Homilia do cardeal-patriarca de Lisboa no domingo de Ramos

“Redescobrir que Cristo é o Senhor”

 

1. Na liturgia desta Semana Maior, somos convidados a acompanhar o Senhor na sua última subida a Jerusalém, desde a sua entrada messiânica na Cidade Santa, até à sua ressurreição dos mortos. O Santo Padre Bento XVI, no 2.º volume de “Jesus de Nazaré”, acompanha o Senhor, através das narrações evangélicas, nesta passagem de Jesus, da morte à vida. Bento XVI confessa-nos o objetivo que espera alcançar com este livro: “Aproximar-me de Nosso Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele”. É por isso que percorre de perto os Evangelhos “sempre com o objetivo de aprender a conhecer e compreender melhor a figura do próprio Jesus”[1] . Façamos nosso este objetivo do Papa, não apenas lendo o seu livro, mas celebrando com fé a liturgia desta Semana: conhecer melhor Jesus Cristo, partilhar com Ele a sua Páscoa que passou a ser a nossa Páscoa.

2. Neste Domingo, chamado dos Ramos, podemos reconhecer Jesus na sua Realeza, na sua Senhoria; poderemos interiorizar o modo como habitualmente o tratamos: Nosso Senhor. A questão da realeza de Jesus acompanha-o desde a entrada em Jerusalém até à ressurreição. Jesus assume pela primeira vez, de forma clara, que é o Messias prometido, o descendente de David, o Rei de Israel. A aclamação messiânica de Jesus brota da densidade espiritual daquela peregrinação para Jerusalém. As instruções que dá aos discípulos, em Betfagé, já diante da cidade, mostram a consciência que Jesus tem de estar a cumprir quanto os profetas anunciaram acerca do Messias. O Profeta Zacarias tinha predito: “Aí vem o teu Rei, ao teu encontro, manso e montado num jumentinho, filho de uma jumenta” (Zac. 9,9). Com aquele gesto, Jesus reivindica um direito régio, mas afirmando claramente, nas referências proféticas, que o seu reinado é diferente. Repeti-lo-á a Pilatos durante o processo que O condenou: Eu sou Rei, mas o meu reino não é deste mundo. “Ele é um rei que quebra os arcos de guerra, um rei da paz e um rei da simplicidade, um rei dos pobres. E, por fim, vimos que governa um reino que se estende de mar a mar, abraçando o mundo inteiro: isto fez-nos recordar o novo reino universal de Jesus, que, nas comunidades da fração do pão, isto é, na comunhão com Jesus Cristo, se dilata de mar a mar como reino da sua paz. Nem tudo isto era percetível então, mas depois, num olhar retrospetivo, torna-se evidente aquilo que estava escondido na visão profética e a que só de longe se tinha acenado”[2] .

3. Em que consiste essa realeza de Cristo? Esta afirmação da sua realeza, Jesus fá-la no momento culminante da sua subida para Jerusalém. “A meta final desta «subida» de Jesus é a oferta de Si mesmo na cruz, oferta que substitui os sacrifícios antigos; é a subida que a Carta aos Hebreus designa como a ascensão para a tenda que não é feita por mãos de homem, ou seja, o próprio céu, apresentando-Se diante de Deus (9, 24). Esta ascensão até à presença de Deus passa pela cruz: é a subida para o «amor até ao fim» (cf. Jo 13, 1), que é o verdadeiro monte de Deus”[3] . A sua realeza será o triunfo definitivo do amor de Deus, na fidelidade de um homem, que se manifestará plenamente na sua ressurreição. Esse triunfo do amor exprimiram-no os primeiros cristãos com a designação de Senhor (Kúrios), título que era dado ao próprio imperador. A primeiríssima confissão de fé, que levou alguns cristãos ao martírio, foi certamente essa: “Cristo é Senhor”, é o único Senhor que reconhecemos. Esta Senhoria de Deus, encarnada no Homem Jesus Cristo, manifesta-se na sua ressurreição, no tal cume da subida para o amor até ao fim.

4. A Senhoria de Cristo ressuscitado é a realização definitiva do anúncio do messianismo real, do Messias Rei. Em Cristo ressuscitado exprime-se todo o poder de Deus, que é a força do seu amor. O próprio ressuscitado afirma de Si mesmo: “Foi-Me dado todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos” (Mt. 28,18-19). A missão dos discípulos é, agora, proclamar esta Senhoria: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo” (Act. 1,8). O poder de Cristo-Senhor é tão amplo como o poder de Deus. Reconhecer esta “Senhoria” é o dinamismo que faz nascer e crescer a Igreja. É a proclamação da vida, que se identifica com o amor. O triunfo de Jesus Cristo, o Deus feito homem, é, antes de mais, o triunfo do amor do Pai, pelo seu Filho, que cumpriu, na obediência, o seu desígnio de amor. “Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu o Nome que está acima de todo o nome, para que tudo, ao nome de Jesus, se prostre, no alto dos céus, na terra e nos infernos e toda a língua proclame acerca de Jesus Cristo que Ele é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fil. 2,9-11). Reconhecer esta Senhoria de Jesus Cristo é entrar no dinamismo de amor entre o Pai e o Filho, no Espírito Santo. Quem reconhece que Jesus é Senhor, tem de viver do amor. O mandamento novo do amor agora tornou-se acessível aos homens redimidos (cf. Fil. 2,1-6).

A Cristo Senhor ressuscitado é atribuído um outro poder de Deus: o de julgar os vivos e os mortos no fim dos tempos. E essa dimensão está incluída no anúncio cristão do ressuscitado: Ele há de voltar para julgar os vivos e os mortos e estabelecer definitivamente o Reino de Deus no mundo[4] . A Liturgia desta Semana vai desafiar-nos a proclamar com fé e mais amor que Cristo é, realmente, Nosso Senhor, o único Senhor a quem queremos seguir.

Sé Patriarcal, 17 de abril de 2011

D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca

 

NOTAS:

1 Bento XVI, Jesus de Nazaré, vol. II, pp. 12 e 146

2 Ibidem, pp. 15-16

3 Ibidem, p. 14

4 cf. Ibidem, pp. 225-226 4 

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