Caros irmãos e, de um modo muito particular, caros jovens
As celebrações do Domingo de Ramos como que concentram em si um misto de emoções, aparentemente contraditórias: por um lado, Jesus é aclamado como Messias pelos habitantes de Jerusalém e, por outro lado, caminha serenamente para a Paixão.
Assim, a liturgia deste Domingo, verdadeira “porta de entrada da Semana Santa”, ensina-nos o modo de olhar para a cruz de Jesus e, deste modo, a viver o sofrimento que marca tantas vezes a nossa vida, e (sobretudo) a sermos discípulos.
Com efeito, sem retirar nada ao dramatismo da morte de Jesus: ao sofrimento físico e ao abandono que Ele padece; à derrota, ao fracasso que lhe está associado, à inconsistência dos habitantes de Jerusalém que tão depressa aclamam Jesus como o conduzem à morte; à vergonha sobre o modo como os seus discípulos mais próximos viveram todos estes dias — sem retirar nada ao dramatismo da morte de Jesus, tudo isso nos aprece envolvido por um “pano de fundo” de serenidade gloriosa.
Não são apenas os hossanas que cantámos durante a procissão com que entrámos jubilosamente nesta nossa Catedral. As próprias leituras, há pouco proclamadas, se revestem deste misto de “paixão gloriosa”: “O Senhor abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo” — dizia o profeta; “Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais obedecendo até à morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou” — escrevia S. Paulo; “Vendo o que sucedera (a morte de Jesus na cruz), o centurião deu glória a Deus” — narrava S. Lucas ao descrever o momento da morte do Senhor.
Não nos convida a Palavra de Deus ao triunfo dos que, vitoriosos na batalha, desdenham dos derrotados. Mas também não nos propõe o sentimento masoquista da derrota ou (muito menos), a raiva que conduz à vingança — o modo como, habitualmente, no mundo são pagas as humilhações sofridas.
A Palavra de Deus convida-nos antes à atitude com que o próprio Jesus viveu todos estes momentos: a atitude serena daquele a quem foi dada a graça de escutar e de falar, certo de que, precisamente nesta aparente derrota, se manifesta o máximo do amor divino por nós, por todos. Trata-se de deixar que, também em nós, o amor de Deus (o mesmo que conduziu Jesus à cruz) se manifeste, dê forma ao nosso modo de ser e de viver.
Não a nossa vitória, mas a vitória de Deus. Não o nosso amor e a nossa generosidade, mas o amor divino. Não as nossas capacidades, mas aquelas que são próprias de Deus — as únicas a vencer e a convencer verdadeiramente o coração dos homens.
E, assim, o Evangelho ensina-nos também o conteúdo daquilo que os discípulos de Jesus têm a dizer ao mundo e também a forma com que, neste nosso século XXI, o havemos de anunciar. A mensagem de Jesus há de dar forma ao nosso modo de viver, ao nosso “estilo de vida” de cristãos.
Ao conteúdo que havemos de anunciar e ao modo como havemos de viver se referia o Papa Francisco na sua recente Exortação Apostólica “Cristo vive”, publicada na sequência do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, e que vos convido a ler e a meditar.
Quanto ao conteúdo, o Santo Padre dividia-o em 3 pontos essenciais. Afirmava: “Eis a primeira verdade que quero dizer a cada um: «Deus ama-te». Mesmo que já o tenhas ouvido – não importa! –, quero recordar-to: Deus ama-te. Nunca duvides disto na tua vida, aconteça o que acontecer. Em toda e qualquer circunstância, és infinitamente amado” (112).
“A segunda verdade — continuava o Santo Padre — é que, por amor, Cristo entregou-Se até ao fim para te salvar”. […] “E Cristo, que nos salvou dos nossos pecados na Cruz, com o mesmo poder da sua entrega total, continua a salvar-nos e a resgatar-nos hoje. Olha para a sua Cruz, agarra-te a Ele, deixa-te salvar (118.119).
“Mas — dizia também o Papa — há uma terceira verdade, que é inseparável da anterior: Ele vive! É preciso recordá-lo com frequência, porque corremos o risco de tomar Jesus Cristo apenas como um bom exemplo do passado, como uma recordação, como Alguém que nos salvou há dois mil anos. De nada nos aproveitaria isto: deixava-nos como antes, não nos libertaria. Aquele que nos enche com a sua graça, Aquele que nos liberta, Aquele que nos transforma, Aquele que nos cura e consola é Alguém que vive. É Cristo ressuscitado, cheio de vitalidade sobrenatural, revestido de luz infinita” (124).
Mas de que forma poderemos dar testemunho deste Deus que é amor, que nos salva em Jesus Cristo e que vive hoje connosco? Que estilo, que modo de viver havemos de assumir para mostrar como tudo isto é vida e importante para a vida de todos, e não um simples discurso retórico?
O Papa Francisco, apontava também três aspetos. Começava por recordar as palavras de Carlo Acutis, um jovem italiano falecido em 2006 e que gostava de lembrar: “todos nascem como originais, mas muitos morrem como fotocópias”. Quer dizer: Deus criou-nos únicos, e nós temos a tendência de nos irmos copiando uns aos outros, pensando que, desse modo, seremos melhores quando, de facto, não é assim.
Por isso, diz também o Santo Padre (primeiro ponto): “Ousa ser mais, porque o teu ser é mais importante do que qualquer outra coisa; não precisas de ter nem de parecer. Podes chegar a ser aquilo que Deus, teu Criador, sabe que tu és, se reconheceres o muito a que estás chamado. Invoca o Espírito Santo e caminha, confiante, para a grande meta: a santidade. Assim, não serás uma fotocópia; serás plenamente tu mesmo” (107). E ainda: “Para a juventude desempenhar a finalidade que lhe cabe no curso da vida, deve ser um tempo de doação generosa, de oferta sincera, de sacrifícios que custam, mas nos tornam fecundos” (108).
De seguida, o Papa Francisco convidava: “Se és jovem mas te sentes frágil, cansado ou desiludido, pede a Jesus que te renove. Com Ele, não se extingue a esperança. […] Cheio de vida, Jesus quer ajudar-te para que valha a pena ser jovem. Assim, não privarás o mundo daquela contribuição que só tu – único e irrepetível, como és – lhe podes dar” (109).
E, finalmente: “É muito difícil lutar […] se estivermos isolados. O isolamento enfraquece-vos e expõe-vos aos piores males do nosso tempo” (110).
Ousar ser como Deus nos pede, com Jesus e na companhia dos irmãos: este é, segundo o Papa, o modo de anunciar o amor de Deus que se manifestou na cruz de Jesus — deste Jesus que venceu a morte e vive para sempre.
É tudo isto que, afinal, descobrimos também nesta liturgia de Domingo de Ramos: a vitória serena mas firme daquele que por amor de cada um de nós viveu a cruz e, desse modo, se entregou ao Pai e aos irmãos, mostrando que o amor de Deus é vida entregue e proposta para todos.
Convidando-nos a olhar para Jesus, a viver com Ele, o Domingo de Ramos ensina-nos o modo de sermos cristãos: o que havemos de anunciar e como o havemos de fazer. Peçamos ao Senhor que nos grave hoje, no coração, essa qualidade única que queremos marque a nossa vida: ser discípulos daquele Jesus que por amor se ofereceu na cruz.
Catedral do Funchal, 14 de abril de 2019
D. Nuno Brás, Bispo do Funchal