Homilia de D. António Francisco dos Santos na Missa Crismal

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova” ( Is 61,1 ) 1. Da missão de Jesus à missão do sacerdote A promessa anunciada e enunciada em Isaías cumpre-se na missão de Jesus. “ É hoje que esta palavra da Escritura se cumpre”, diz-nos Jesus na Sinagoga da sua terra. Este “hoje” é o hoje da Sinagoga de Nazaré no início da vida pública de Jesus. É o “hoje” da paixão e da ressurreição em Jerusalém. É o “hoje” do Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu sobre os discípulos de Jesus e desde essa hora se tornou a alma da Igreja. É igualmente o “hoje” da Igreja em Aveiro para que saibamos e acreditemos que “o Espírito do Senhor está sobre nós, porque também a nós o Senhor nos ungiu e nos envia a anunciar a Boa Nova”. Vivemos envolvidos social e culturalmente por situações de grande progresso e de afirmado desenvolvimento técnico e científico e simultaneamente sentimo-nos imersos nas incertezas do futuro que uma avassaladora crise económica arrasta consigo. A fé, a esperança e a caridade cristãs não podem ficar silenciadas e emudecidas diante da realidade. Este tempo da Semana Maior e os mistérios que nela celebramos devem ajudar-nos a estar atentos, presentes e activos no mundo. É uma nova concepção da pessoa humana e da sua dignidade que está em causa. O sentido e o valor de uma humanidade vivida e respeitada são indissociáveis da nossa fé em Deus e da nossa responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa, mais livre e mais fraterna onde as desigualdades e a corrupção não magoem o bem comum nem ofendam os direitos humanos. Necessitamos de aprender caminhos solidários e sóbrios onde os pobres e os humildes nos ensinem o segredo das bem-aventuranças. 2.Uma luz de esperança A cultura contemporânea está trespassada por uma corrente de medo. Vivemos apreensivos diante dos riscos que pesam sobre o homem, sobre o ambiente, sobre a segurança dos cidadãos ou mesmo sobre a natureza. Será que a fé nos adianta respostas para estas questões? O cristianismo deve oferecer-nos uma luz de esperança. O cristão não é uma pessoa estranha nem extraordinária mas simplesmente alguém que acolhe e respeita a vida como um dom, que acredita em Jesus de Nazaré e que interpreta os acontecimentos à luz da fé, com renovada esperança. É este mesmo caminho que a Diocese de Aveiro se propõe percorrer com redobrado entusiasmo ao longo destes cinco anos, de acordo com o Plano Diocesano de Pastoral, sabendo e sentindo que a “ Igreja renovada na caridade é esperança no mundo”. Convido-vos, irmãos e irmãs, a alimentar, a renovar e a fortalecer esta esperança de fazermos nascer em nós o homem novo. É tempo de não nos perdermos em grandes e muitas vezes inúteis e estéreis análises do que se vive e se passa no mundo. Todos conhecemos os malefícios da crise e os contextos das situações difíceis que o mundo vive, em famílias desempregadas, em pobres às nossas portas, em ambientes de ansiedade e insegurança, em situações de medo diante do amanhã. Tudo isso nos é presente e consciente. A nossa missão consiste em partilhar a nossa esperança. Temos um olhar novo sobre a vida e sobre a história. Fomos criados por Deus para a vida e para a felicidade. Convido-vos a distribuirmos as riquezas da graça impressas e expressas no acolhimento fraterno, na escuta orante da palavra de Deus, na celebração dos sacramentos, na aproximação de Deus e nos comportamentos éticos de uma vida coerente com a sua fé. Somos chamados a ser sentinelas vigilantes colocadas na aurora de um mundo novo, mais atentos aos valores novos que começam a germinar do que preocupados com os tempos de outrora que estão a ruir. Não tenhamos medo das bem-aventuranças do Reino, por mais fáceis que sejam a dizer e por mais difíceis que sejam a realizar. Tenhamos a ousadia de acreditar que as bem-aventuranças são possíveis. Animam-nos sempre a preocupação pelo bem comum e a coragem da verdade mesmo quando um e outra se tornam sofridos e dolorosos. 3. Da graça à missão Situa-se também aqui a missão confiada por Cristo aos Apóstolos: “como o Pai me enviou assim também eu vos envio” (Jo 20, 19). Irmãos sacerdotes: somos chamados a ser sinal sacramental do dom que Deus faz da sua vida no seu Filho Jesus para a vida da humanidade. E este sinal sacramental que nós somos não é apenas uma carta de missão, um caderno de encargos ou um programa de quanto temos a fazer. É bem mais do que isso. Transportamos este sinal sacramental que nós somos na oferta diária da nossa vida. Ele está inscrito no nosso coração, no nosso espírito, na nossa afectividade, na nossa liberdade. O ministério sacerdotal tal como o recebemos, acolhemos e vivemos implica este dom total de nós mesmos, com alegria e com generosidade. Quando pensarmos que as exigências desta doação são desmedidas e excedem as nossas forças humanas saibamos que o nosso ministério é sinal da fidelidade de Deus ao seu povo, que nunca nos falta com a sua bênção. Convido-vos, irmãos sacerdotes, a aprofundar o mistério que habita em vossos corações, que é sempre mistério de amor e de graça. Dou graças a Deus sem cessar pelos sacerdotes que vós sois: pela vossa vocação e fidelidade, pelo trabalho apostólico, pelo compromisso de vidas dadas a Deus e ao seu povo, pelo dom de vós mesmos à missão. Conheço a vossa delicadeza, simplicidade, dedicação e generosidade assim como a disponibilidade sempre manifestada para o serviço do Reino. Agradeço quantos regressaram ou vêm ao encontro deste presbitério para em fraterna colaboração aqui viverem o ministério sacerdotal e aqui realizarem a missão que lhes é confiada. Convido-os a sentirem-se bem entre nós e membros deste presbitério vivo que os acolhe com alegria e gratidão. Sei das dificuldades várias em que a nossa missão se cumpre. Não podemos ser vítimas da inclemência das mudanças ou constrangidos a aceitar passivamente as transformações do tempo e da cultura. Somos chamados por força do ministério e por mandato da missão, a ser pastores, profetas e guias das pessoas e das próprias transformações e mudanças. Não nos falte nunca nem o dinamismo dos pastores, nem a confiança dos crentes, nem a lucidez dos conselheiros espirituais nem a coragem dos profetas. A hora que vivemos não pode ser de lamento mas sim de projectos apostólicos e de perseverança confiante e paciente. Mesmo no âmbito das vocações. As vocações que esperamos pedem-nos tempo, exigem-nos trabalho e perseverança e têm direito a encontrar em nós o exemplo da alegria e o testemunho da fidelidade. No campo dos projectos apostólicos que ao longo destes cinco anos nos vão sendo propostos exigem-se acolhimento, presença e formação. Nada se conseguirá sem uma oração mais intensa e sem uma conversão espiritual permanente. A santidade de vida sacerdotal é o nosso primeiro e imprescindível testemunho evangelizador. O importante da nossa vida sacerdotal não é contabilizar êxitos apostólicos ou sucessos humanos mas sim encontrar a alegria da vocação e a santidade do ministério que santifique igualmente aqueles a quem somos enviados e dê sentido e beleza às nossas comunidades. Permito-me pedir-vos, irmãos sacerdotes, que se dê cada vez mais abertura, participação e formação aos leigos não tanto porque eles estão mais livres, disponíveis ou preparados em certas áreas de intervenção mas essencialmente porque eles são cristãos connosco e nós somos sacerdotes para eles e com eles, recordando e adaptando o belo pensamento de santo Agostinho. Aqui se enxerta igualmente a dimensão missionária da vida do sacerdote e das próprias comunidades. Sem isso torna-se impossível evangelizar aqueles que estão fora ou vivem longe da Igreja. Evangelizemos ao jeito de Paulo e com o seu ardor e entusiasmo. 4. Ano sacerdotal Esta celebração tem um aumentado sentido de acção de graças pela beleza e vitalidade da Igreja e pela generosidade e consagração dos seus membros, concretamente pela doação dos seus presbíteros, diáconos, seminaristas, religiosos e religiosas, consagrados e consagradas, leigos e leigas da Diocese de Aveiro. O acolhimento dado ao Plano Diocesano de Pastoral para o próximo quinquénio, o sentido criativo e dinâmico das caminhadas pastorais e itinerários espirituais, as respostas atentas aos problemas sociais, o vigor dos movimentos apostólicos, a vitalidade das comunidades paroquiais, a presença abençoada das comunidades religiosas e de tantos consagrados (as) e o encanto vivido nas visitas pastorais em Albergaria e Sever do Vouga dizem-me que esta é hora de acção de graças. A graça de Deus tornou frutífero o trabalho de fundo de setenta anos de história da Diocese, que vive agora a expectativa do Jubileu que se faz próximo e da Missão Jubilar Diocesana que se anuncia. Queria que esta minha alegria pela Igreja que somos e pela unidade e comunhão que testemunhamos seja igualmente fonte da vossa alegria e da vossa fidelidade. Saúdo com particular afecto os nossos irmãos em jubileu sacerdotal: Padres Tomás Marques Afonso, José Manuel Ribeiro Fernandes, em Bodas de ouro, e Fernando Manuel Teixeira Pinto e Francisco Júlio Grangeia Pinto, em Bodas de prata, e recordamos na saudade e na esperança da bem-aventurança o senhor D. Manuel de Almeida Trindade e os padres Manuel António Fernandes, Miguel José Cruz, António Nunes da Fonseca, Leonardo Pereira e Ivo Fernandes da Silva. Não esqueço os irmãos sacerdotes doentes. Por eles e para eles continuamos a trabalhar nos passos dados para construir a Casa Sacerdotal. Eles são âncora do nosso ministério e semente de novas vocações. A graça de Deus é para nós uma missão. Somos convidados a viver esta missão em Ano sacerdotal que o Santo Padre nos propõe para celebrar 150 da morte do santo Cura d’Ars, padroeiro dos párocos. Vamos viver este Ano sacerdotal com alegria. Estejamos atentos aos apelos de Deus e disponíveis para os desafios da missão. 5. Obrigado Mães! Compreendeis, irmãos sacerdotes, que vos agradeça a vossa presença constante e solicitude fraterna neste momento doloroso de doença agravada da minha Mãe e que a confie às vossas orações assim como de todos os queridos diocesanos. As mães são para nós o berço da vida, a escola da vocação e a bênção necessária de todas as horas. A Mãe de um nosso irmão sacerdote dizia-me, em Janeiro passado, quando lhe perguntei em dia de festa jubilar do seu filho: “quando manifestou o seu filho o desejo de ser padre?” “Foi na Escola, senhor bispo, mas antes de ele sentir esse desejo já a vocação tinha nascido em mim”. Assim é certamente com a Minha Mãe, que tudo deu à Igreja porque se deu a si mesma e ao único filho que tem. Assim é igualmente com as vossas Mães, irmãos sacerdotes, algumas a viverem também elas momentos de prolongadas e dolorosas doenças e preocupações. Obrigado Mães! Que Nossa Senhora, Mãe de Jesus e nossa Mãe, presença na vida e na cruz de Jesus e presença na vida e na história da Igreja seja hoje e sempre a nossa Mãe e Mãe das nossas Mães. Sé de Aveiro, 9 de Março de 2009 +António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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