Homilia do Cardeal-Patriarca no Dia da Igreja Diocesana

A Santidade da Igreja é proclamação da Glória de Deus 1. Celebrar o Dia da Igreja Diocesana na Solenidade Litúrgica da Santíssima Trindade foi opção pastoral, plena de sentido e carregada de exigência. Trata-se de assumir o desafio de procurar edificar a Igreja como “um Povo que encontra a sua unidade na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG. nº4), sabendo que a Igreja é “o Povo que Deus adquiriu para louvor da Sua glória” (Efs. 1,14). Na sua vida e na oração, a Igreja proclama continuamente a glória de Deus, Trindade Santíssima. O seu canto, tantas vezes repetido, de Glória às três Pessoas Divinas é a expressão da sua busca da santidade. Esta é a mais autêntica e verdadeira proclamação da glória de Deus. Toda a nossa actividade pastoral, todo o nosso esforço de fidelidade devem levar a Igreja de Lisboa a dizer com verdade: glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. 2. Glória ao Pai! Para que esta proclamação tenha densidade cristã é preciso conhecer o que significa, na Sagrada Escritura, a Glória de Deus. O termo glória sugere a importância, o peso, que uma pessoa tem na vida de outra pessoa. Proclamar a glória de Deus é reconhecer a importância decisiva que Deus tem na nossa vida e na vida do Seu Povo. Antes de ser uma afirmação, é uma experiência, de quem vive com Deus, de quem crê e experimenta que a acção amorosa de Deus é determinante na nossa vida. Descobre-se que essa presença de Deus é importante, é decisiva, porque é amorosa e salvífica. No Antigo Testamento, são as intervenções salvíficas de Deus em favor do Seu Povo que são manifestação da Sua Glória: a passagem do Mar Vermelho (Ex. 14,18), o alimento miraculoso, o maná e as codornizes: “De manhã vereis a glória de Yhawé” (Ex. 16,7). O Deus da Aliança manifesta a Sua glória salvando o Seu Povo. A Sua glória é a manifestação do Seu poder, expressão do Seu amor e da Sua fidelidade. “Quando Yahwé reconstruir Sião, vê-lo-emos na Sua glória” (Sl. 102,17). O esplendor desta glória, sinal do poder amoroso de Deus, manifesta-se sensivelmente, como fulgor da divindade, mostrando ao Povo que o mistério transcendente de Deus não o impede de ser próximo. Revela-Se no Sinai, sob a forma de uma nuvem de fogo envolvendo a montanha (cf. Ex. 21,15ss); envolve o Santuário, “que será consagrado pela Minha glória” (Ex. 29,43); encherá o Templo (cf. 1Rom. 8,10ss). A montanha santa, o Santuário, o Templo, símbolos da interacção entre Deus e o Seu Povo, são os lugares da manifestação da Sua Glória. Deus reina na Cidade Santa, regenerada pelo Seu poder e iluminada pela Sua presença. Isaías desafia Sião: “Levanta-te, brilha! Eis a tua luz, sobre ti se eleva a glória de Yahwé” (Is. 60,1). A salvação completamente realizada será a manifestação definitiva da glória de Deus. Esta plenitude será escatológica. O tempo definitivo é anunciado por Isaías: “venho reunir as nações de todas as línguas. Elas virão ver a Minha glória” (Is. 66,18ss). 3. Glória ao Filho! Para nós cristãos, a manifestação definitiva da Glória de Deus é o Seu Filho Jesus Cristo. Filho de Deus, Ele é “o resplendor da Sua glória e imagem da Sua substância” (He. 1,3). Ele é “o Senhor da Glória” (1Co. 2,8), a glória de Deus “brilha no Seu rosto” (2Co. 4,6). E São João, ao apresentar o mistério do Verbo encarnado diz: “e nós vimos a Sua glória, glória que Ele recebe do Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo. 1,14). A humanidade de Jesus, em que encarnou o Filho de Deus, é um sacramento de proximidade do Deus connosco. Glorificar o Filho é confessar a divindade de Jesus e reconhecer a importância fundamental que Ele tem na nossa vida, conduzindo-a à santidade, e em que se manifestará a própria glória de Deus. Por isso, a maior manifestação da glória do Filho é o Seu acto redentor; a Sua Cruz é um trono de glória; no Crucificado revela-se o “Senhor da Glória” (1Co. 2,8). Para São João, o Calvário é a maior teofania do Novo Testamento. Jesus consagra-Se ao Pai, na obediência até à morte, para a glória do Seu nome (cf. Jo. 12,28). A Cruz transfigurada torna-se o sinal da elevação do Filho do Homem (cf. Jo. 12,23.31). O Calvário manifesta aos olhares de todos o “Eu Sou”, afirmação da divindade de Jesus. A fecundidade salvífica da Sua morte é a Sua glória (cf. Jo. 7,37ss). Porque a glória de Jesus está ligada ao triunfo definitivo do Seu amor redentor, a Sua glória só se manifestará completamente na Pátria celeste, quando “o Filho do Homem vier na Glória do Seu Pai, com os Seus Anjos” (Mc. 8,38). Toda a vida cristã aspira por esse momento da “manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” (Tit. 2,13ss). A Igreja, Corpo de Cristo e esposa do Senhor, deve ser a mais bela proclamação da glória de Jesus Cristo. O próprio Jesus o afirma em oração ao Pai, antes da Sua Paixão: “Eu dei-lhes a glória que Tu Me destes, para que eles sejam um como Nós somos um” (Jo. 17,22). 4. Glória ao Espírito Santo! O Espírito Santo manifesta a glória de Deus Pai e do Seu Filho Jesus Cristo, edificando a Igreja e conduzindo-a à santidade. Podemos mesmo dizer que a manifestação do Espírito e da Sua acção na Igreja é a proclamação perfeita da Glória do Pai e do Filho, porque essa glória reside no Seu amor criador e santificador e o Espírito é esse amor em acção até ao fim dos tempos. Libertar o homem do pecado e torná-lo semelhante ao Filho de Deus, a agradecer o amor com que é amado e a amar como o Senhor nos ama, é o triunfo do amor salvífico de Deus, é a manifestação da Sua glória, afirmação da importância decisiva desse amor na nossa vida e na vida da Igreja. Ser amados por Deus, no mesmo acto de amor com que Ele ama o Seu Filho, leva a Igreja a proclamar, no dizer de São Paulo, “que é por Ele que nós dizemos o nosso Ámen à Glória de Deus” (2Co. 1,20). A glória do Espírito Santo exprime-se na santidade da Igreja. A sua plenitude é cantada no livro do Apocalipse, no Cântico das Núpcias do Cordeiro (19,7). A Igreja é então a esposa, sem mancha, nem ruga, esplendorosa, “vestida com vestido de linho brilhante” (19,8). A glória da esposa é a glória de Cristo, Seu esposo. O Espírito é a força de amor que a recria e transforma. Por isso, ambos, nesta peregrinação da fé e de aprendizagem da caridade, clamam pela manifestação da glória definitiva de Cristo. “O Espírito e a esposa clamam: vem Senhor Jesus” (22,17). A glória do Espírito Santo é o triunfo do amor, é o juntar a sua voz à da Igreja, pedindo a manifestação desse triunfo na última vinda de Cristo. Esse momento será a proclamação definitiva da glória da Santíssima Trindade e todos em uníssono cantarão: “Glória ao Pai, glória ao Filho, glória ao Espírito Santo”. 5. Glorificar as três Pessoas Divinas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, exige à Igreja uma maneira sobrenatural de se definir, assumindo-se como Povo do Senhor, obra do Espírito Santo, chamada à santidade. Exige, antes de mais, reconhecer a importância decisiva da acção de Deus, na Igreja e em cada um de nós, escutando as palavras do Senhor. “Sem Mim nada podeis fazer”. Supõe que assumimos na compreensão da nossa vida que a perfeição humana não é o fruto das nossas capacidades humanas, mas da força criadora da acção de Deus. Supõe dar prioridade absoluta aos meios da graça, através dos quais nos abrimos à acção de Deus. Glorificar é reconhecer a importância de Deus na nossa vida. Glorificar o Filho é reconhecer a Sua divindade, na proximidade da Sua humanidade. É escutá-l’O como Palavra eterna de Deus. Cristo, Verbo do Pai, resume em Si e dá plenitude de sentido a toda a aventura de escuta da Palavra de Deus ao longo da história: escutar a Palavra humana inspirada e a Palavra da Igreja, como caminho que nos levará à escuta da Palavra viva de Deus. Esta escuta da Palavra é a primeira etapa para estabelecer uma intimidade de amor entre Deus e o Seu Povo. Glorificar Jesus Cristo é tornar toda a nossa vida digna da Eucaristia que celebramos, porque a morte e a ressurreição de Cristo são a grande manifestação da Sua glória de Filho. Só há uma maneira de louvar dignamente o Espírito Santo: deixarmo-nos devorar pela voragem do amor divino que Ele é, que dá à caridade um lugar central nas nossas relações com Deus e com os irmãos. Glorificar o Espírito Santo é abandonar-se ao ritmo do amor, é confiar na eficácia transformadora do amor de Deus, é confiar que, em todas as circunstâncias, a santidade é sempre possível, se nos abandonarmos a essa acção do Espírito. Cada vez que rezamos “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”, assumimos uma atitude de vida e um programa de acção pastoral. É isso que pedimos hoje ao Senhor para a Igreja de Lisboa: que possa glorificar a Santíssima Trindade na verdade da sua vida e na fidelidade do seu percurso; que seja uma Igreja que bebe a sua unidade na unidade entre as Pessoas Divinas. Só assim ela será uma Igreja fiel que vive da comunhão de amor. Mosteiro de São Vicente de Fora, 18 de Maio de 2008 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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