“Ministério de Amor”
1. A Liturgia desta Missa Crismal é a celebração do amor infinito de Jesus Cristo, a Deus, seu Pai, no seio da Santíssima Trindade, e a nós homens seus irmãos, que amou até ao sacrifício da própria vida. São João confirma-o: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo. 13,1). “Aquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes, a Ele a glória e o poder” (Apc. 1,5-6). Estes dois textos anunciam-nos a intensidade de amor de Jesus Cristo, envolvendo-nos a nós, ao amar-nos com tal intensidade, no seu amor ao Pai, no seio da Trindade Santíssima.
Esse amor infinito de Jesus Cristo vai abraçar a humanidade até ao fim dos tempos, é um amor marcado pela eternidade de Deus. Vai envolver, de modo particular, os seus discípulos e todos aqueles e aquelas que, no futuro, acreditaram n’Ele. A força da Igreja é o ser amada por Jesus Cristo; só assim ela poderá amar os homens com o amor de Jesus Cristo. É para garantir a perenidade desse amor, até ao fim, que dá forma sacramental ao seu próprio amor: institui a Eucaristia, inaugura o sacerdócio apostólico, dando aos Apóstolos o poder de estarem no seu lugar, sempre que Ele ama a Igreja e abraça a humanidade, redimindo-a e atraindo-a para o amor de Deus. A Liturgia de Quinta-Feira Santa desenrola, perante os nossos olhos, a infinita riqueza das formas sacramentais desse amor: a Eucaristia, o Santo Óleo do Crisma que consagra os baptizados, os confirmados, os que vão exercer o ministério sacerdotal; e a unção dos doentes para que todo o sofrimento humano possa ser vivido na paixão de Jesus Cristo. Todos estes sacramentos que são expressões do amor infinito do Senhor, são realizados pelos sacerdotes, “in personna Christi”. O sacerdócio apostólico é um ministério de amor. Lembremo-nos da exclamação do Cura d’Ars: “Oh! O Padre tem algo de grandioso! Não se compreenderá bem o sacerdócio senão no Céu. Se o compreendêssemos na terra, morreríamos, não de espanto, mas de amor”.
O nosso sacerdócio é um ministério de amor. A caridade pastoral é a essência do nosso serviço sacerdotal e torna-se numa exigência radical e permanente de santidade pessoal. Ao povo do Antigo Testamento foi pedido: “Sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou Santo” (Lev. 19,2). A Moisés pediu Deus: “tira as sandálias porque é santa a terra que pisas” (Ex. 3,5); a terra era santa porque tinha sido tocada pelo mistério do Deus vivo. A nós, que, pelo nosso sacerdócio, exprimimos ao Povo de Deus, o amor infinito de Jesus Cristo, é-nos dito: sede santos, porque exerceis o ministério do amor e da santificação.
2. A primeira expressão do nosso amor é a nossa fé. A fé é a atitude que nos abre as portas da caridade, sugerindo-nos claramente que a primeira e principal expressão da caridade pastoral é o nosso amor a Jesus Cristo e, por Ele, a Deus Pai, conduzidos pelo Espírito. Na vossa renovação dos compromissos sacerdotais, vou perguntar-vos, em primeiro lugar: “Quereis viver mais intimamente unidos a Cristo e configurar-vos com Ele, renunciando a vós mesmos?”. O próprio facto de agirmos em nome d’Ele, exprimindo o Seu amor infinito, convida-nos a mergulhar toda a nossa vida nesse mistério de amor intenso. O nosso ministério exige de nós que sejamos contemplativos. Cada acto do nosso ministério é um acto de fé e, por isso, uma abertura à caridade. Ministros de Cristo, dando actualidade ao seu amor salvífico, somos sacramentos da sua solicitude amorosa de Bom Pastor. Só o amor, a caridade pastoral, exprime a verdade do nosso ministério.
3. A caridade pastoral valoriza as nossas capacidades humanas de amar, mas purifica-as. O nosso amor tem de ser expressão do próprio amor de Cristo, o que exige que amemos na verdade. “Caridade na verdade” foi o desafio lançado a toda a Igreja pelo Papa Bento XVI na sua última Encíclica. Dois pontos dos compromissos que ides renovar o sugerem e exigem: a disposição de renunciardes a vós mesmos e “desempenhar fielmente o ministério da pregação, como seguidores de Cristo, Cabeça e Pastor”.
Cristo é a verdade, a sua Palavra é a verdade. Na sua oração como Sumo Sacerdote da nova Aliança, Cristo rezou ao Pai pelos Apóstolos: “Eu dei-lhes a tua Palavra (…) consagra-os na verdade, a tua Palavra é a Verdade” (Jo. 17,14.17). O amor pastoral, nas suas expressões humanas, tem de estar repassado desta Palavra. É por isso que anunciá-la, proclamá-la, iluminar com ela a vida concreta dos cristãos, é a primeira expressão da nossa caridade pastoral.
Isso exige “renúncia a nós mesmos”, à nossa maneira de exprimir o amor, abrindo-se humildemente à verdade de Deus, expressa e transmitida pela Igreja. Isto supõe renunciarmos, por vezes, a sermos humanamente bons e compreensivos, para transmitirmos as exigências transformadoras do amor de Jesus Cristo. Este é um aspecto difícil do nosso ministério nos tempos actuais. A complexidade e o sofrimento da vida dos cristãos, pode levar-nos à “tentação” de sermos humanamente bons e compreensivos, não transmitindo a exigência renovadora de Cristo e da sua Palavra. Os caminhos exigentes nunca podem reduzir-se a enunciar proibições ou regras disciplinares; estas têm de ser transmitidas com amor, repassadas da esperança que o amor suscita sempre.
4. Com um ministério de amor, somos chamados a semear a alegria. O cardeal Walter Kasper chama aos sacerdotes os “servidores da alegria”. Esse foi o sentido profundo do ministério de Jesus: “digo-vos isto para que a Minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja perfeita” (Jo. 15,11). O texto de Isaías, que Jesus aplica a Si Mesmo na Sinagoga de Nazaré, anuncia o Messias como um portador de alegria: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros” (Is. 61,1-2). A alegria que semeamos é a do Reino de Deus, tem a sua fonte no encontro amoroso com o Senhor, é a alegria da salvação que brota da experiência de se sentir amado por Deus em Jesus Cristo. É por isso que nós somos servidores da alegria, e não a sua fonte. Os Apóstolos fizeram essa experiência no encontro com o ressuscitado: “Os discípulos ficaram cheios de alegria quando viram o Senhor” (Jo. 20,20). E os primeiros cristãos sentiam essa alegria como um dom do Espírito: “Os discípulos estavam cheios de alegria e do Espírito Santo” (Act. 13,52).
Na nossa sociedade contemporânea é muito importante este ministério da alegria. Ela brota da experiência da reconciliação e do perdão, e, numa sociedade de violência e de dificuldade em perdoar, este serviço da Igreja é bálsamo para tanta dor, semente de transformação progressiva da sociedade, redescoberta da alegria de viver.
Sé Patriarcal, 1 de Abril de 2010
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca