Homilia do Núncio Apostólico na paróquia de Santo António no Funchal

Homilia do Núncio Apostólico na Paróquia de Santo António no Funchal

 

Meus queridos irmãos e irmãs

1.  Considero uma especial graça do Senhor poder unir a minha oração e o meu louvor à vossa oração e louvor nesta data especial em que celebramos a festa de Santo António de Lisboa, nesta igreja que lhe é dedicada. Se estamos aqui reunidos, em assembleia cristã, para adorar a Deus, nosso Pai em Nosso Senhor Jesus Cristo, e louvar o “Santo” é porque em todo o arco da sua existência terrena, António foi um homem evangélico; e, se o honramos, é porque acreditamos que nele poisou com particular efusão o Espírito do Senhor, enriquecendo-o com os seus admiráveis dons.

Ontem recordamos que daqui, desta Ilha da Madeira partiram muitos missionários que levaram a fé cristã às cinco partes do mundo dando vida a novas Igrejas locais. Como disse também o Santo Padre no ano passado em Lisboa, entre estes homens que partiram de Portugal, como missionários, para evangelizar outros povos, estava o nosso Santo, embora não tenha passado por esta Ilha, que ainda não fora descoberta.

 

2.  Antes de subir ao céu Jesus deu aos Apóstolos este mandato: «Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova a todas as criaturas. Quem acreditar e for batizado salvar-se-á, mas quem não acreditar será condenado».

Santo António tinha, com certeza, bem impresso, no seu coração, este mandato do Senhor. Na pujança da sua juventude, adornada de dons intelectuais e morais fora do comum, quando se lhe ofereciam, pela nobreza familiar, honrarias e prestígio, o jovem Fernando Bulhão (este era o seu nome de batismo) sentiu no seu interior o chamamento para uma entrega plena e generosa ao Senhor e foi bater à porta do mosteiro dos Agostinhos, perto da sua casa em Lisboa; porém, ao ver-se assediado por frequentes visitas de familiares e amigos, pediu transferência para o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. Coimbra, naquela altura, era a capital do jovem reino de Portugal.

Ali, providencialmente, pode frequentar toda a cultura filosófica e teológica da época assim como a Sagrada Escritura e a Patrística. Acerca da sua cultura bíblica, todos os testemunhos o elogiam. Era tão grande a admiração que os seus contemporâneos tinham pelo seu conhecimento e paixão pela Bíblia que dele se costumava dizer que, se se perdessem todos os livros sagrados, teria bastado a memória do Santo para os reescrever.

Com 25 anos de idade foi ordenado sacerdote. E foi nessa altura que nele amadureceu a grande e definitiva viragem da sua vida.

 

3.  No ano de 1219 chegaram a Coimbra cinco irmãos franciscanos que se dirigiam a Marrocos como missionários. Fernando Bulhão sentiu-se tocado, desde que os conheceu, pelo exemplo da sua humildade e pobreza. Em 29 de janeiro de 1220, os cinco franciscanos sofreram o martírio e os seus despojos foram trazidos, como relíquias, ao mosteiro de Santa Cruz, onde receberam solenes homenagens.

Levado pelo exemplo destes irmãos mártires, com energia renovada, o jovem sacerdote decidiu trocar o hábito elegante dos Agostinhos pelo mais humilde dos franciscanos, tomando o nome de António.  A opção arredava-o da vida sedentária de cónego regrante e lançava-o para a vida errante de frade missionário. António, bom e sábio, punha como condição para entrar na Ordem dos Frades Menores o seu imediato envio a território de sarracenos. Mas a providência divina dispôs outra coisa. Por causa de uma grave doença, contraída logo que chegou a terras africanas, viu-se obrigado a regressar à Pátria, quando uma tempestade medonha o coloca na Sicília.

Na ocasião foi convidado a participar no famoso “Capítulo das Esteiras”, em Assis, onde encontrou e conheceu o Seráfico Fundador Francisco de Assis. Em seguida, viveu algum tempo no recolhimento total num convento de Forlì, no Norte de Itália, onde o Senhor o chamou para outra missão. Aí mostrou ser dotado de ciência e eloquência, e os Superiores destinaram-no à pregação. Começou assim na Itália e na França uma atividade apostólica tão intensa e eficaz que induziu muitas pessoas que se tinham afastado da Igreja a reconsiderar a sua decisão.

António foi também um dos primeiros mestres de teologia dos Frades Menores, ou até o primeiro. Iniciou o seu ensino em Bolonha, com a bênção de São Francisco que, reconhecendo as suas virtudes, lhe enviou uma breve carta que iniciava com estas palavras: «Agrada-me que ensines teologia aos frades».

Eleito Superior dos Frades Menores da Itália setentrional, continuou o ministério da pregação, alternando-o com as funções de governo.

O mandato de Jesus aos Apóstolos «Ide por todo o mundo proclamar a Boa Nova a todas as criaturas» tornou-se em Santo António o ideal da sua vida e o ardor da sua alma.

Concluído o cargo de Provincial, retirou-se para perto de Pádua, aonde já tinha ido outras vezes. Após um ano, faleceu nas portas da cidade, a 13 de junho de 1231. Tinha só 36 anos de idade. Um ano depois da morte, após numerosos milagres que se verificaram por sua intercessão, o Papa Gregório IX canonizou- o. A fama da sua santidade corria por toda a parte: fama pelos milagres, fama também pela sua pregação e pelo exemplo da sua vida evangélica.

 

4.  Na Epístola aos Efésios São Paulo escreve: «A cada um de nós foi concedida a graça, na medida em que recebeu o dom de Cristo. Foi Ele também que concedeu a uns serem Apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas; e a outros, pastores e mestres».

Santo António exerceu de forma sublime e eficaz a pregação da Palavra de Deus. A sua pregação não era declamatória e espetacular, nem era limitada a vagas exortações moralistas. Ele anunciava o Evangelho, sabendo que a Palavra de Cristo não é como as outras palavras, mas possui uma força que penetra os ouvintes. As suas pregações, plenas de fogo, agradavam ao povo que sentia uma íntima necessidade de ouvi-lo e não resistia à força espiritual das suas palavras.

É tanta a riqueza dos ensinamentos espirituais do nosso Santo que o Venerável Papa Pio XII, em 1946, proclamou-o Doutor da Igreja, atribuindo-lhe o título de “Doutor evangélico”, porque dos seus sermões e escritos sobressai o vigor e a beleza do Evangelho.

 

5.  António, na escola de Francisco, coloca sempre Cristo no centro da vida e do pensamento, da ação e da pregação. Ele contempla benevolamente, e convida a contemplar, os mistérios da humanidade do Senhor, o homem Jesus, de modo particular o mistério da Natividade, Deus que Se fez Menino, Se entregou nas nossas mãos: um mistério que suscita sentimentos de amor e de gratidão para com a bondade divina. Mas também a visão do Crucifixo inspira em António pensamentos de reconhecimento para com Deus e de estima pela dignidade da pessoa humana, de modo que todos, crentes e não crentes, possam encontrar no Crucificado e na sua imagem um significado que enriquece a vida.

Escutemos o que o Santo escreve sobre o Crucifixo: «Cristo, que é a tua vida, está pendurado diante de ti, para que tu olhes para a cruz como para um espelho. Nela poderás conhecer quanto mortais foram as tuas feridas, que nenhum remédio teria podido curar, a não ser o do sangue do Filho de Deus. Se olhares bem, poderás dar-te conta de como são grandes a tua dignidade humana e o teu valor… Em nenhum outro lugar o homem pode aperceber-se melhor do seu valor, a não ser olhando para o espelho da cruz» (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).

E o Santo Padre Bento XVI comenta: «Meditando estas palavras podemos compreender melhor a importância da imagem do Crucifixo para a nossa cultura, para o nosso humanismo nascido da fé cristã. Precisamente olhando para o Crucifixo vemos, segundo diz Santo António, como é grande a dignidade humana e o valor do homem. Em nenhum outro ponto se pode compreender quanto o homem vale, precisamente porque Deus nos torna tão importantes, nos vê tão importantes, que somos, para Ele, dignos do seu sofrimento; assim, toda a dignidade humana aparece no espelho do Crucifixo e olhar em sua direção é sempre fonte do reconhecimento da dignidade humana» (Audiência geral, 10 de fevereiro 2010).

 

6.  Irmãos e irmãs,

Santo António e o Papa Bento XVI convidam-nos hoje a tomar a sério a nossa missão cristã que nos impele a anunciar a Boa Nova de Jesus a quantos ainda a não conhecem, a todos os corações que aguardam de nós, discípulos de Jesus, uma palavra iluminadora e, sobretudo, o testemunho coerente e convicto da fé que professamos.

Em Lisboa, o Santo Padre afirmou que «os tempos que vivemos exigem um novo vigor missionário dos cristãos»; portanto, «há necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo» (cfr. Homilia no Terreiro do Paço, 11 de maio 2010).

Possa Santo António, tão querido e venerado em Portugal, aqui e em toda a parte, interceder pela Igreja inteira, e sobretudo por todos aqueles que têm a missão de pregar o Evangelho, em especial pelos sacerdotes, diáconos e catequistas, para que desempenhem com solicitude este ministério de anúncio e de atualização da Palavra de Deus.

Levantando o nosso olhar para a figura serena e doce de Santo António, nesta igreja a ele dedicada, peçamos-lhe que interceda por todos nós junto do Senhor Jesus, para que anunciemos, como ele, sem medo e sem vergonha, não tanto com palavras, mas com o testemunho da vida, o Evangelho de Cristo, a Boa Nova da salvação em Jesus Cristo nosso Senhor.

A Virgem Mãe, Nossa Senhora do Monte, nos acompanhe e proteja! Ámen.

Funchal, 13 de junho de 2011

D. Rino Passigato,  Núncio Apostólico

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