Homilia do Cardeal-Patriarca na Ceia do Senhor

«O rosto eucarístico de Cristo» 1. Toda a palavra precisa de um rosto. Nesta celebração da Páscoa, a primeira depois do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra, continuamos a olhar atentamente, com fé e com amor, esse rosto de Cristo, para lhe captarmos cada mensagem, escutar cada palavra, deixarmo-nos envolver por cada olhar. Quantas vezes o olhar comunica o que não conseguimos dizer, e fixando nesse rosto o nosso olhar, podemos acolher o que nenhuma palavra nos conseguiu dizer. Nesta celebração, se fixarmos em Cristo o nosso olhar, descobriremos nele um rosto eucarístico e intuiremos como a Eucaristia encerra o segredo de toda a nossa vida, o sentido novo da história que queremos construir, a vitória sobre todos os egoísmos e sobre a ameaça da solidão. 2. Naquela Ceia Pascal, na véspera da Sua paixão, Cristo é Eucaristia e não esqueçamos que a palavra significa louvor e acção de graças. O louvor que é devido a Deus pela humanidade atingiu em Cristo, naquela noite, a sua plenitude, na sua obediência filial, na generosidade da sua entrega, na intensidade de amor divino com que envolve a humanidade. Ele sabe que naquele momento tudo começa de novo, o pecado e a morte são vencidos, a humanidade redimida pode retomar o caminho da intimidade e do louvor. Naquele momento, o louvor do Filho a seu Pai envolve essa nova humanidade resgatada. É impossível que a intensidade desse louvor não se espelhasse no rosto de Cristo, que aparecia como rosto de louvor. Já na sua vida pública, captando simples sinais do acolhimento do amor do Pai pelos corações simples, Ele exclama: “Graças Te dou, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos” (Mt. 11,25). O seu olhar transmite-nos o seu desejo de comunicar aos discípulos, à sua Igreja, esta intensidade de louvor. Este louvor não pode cessar, nunca mais, até ao fim dos tempos, “até que Ele venha”, nem deixará de brotar da humanidade resgatada este louvor perfeito. Ele quer que a sua Igreja seja Eucaristia, Povo que presta a Deus o louvor perfeito e sabe que a Igreja só o poderá ser, participando no seu próprio louvor. É esta intensidade de desejo que faz brotar do coração de Cristo a Eucaristia como memorial da sua Páscoa. 3. Cristo institui a Eucaristia por causa da Igreja. “Fazei isto em minha memória”! “Eu dei-vos o exemplo, para que assim como Eu fiz, vós façais também” (Jo. 13,15). No rosto de Cristo, naquela noite, brilha a sua esperança na Igreja. Na sua Páscoa começa um longo caminho de transformação do mundo, que abraça o que resta da história da humanidade, “até que Ele venha”. A sua Páscoa, com esta intensidade de esperança e de louvor só voltará a celebrá-la no fim, na Casa do Pai, com a humanidade reunida em assembleia da Eucaristia definitiva. Jesus sabe que os discípulos são um “pequenino rebanho”, mas sabe também que se eles forem a Páscoa continuada, transformarão o mundo. Que a Eucaristia inaugura a etapa definitiva da história, estava já simbolicamente anunciado na Páscoa judaica: “Neste mês começará para vós uma série de meses”; “Esse dia festejá-lo-eis por todas as vossas gerações, como lei perpétua” (Ex. 12,14). No seu olhar, na intensidade da nova Páscoa, Cristo abarca a totalidade da história e do crescimento dessa semente lançada à terra que é o seu corpo imolado, e a intensidade do seu louvor abarca toda essa longa história de salvação. Se contemplarmos o rosto eucarístico de Cristo, perceberemos que a Eucaristia encerra a esperança de um futuro positivo para a humanidade. No encerramento do Jubileu do Ano 2000, João Paulo II exprimiu assim essa esperança: “Não sabemos os acontecimentos que nos reserva o milénio que está a começar, mas temos a certeza de que este permanecerá firmemente nas mãos de Cristo, o «Rei dos reis e Senhor dos senhores» (Ap 19,16); e, celebrando precisamente a sua Páscoa não só uma vez por ano mas todos os domingos, a Igreja continuará a indicar a cada geração «o eixo fundamental da história, ao qual fazem referência o mistério das origens e o do destino final do mundo»”[1]. Cristo, naquela noite, sente intensamente que só a sua Páscoa transformará a história, ama a Igreja, povo peregrino de todos os tempos, e louva o Senhor por essa aventura fecunda da Igreja através dos tempos. Na sua intensidade está presente a densidade da Igreja como povo peregrino, a densidade da Eucaristia que celebra, como diz João Paulo II: “Há dois mil anos que o tempo cristão é marcado pela recordação daquele primeiro dia depois do sábado, quando Cristo ressuscitado trouxe aos Apóstolos o dom da paz e do Espírito”[2]. A Eucaristia encerra o sentido da relação dos cristãos com o tempo e com a história. Mas o Senhor sabe que a Igreja só aguentará essa densidade se celebrar continuamente com Ele a sua Páscoa. É esta que é perene e definitiva, e que não cessa de celebrar-se neste tempo da transformação da história. Em cada Eucaristia da Igreja, resplandece o rosto eucarístico de Cristo. Em cada Eucaristia a Palavra eterna de Deus continua a ser criadora. É na Eucaristia que a Igreja se torna a “casa da Palavra”. 4. Mas a Igreja só será a “casa da Palavra” se for a “casa da comunhão”, da profunda comunhão com Cristo, na mesma Eucaristia. Na sua experiência de amor, a própria Igreja adquire um “rosto eucarístico”. Mais uma vez, João Paulo II: “Ao congregar semanalmente os cristãos como família de Deus à volta da mesa da Palavra e do Pão de vida, a Eucaristia dominical é também o antídoto mais natural contra o isolamento; é o lugar privilegiado, onde a comunhão é constantemente anunciada e fomentada. Precisamente, através da participação eucarística, o dia do Senhor torna-se também o dia da Igreja, a qual poderá assim desempenhar de modo eficaz a sua missão de sacramento de unidade”[3]. A comunhão de amor é a força que transforma o mundo, porque é experiência e anúncio da comunhão definitiva em Deus, futuro grandioso da humanidade. Na Igreja, comunhão de amor, resplandece o rosto eucarístico de Cristo, a Palavra de amor com que Deus continua a iluminar a humanidade. Sé Patriarcal, 9 de Abril de 2009 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca NOTAS: [1] João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, nº 35 [2] Ibidem [3] Ibidem, nº 36

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