Homilia do Bispo do Porto na Missa de Quarta-feira de Cinzas

Homilia do Sr. Bispo do Porto na celebração Eucarística de quarta-feira de Cinzas, 09 de Fevereiro, na Sé Catedral do Porto, às 21h30m Com esta celebração que inclui a tradicional bênção e imposição das cinzas, damos início ao tempo litúrgico da Quaresma, como preparação para a Páscoa. O tempo da Quaresma é tempo de penitência, de conversão e de partilha. Pela voz e pena do profeta Joel Deus disse e continua a dizer-nos com uma actualidade, propriedade e pertinência que têm a marca do indesmentível e perene: “Convertei-vos a Mim de todo o coração com jejuns, lágrimas e lamentações” (Joel 2, 12). Está em causa a condição humana na sua essência, e não as aparências ou formas exteriores. E motiva-nos a clemência, a infinita paciência e misericórdia de Deus. Cristo manifesta-nos a sintonização com o povo em cuja história e cultura se inseriu. Era o povo que, apesar de tudo, Deus considerava e chamava o seu povo, a quem convidava para uma familiaridade cada vez maior mediante uma conversão verdadeira e sincera. Conhecedor das práticas penitenciais que eram hábito deste povo (do seu povo), Cristo, sem as negar ou contestar, imprimia-lhes um espírito novo, de verdade, de interioridade e de autenticidade eficiente. Fala da esmola, dada discretamente, sem exibicionismo hipócrita, e da oração, sem publicidade e sem singularidades a dar nas vistas, e do jejum sem afectação e sem falsa vitimização. Tudo o que em nome e sob pretexto de penitência for feito para benefício próprio como auto-elogio de vaidade e vã glória não terá outras consequências. Estaríamos perante a recompensa aparente de quem a não merece. Na Sua habitual Mensagem para a Quaresma o Santo Padre lembra-nos que este é um tempo para “a escuta mais assídua da Palavra de Deus e da prática mais generosa da mortificação, graças à qual se possa ajudar em maior medida o próximo necessitado” (nº1). Se esta é a finalidade e se este é o espírito habitual de penitência quaresmal, não deixa o Papa de nos convidar a reflectir este ano sobre um tema especial, “actual como nunca” (diz): o mundo da chamada terceira idade (“Deus é a vida e a longevidade dos teus dias” – Deut. 30,20). Já em 1981 a Igreja, na Exortação Apostólica Familiaris Consortio chama explicitamente a nossa atenção para este problema dos idosos. Denunciando “situações inaceitáveis de marginalização que são fonte de atrozes sofrimentos para eles mesmos e de empobrecimento espiritual para muitas famílias”, a Exortação Apostólica afirma que “o ancião continua inserido na vida familiar, tomando nela parte activa e responsável… e sobretudo desenvolvendo a missão preciosa de testemunha do passado e de inspirador de sabedoria para os jovens e para o futuro” (nº27). Renovando as mesmas preocupações e a mesma doutrina, mesmo reconhecendo que situações concretas e anómalas exigem soluções adequadas, legislação oportuna e solidariedade social eficiente, o Papa parte do respeito pela condição e vida dos idosos para mais uma vez sublinhar o valor da vida sempre: “a vida do homem é um dom precioso que se deve amar e defender em todas as suas fases. O mandamento “não matarás” pede que ela seja respeitada e defendida sempre, desde o seu início ate ao seu fim natural. É um mandamento que é válido também na presença de doenças, e quando o enfraquecimento das forças limita o ser humano nas suas capacidades de autonomia” (nº2). Em circunstâncias semelhantes do seu ministério, Cristo diria: quem tem ouvidos para ouvir ouça! Insistindo mais uma vez no valor e respeito pela vida humana, o Papa encontra no respeito pela vida a base e fundamento da solidariedade humana. E não esqueçamos que estes valores e doutrina da Igreja assumem especial relevância neste Ano da Eucaristia. A Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine (7 de Outubro de 2004), que orienta o nosso programa de vida neste Ano da Eucaristia, lembra-nos que a Eucaristia é sacrifício de redenção e banquete de comensalidade. À mesa com Cristo e com os irmãos, celebramos a Eucaristia como fonte e epifania de Comunhão. Como Igreja convocada e reunida em Eucaristia somos convidados a viver um ideal de comunhão capaz de partilha fraterna. E é neste espírito de partilha fraterna em níveis e circunstâncias de dimensão diferente que em cada período de Quaresma somos convidados a uma penitência traduzida em solidariedade e determinada em projectos. A cada bispo compete indicar as finalidades do contributo penitencial dos fiéis da sua Diocese, como afirmação de solidariedade nos projectos anunciados, e como apelo à comunhão eclesial. À Conferência Episcopal e a cada Bispo chegam frequentemente pedidos de ajuda vindos de outras Dioceses, paróquias e instituições sobretudo estrangeiras. Por isso o Plenário da Conferência Episcopal Portuguesa resolveu que cada Diocese de Portugal reservasse 5% (cinco por cento) do contributo penitencial dos seus fiéis para ser constituído um Fundo de Solidariedade para ajuda às Dioceses que nos dirijam pedidos. A parte obviamente maior das renúncias quaresmais dos fiéis da nossa Diocese será neste ano de 2005 destinada às seguintes finalidades: • A Casa Sacerdotal, em fase de acabamentos para ser inaugurada neste ano de 2005; • O mosteiro das Monjas Carmelitas de Bande (Carvalhosa, Paços de Ferreira), já construído mas a precisar de ajuda financeira para saldar a dívida ainda existente; • Apoio ao Secretariado Diocesano das Migrações, para podermos prestar ajuda condigna e acolhimento eficiente aos imigrantes que nos procuram; • Reserva de apoio para solução de problemas emergentes da catástrofe recente no Sueste Asiático. Pede-se aos Reverendos Párocos e Reitores das Igrejas da Diocese que expliquem aos fiéis a totalidade das normas disciplinares da Igreja relativamente à disciplina penitencial deste tempo da Quaresma. Vivamos com responsabilidade e consciência a missão e ministério que S. Paulo viveu de modo exemplar e nos ajuda a clamar: “nós somos embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio, nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus… Este é o tempo favorável, este é o tempo da Salvação” (cf. 2Cor5, 20-6,2). Porto e Sé Catedral, 9 de Fevereiro de 2005 D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto

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