Homilia do Cardeal-Patriarca na Missa de Abertura do Ano Judicial

A fecundidade do Justo na construção da Justiça

1. Nos últimos tempos tem-se ouvido, entre nós, o clamor de vozes exigindo ou desejando uma melhor administração da Justiça, ou seja, o aperfeiçoamento do sistema judicial a quem compete fazer justiça, ou seja, julgar à base das Leis as presumíveis violações da mesma Lei. É pena que não se ouça o mesmo clamor a exigir que toda a sociedade seja justa, que toda a vida em sociedade seja uma busca da Justiça. E praticar a Justiça, viver de forma justa é exigência para todos nas mais diversas expressões da nossa vida comunitária.

O justo é aquele que procura a justiça em toda a sua vida, e uma sociedade justa só pode ser obra de homens justos. Há uma fecundidade do justo na construção da comunidade. A Sagrada Escritura define personagens chave da história da salvação, chamando-lhes “justos”. De Cristo diz-se que, em toda a sua vida, mas sobretudo na sua morte por amor, Ele foi “o Justo”. Depois da Páscoa, São Pedro diz à multidão: “Vós condenastes o Justo”! A fecundidade deste Justo foi total e universal. A partir d’Ele, ser justo é “ser justificado” por Ele, e esta afirmação tornou-se básica e fundamental para definir a santidade cristã, que é ideal de uma vida totalmente justa.

2. Nas leituras da Sagrada Escritura que escutámos nesta celebração, é-nos indicada a transcendência da edificação da justiça. Isaías (62,1-5) diz-nos que a justiça é um fruto precioso do amor, antes de mais do amor de Deus pelo seu Povo, o que nos anuncia que, na sua dimensão mais profunda, a justiça encontra a misericórdia. Segundo o Profeta, nada será mais belo do que um povo justo. A justiça será a sua glória: “Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor e diadema real nas mãos do teu Deus”.

No texto da Carta de São Paulo aos Gálatas (2,15-21), fica claro que, para ser-se justo, é preciso ser-se justificado, tornado justo, o que acontece na relação de fé com Cristo que nos faz partilhar a sua justiça. Esta é mais profunda e radical do que o simples cumprimento da Lei. Depois da generosidade de Jesus Cristo, o “Justo”, cumpre-se a lei porque se é justo, e não se é justo porque se cumpre a lei. Em Jesus Cristo, a Quem nos unimos na fé, partilhando a sua vida, atinge-se o auge da fecundidade do “Justo” na construção da justiça.

Nos ensinamentos de Jesus que escutámos no Evangelho de Marcos (4,26-34), àquele povo justo de que falava Isaías, Jesus chama o Reino de Deus. Na sua pedagogia, o Senhor sabe que uma parábola leva, melhor do que uma análise, a compreender o dinamismo do Reino. É algo a germinar, a fazer-se continuamente e a justiça do “Justo” tem a força de uma semente que germina e transforma.

3. Ainda hoje é assim: aqueles que procuram a justiça, que se esforçam por viver segundo a justiça, têm a força silenciosa da semente lançada à terra, na transformação da sociedade. Reconhecer isto, exige uma correcção de atitude cultural: uma sociedade justa tem de ser obra de todos nós e não apenas tarefa de alguns a quem tudo exigimos e de quem tudo esperamos. O sentido da corresponsabilidade de todos e de cada um na construção de uma sociedade justa é necessário para que se cresça na justiça. Sem deixar de denunciar os actos injustos de alguns, seria necessário que a comunicação social desse maior lugar às boas notícias, aos sinais positivos, tantas vezes corajosos e generosos, de quem procura a justiça. Só isso poderia suscitar e alimentar a esperança.

Uma cultura positiva, atenta ao que nos diz a natureza profunda do homem e ao testemunho que recebemos dos nossos maiores, deveria inspirar a política, as leis, a análise de projectos onde se delineia o futuro. Só o entusiasmo pelas coisas boas, pela busca do que é justo, nos mobilizará para não desistir de fazer da nossa sociedade um reino onde se pratica a justiça.

Este é o desafio feito aos cristãos e à sua participação na construção da sociedade. A força da sua relação com Cristo, justificou-os, isto é, venceu neles a injustiça e tornou-os testemunhos desse mundo melhor a que Jesus chamou Reino de Deus. Os “santos” podem ter um papel decisivo na Cidade dos Homens.

Sé Patriarcal, 27 de Janeiro de 2010

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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