1. A Diocese de Bragança-Miranda testemunha uma notável piedade mariana pelo numero de santuários marianos espalhados um pouco por toda a sua geografia, pela riqueza de tradições de cariz mariano que marcam a mais genuína piedade popular e ainda pela quantidade de títulos pelos quais as gentes desta terra invocam Aquela que é mãe, em quem se inspiram como a Serva humilde do Senhor e a quem honram como Rainha.
Esta Catedral, a Domus Ecclesiae e, por isso, mãe de todas as igrejas da Diocese de Bragança-Miranda, é justamente dedicada à Mãe de todos os que peregrinam nesta Igreja particular. A obra hoje inaugurada, a Pietá, tem por isso mesmo, um significado peculiar neste dia e neste lugar. Sendo fruto de uma aproximação ao Mistério por parte de um filho deste torrão transmontano, recolhe uma expressão da intensidade na relação com a Mãe de Deus e com o seu Filho Jesus.
Naquele Filho reconhecem-se todos os que labutam e sofrem, os que investem a vida numa entrega de amor e encontram um colo aconchegado de carinho. Naquela Mãe, que enfatiza os traços de uma mulher transmontana, reconhecem-se todos os que são capazes de contemplar e aceitar a “vida em abundância” que continua a manar do altar da Cruz. E a cena, que começa por falar da morte, transfigura-se na vida ressuscitada que pulsa nas veias dos que aceitam viver segundo o Evangelho
2. Mas Bragança celebra hoje, em particular, com íntima e profunda alegria, a festa de Nossa Senhora das Graças, tão profundamente amada e filialmente invocada pelos seus habitantes Ela foi, com efeito, solenemente proclamada sob tal invocação, em 1856, Padroeira desta encantadora cidade transmontana. É esta uma data histórica digna de ser recordada com sentimentos de profunda gratidão a Deus por este século e meio de padroado mariano.
Trata-se, sem dúvida, duma das mais belas e significativas invocações marianas. Ela exprime, dum modo particularmente eficaz, o papel central de Maria na história da salvação e a sua materna solicitude para com os seus filhos. Para entendermos em profundidade todo o valor salvífico desta invocação, é necessário considerá-la à luz e no contexto da maternidade espiritual da Virgem.
Esta é, de facto, não somente a Mãe de Deus, mas também a Mãe de todos os homens. Gerando no seu seio a Cristo, Ela gerou espiritualmente, no seu coração, todos aqueles que acreditam na Palavra do seu Filho. Por isso, Paulo VI, no discurso de encerramento do Concílio Vaticano II, atribuiu solenemente a Maria o título de “Mãe da Igreja, isto é, de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis como dos Pastores, que a apelidam Mãe amorosíssima” (AAS, 56, No seio da Virgem, I· I i 1964, 1016).
Esta maternidade, na ordem da graça, atribuída à Virgem Santíssima, foi reconhecida pelos próprios iniciadores da Reforma protestante. Lutero, por exemplo, exprimiu-se do seguinte modo a este respeito: “Esta é a consolação e a transbordante bondade de Deus: que o homem crente se possa gloriar de um bem tão precioso – que Maria seja sua Mãe, Cristo seu irmão, e Deus seu Pai… Se crês nisto, lança-te nos braços de Maria, porque és o seu filho”. Também Zwingli, um outro expoente da Reforma protestante, chama a Maria “a Virgem pura, mãe da nossa salvação”. Palavras estas que sublinham o sentir comum dos cristãos desde as origens da Igreja.
3. Como Mãe, o coração virginal e ao mesmo tempo materno de Maria abraça todos os crentes, todos os homens. O seu amor é um amor inexaurível e universal. Este amor pelo homem, Maria manifesta-o, sobretudo, diz João Paulo lI, na sua “singular vizinhança a ele e a toda a sua história. Nisto consiste o mistério da Mãe” RH, 22). Ela caminha com a Igreja e com a humanidade inteira: faz caminho lado a lado com ambas. Ela é a estrela da manhã que guia os homens para a plenitude do dia que não tem ocaso, em direção à plenitude do Mistério Pascal de Jesus Ressuscitado. Também Ela (N. Sra. das Graças), como Cristo, estará connosco todos os dias até ao fim dos tempos. É a Virgem do bom caminho, a Senhora peregrina no tempo, connosco peregrinos na história.
A Senhora exprime o seu grande amor para com os homens, sobretudo, intercedendo por eles junto d’Aquele que é a fonte inesgotável de todas as graças: o seu Divino Filho. Ninguém, mais do que Ela, está em posição de intervir junto d’Ele, de interceder por nós e de nos obter tudo aquilo de que precisamos para sermos autênticas testemunhas do Evangelho. Do Senhor Ressuscitado Paulo diz que “Ele vive junto do Pai intercedendo por nós” (Rom 8,24). Jesus intercede por nós junto do Pai. Maria intercede por nós junto do Filho.
A Mediação de Maria, sublinha ainda João Paulo II, na Encíclica “Redemptoris Mater”, tem essencialmente “um caráter de intercessão” (RMt,21). Este poder de intercessão da Virgem Santíssima funda-se na sua maternidade divina. Jesus disse: “pedi e dar-se-vos-á; batei e abrir-se-vos-á”. Se a oração cristã, “feita segundo a vontade de Deus” (1Jo 5,14), é sempre eficaz, muito mais deve ser a oração feita por Aquela que é a Mãe de Deus. Como poderia o Filho negar qualquer coisa à sua amadíssima Mãe? Por essa razão, Maria é chamada “l’omnipotentia suplex”, Aquela que tudo pode obter com a sua oração de mediação.
4. Nossa Senhora manifestou com evidência este poder de intercessão, pela primeira vez, nas Bodas de Caná. Solícita e atenta, seguindo o intuito do seu coração matemo, Ela dirige-se ao Filho, manifestando-lhe que não havia mais vinho. Uma questão aparentemente de pouca monta, mas que certamente era importante para os patrões da casa e para os próprios noivos. Jesus não resiste à oração da sua Mãe e transforma a água em vinho. Foi este o seu primeiro milagre.
Note-se que Maria, depois de ter intuído o desconcerto dos esposos, e sem ter sido solicitada por eles; foi a primeira a fazer algo, antecipando a intenção do Filho. Tinha, pois, razão Dante Alighieri ao afirmar que a benignidade da Virgem não socorre somente aqueles que a Ela si dirigem, mas muitas vezes antecipa solicitamente os seus pedidos (“molte fiate liberamente al demandar precorre”). Estilo confirmado nas bodas de Caná. O que aconteceu em Caná da Galileia repete-se ininterruptamente ao longo dos séculos. Do céu, onde está associada à glória do seu Filho, Maria não esquece o seu povo peregrino sobre a terra. Ela continua a satisfazer os pedidos dos seus filhos, a interceder por eles, a livrá-los dos perigos, a alivia-los nas dificuldades…
A nenhum faz faltar o sustento da sua proteção e o conforto da sua poderosa intercessão. Esta função maternal de Maria em relação aos homens, “de modo algum ofusca ou diminui a única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece” (LG, 60).
A ação mediadora de Maria não afasta, portanto, os homens de Cristo. Pelo contrário, intercedendo por eles, leva-os a Ele como única fonte de todos os bens da salvação; impele-os a incarnar o seu Evangelho, sem dúvidas nem medo, no quotidiano da própria vida.
Não é fácil reconhecer hoje, no meio de tantas vozes ensurdecedoras, a voz do divino Mestre e fazer dela a norma de toda a existência. Também não é simples superar os obstáculos e resistir às tentações que colocam em risco a própria vida cristã.
Pois bem, é a Senhora das Graças que, com a sua maternal solicitude, ilumina os caminhos dos homens com a luz pascal do Senhor Ressuscitado; é Ela que os conduz, quase pela mão, para Aquele no qual o Eterno Pai “nos escolheu para sermos santos e irrepreensíveis na sua presença, no amor” (Ef 1,4); é Ela que em todas as circunstâncias da vida, especialmente nos momentos mais dificeis, nos repete as palavras ditas aos servos nas bodas de Caná: “fazei tudo o que ‘Cristo’ vos disser”.
5. É a esta poderosa Intercessora de todas as graças, que nos queremos dirigir hoje, de um modo especial, para Lhe pedir que abençoe, com o seu amor de Mãe, esta Comunidade eclesial e esta cidade de Bragança, requalificada no seu espaço urbano e cultural, e conserve sempre vivas as raízes cristãs deste povo brigantino e bragançano. Para Lhe pedir que n’Ela encontre repouso aquele que é atormentado pela dúvida; encontre conforto aquele que luta na incerteza e na dor; experimentem o amor aqueles que são vítimas do ódio e da violência. Para Lhe pedir que os povos envolvidos em absurdas guerras fratricidas deponham quanto antes as armas, para poderem, finalmente, experimentar a alegria da reconciliação e da paz – daquela reconciliação e daquela paz que brotam do mistério pascal do Senhor Ressuscitado.
Nossa Senhora das Graças, rogai por nós.
Bragança, 22 de agosto de 2012
Cardeal José Saraiva Martins