura do Fórum. Resulta quase ocioso gastar tempo e palavras para sublinhar a importância do evento. Mas se consultarmos os veículos dos media dos últimos meses ou semanas, o tema da migração emerge com preocupação crescente. Apenas um exemplo: um expressivo jornal brasileiro dedica quase uma página inteira ao assunto, estampando a manchete “Crise alimenta xenofobia no mercado de trabalho dos EUA”. Já na primeira página diz que “crescem nos EUA acções contra os imigrantes”. Retornando ao conteúdo da matéria, o periódico escreve: “Do Congresso aos movimentos populares, activistas anti-imigração encontram na recessão dos EUA um prato cada vez mais cheio para aumentar seus protestos. E, embora os slogans não sejam inéditos, o novo contexto económico oferece a cultura ideal para a proliferação de ecos perigosos, dizem analistas” (Andréa Murta, Folha de São Paulo, 5 de Fevereiro de 2009, pág. B8). A partir desse contexto e dos debates travados durante o Fórum citado, podemos refletir a partir de três binômios. No primeiro caso, quando se fala de migração e paz, pressupõe-se por trás das migrações em massa uma situação de violência e guerra. De fato, não poucas pessoas deslocam-se no interior do país ou ultrapassando a fronteira, devido a conflitos abertos. Contam-se aos milhões os refugiados, exilados, deportados ou “desplazados”, todos, em maior ou menor grau, vítimas civis do fogo cruzado. Entretanto, se por um lado essas pessoas fogem desses terrenos minados, por outro carregam uma profunda aspiração de paz. O mesmo se pode dizer dos que migram por motivos sócio-económicos. Trabalho, respeito aos direitos humanos e paz são seus horizontes. A fuga se converte em busca! Numa palavra, buscam uma cidadania que lhes foi negada no país de origem. No decorrer da crise, que poderá acontecer com os hispano-americanos, asiáticos e africanos, residentes nos EUA e que, muitas vezes clandestinamente, lutam para encontrar a seguranças de um solo pátrio? A mesma pergunta cabe para os imigrantes que se encontram na Europa, Austrália e Japão. Mas a pergunta cabe igualmente para os bolivianos, peruanos e outros vizinhos que hoje habitam os porões de São Paulo, Porto Alegre, Manaus, Foz do Iguaçu, etc. Em praticamente todos os países, ricos ou pobres, há pessoas equilibrando-se por um fio, devido à condição de imigrante. A verdade é que, em tempos de crise, ou de “vacas magras”, a tendência é que cada país defenda os seus próprios cidadãos, em detrimento dos estrangeiros. Políticos e, não raro, sindicalistas e militantes unem-se para assegurar os empregos dos “nossos”. A barreira entre os de dentro e os de fora tende a levantar muros cada vez mais altos. Nesse sentido, ao mesmo tempo que a migração é busca de paz, pode também degenerar em conflitos entre povos distintos. No segundo caso, toda a fronteira constitui uma mescla simultânea de muros e pontes. Num ambiente onde se misturam rostos e raças, línguas e bandeiras, moedas e costumes, mercadorias e preços, respira-se um oxigénio de ambiguidade. A terra sob os pés torna-se movediça e escorregadia. As tensões e a busca de interesses próprios costumam provocar atritos nas zonas fronteiriças, mas há também lugar para a criação de novas relações humanas. Encontros, desencontros e reencontros se misturam, se confundem e se entrelaçam. Fronteira é sempre um lugar onde muitos sonhos e aspirações se quebram, mas é também um terreno fértil para novas oportunidades. Leis mais rígidas e muros, uns visíveis outros invisíveis, separam umas nações das outras. Mas isso não impede que os migrantes sigam construindo pontes, cruzando e recruzando a fronteira. Em alguns casos, de tanto romper limites acabam por eliminá-los. Muros podem converter-se em pontes e vice-versa. Se os migrantes constroem uma ponte de sobrevivência entre o lugar de origem e o lugar de destino, por que não pensar em uma ponte de solidariedade unindo também os dois pólos? De resto, é o que mostram os próprios migrantes com as remessas de dinheiro que, muitas vezes, constituem o único sustento da família. A própria linha divisória dos países se torna móvel e imprecisa. Daí o crescente dinamismo migratório nos chamados complexos fronteiriços. De fato, enquanto o capital, as mercadorias e a tecnologia dispõem de relativa liberdade para ultrapassar todas os obstáculos, os trabalhadores costumam ter seus passos barrados. Daí a concentração e a efervescência de algumas fronteiras tríplices, tais como a região de Foz do Iguaçu e de Tabatiga (Brasil, Argentina e Paraguai) ou de Arica (Chile, Peru e Bolívia). O terceiro binómio – segurança e desenvolvimento – refere-se à maneira de classificar o “problema migratório”. A palavra problema aqui já denota uma visão distorcida de rechaço. De fato, para os governos e as autoridades, e até mesmo para muitas pessoas vinculadas a entidades de defesa dos direitos humanos, o migrante costuma ser visto como um problema. Daí o apelo à famigerada ideologia da segurança nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, os imigrantes costumam serem vistos como um “domestic problem”. A imigração termina sendo caso de polícia. O Fórum mostrou a necessidade de mudar o acento da questão. Mais do que falar de segurança nacional, é preciso ter em vista o que o Papa Paulo VI, na Populorum Progressio chamava de desenvolvimento integral. “O desenvolvimento é o novo nome da paz”, dizia o pontífice. O conceito de desenvolvimento, neste caso, pode ser visto sob duplo aspecto. Do ponto de vista das regiões de emigração, normalmente os países periféricos, trata-se de incentivar um tipo de desenvolvimento que inclua a maior parte dos cidadãos, para que estes não se vejam forçados a sair. Isso significa promover condições reais de vida. Voltado à encíclica de Paulo VI, não basta o progresso técnico e o crescimento económico, é preciso que isso leve à uma qualidade de vida cada vez mais humana. Do ponto de vista das regiões de imigração, em geral os países centrais, é preciso dar-se conta de como os migrantes, longe de constituírem um problema, não raro trazem uma contribuição real à economia do país. São como que sangue novo em organismos muitas vezes já decrépitos, ou então entusiasmo juvenil em sociedades que se aproximam do ocaso. Os imigrantes são inegavelmente factor de desenvolvimento. E não é só. Seus costumes e suas expressões culturais, quando se entrelaçam com a cultura local, podem trazer um enriquecimento mútuo. Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS Para mais informações sobre o Forum, ver: http://www.forummigracionypaz.org

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