Homilia do Bispo do Funchal no Dia da Região da Madeira

«Construir um futuro cada vez mais digno e feliz» A Catedral da nossa Diocese congrega-nos de novo para a Eucaristia, a celebração por excelência do louvor e acção de graças a Deus por todos os Seus dons e benefícios, neste Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses. Este é um Dia particularmente significativo para todos os Madeirenses e Porto-Santenses, tanto para aqueles que aqui residem como para os muitos milhares que vivem fora da Região, em tantas comunidades emigrantes espalhadas pelo mundo. É um Dia que recorda o nosso Passado e celebra o que hoje somos, com gratidão e respeito por todos aqueles que o construíram, quantas vezes até com arrojo e verdadeiro heroísmo! Um Dia que coloca diante de nós o Presente, sem ilusões e sem medos, com as suas esperanças e as suas dúvidas, um presente que nos interpela a uma vontade forte de construir um Futuro cada vez mais digno de homens e mulheres livres, que somos chamados a ser. Assim, para todos e cada um de nós, celebrar o Dia da Região, é, antes de mais, sentir-se chamado a dar o seu melhor, em todos os campos da vida social, económica, política e cultural, para que a Sociedade de hoje e do amanhã seja a expressão do trabalho, dedicação e generosidade de todos nós. Palavra de Deus para nós, hoje Os textos bíblicos que acabam de ser proclamados são Palavra de Deus para nós, hoje e aqui. Eles interpelam-nos e ajudam-nos a encontrar o recto sentido e o horizonte último das nossas atitudes e dos compromissos que assumimos na concreta vida pessoal, eclesial e social. É verdade que é uma Palavra, dirigida antes de mais e de modo particular aos crentes, mas não deixa de questionar e interpelar também todos quantos se esforçam por orientar a sua vida por princípios, critérios e valores de verdadeiro Humanismo. A 1ª leitura, extraída do Livro dos Provérbios (Prov 2,1-9), coloca na boca de um pai que se dirige a seu filho, as palavras que contêm o segredo da arte de bem viver: “Meu filho, se aceitares as minhas palavras e guardares os meus preceitos (…) alcançarás o conhecimento de Deus” (vv.1 e 5). Este “conhecimento de Deus”, lembra-nos constantemente a Escritura e sabem-no os crentes, constitui a verdadeira Sabedoria. A Sabedoria é apresentada pela tradição bíblica, de que o Cristianismo é herdeiro, como o Bem supremo, a riqueza por excelência, aquela que se deve buscar como um tesouro (cf. v.4), pois só ela é capaz de nos fazer compreender e alcançar “todos os caminhos da felicidade” (v.9). O Livro dos Provérbios é considerado, de entre os muitos que constituem o Antigo Testamento, aquele que melhor exprime a enorme riqueza da chamada “Literatura Sapiencial” de Israel. Representa um género literário que não tem por objectivo narrar acontecimentos históricos ou os feitos de personagens importantes, sejam elas reis, profetas ou sacerdotes. Pelo contrário, as suas personagens são simbólicas e surgem apenas com a finalidade de levar o leitor à reflexão sobre as grandes interrogações que, desde sempre, mais inquietam o ser humano: o sentido da vida, do sofrimento, do trabalho e da morte. Neste sentido, a passagem que hoje escutámos ajuda-nos a interrogar alguns aspectos da nossa vida actual. Vivemos um tempo que valoriza muito – por vezes de modo exagerado e quase exclusivo! – o conhecimento técnico e científico. As estruturas laborais dos países desenvolvidos tendem a deixar cada vez menos espaço e lugar para aqueles que mostram dificuldades em se adaptar às chamadas “novas tecnologias”, perante um mundo cujas constantes e profundas mudanças originam tantas vezes sofrimentos e graves dramas pessoais e familiares. A Sabedoria, segredo de uma vida feliz Para uma mentalidade utilitarista e economicista, a procura da Sabedoria, o esforço por alcançar a arte de bem viver, pode parecer apenas uma perda de tempo! E, no entanto, sabemos todos tão bem que o segredo de uma vida feliz não está na simples acumulação de saberes ou de experiências, por muito úteis que nos possam ser. Alguém escrevia, e com razão, que a nossa sociedade esquece com demasiada frequência que o fim último da vida humana não é a excelência e o sucesso, mas a felicidade. Pensar o futuro, neste Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses, é também perguntarmo-nos sobre o modo como estamos a preparar as novas gerações de Madeirenses e Porto-santenses para assumir as suas responsabilidades sociais, políticas, económicas, culturais e religiosas, no dia de amanhã. Seja-me permitido apelar, de modo particular, aos pais e demais responsáveis pela educação das novas gerações, para que não se dispensem do seu dever de proporcionar às crianças e jovens uma formação completa, integral, que jamais esqueça os valores morais e éticos, bem como o conhecimento aprofundado e autêntico da nossa tradição religiosa. Ser sal da terra e luz do mundo No Evangelho há pouco proclamado (Mt 5,13-19), encontramos Jesus, no cimo do monte, instruindo os seus discípulos. E fá-lo através de imagens simples e pequenas comparações, cheias, ainda hoje, de inegável actualidade: “Vós sois o sal da terra (…) Vós sois a luz do mundo” (vv.13 e 14). Para que serve o sal e qual a finalidade da luz? – Da resposta a estas duas breves questões, depende muito do sentido do nosso modo de estar no mundo como cristãos e discípulos de Jesus. Das palavras de Jesus, podemos inferir a clara exigência de serem os Seus discípulos, tanto os de ontem como os de hoje, sal da terra e luz do mundo, em todas as circunstâncias da vida. Que significado tem para nós, madeirenses daqui e das quatro partidas do mundo, esta exigência radical de testemunhar Jesus Cristo e o Seu projecto? O grande Padre António Vieira, a quem Fernando Pessoa chamou «imperador da Língua Portuguesa» e cujo 4º centenário do seu nascimento comemoramos este ano, começa o célebre Sermão de Santo António aos Peixes, precisamente com esta passagem do evangelista São Mateus, afirmando o que, desde logo, é evidente e quase redundante: “Cristo Senhor Nosso chama (aos discípulos) ‘sal da terra’, porque quer que façam na terra o que faz o sal”. Ora, continua o nosso insigne autor, se isso frequentemente não sucede, por uma das duas razões forçosamente será: seja porque o sal não cumpre a sua missão, seja porque a terra não se deixa salgar. Ou, porventura, acrescentaríamos nós, por ambas as razões. Continuando com o Padre António Vieira, notamos que entre as características peculiares da sua longa vida estão as diversas viagens que realiza entre Portugal e o Brasil: Vieira andou num verdadeiro vaivém, fazendo ponte entre a Europa e a América do Sul (embora passe a maior parte do tempo em terras de Vera Cruz), o que faz dele quase um precursor do emigrante, tal como é tipificado, a partir da vida real, em muitos filmes e romances. Emigrantes e Missionários A propósito desta dimensão de viandante que tem marcado a vida de tantos madeirenses ao longo da história – seja como Emigrantes, seja como Missionários – gostaria aqui de recordar o que escrevi, em recente mensagem para o Ano Jubilar Paulino, que há três dias iniciámos: “A palavra ‘viagem’ está profundamente enraizada no coração e na vida dos madeirenses e porto-santenses e não foi por ocaso que, há quase 500 anos, esta Igreja Particular do Funchal, a primeira criada por ocasião das nossas conquistas e descobertas, foi uma das maiores do mundo (…). Se geograficamente esta ficou confinada, ao fim de alguns anos, à actual parcela diocesana, não deixou, no entanto, de enviar tantos ilustres filhos e filhas madeirenses, que, como São Paulo, foram anunciar o Evangelho por todos os continentes” (Mensagem Pastoral “Ai de mim, se não evangelizar!” – Funchal, 14 de Julho de 2008). Na continuidade deste vigor missionário, situamos, também, os nossos emigrantes. Seja-me pois permitido, neste momento, uma palavra de saudação e de estímulo para todos aqueles que, da Venezuela ao Canadá, do Brasil à África do Sul, da Austrália aos Estados Unidos da América e em tantos outros lugares, vivem, lutam e trabalham, dando também um precioso testemunho da sua fé cristã e assumindo, sem vergonha nem desfalecimento, as tradições religiosas que receberam desde o berço e que agora, por sua vez, se esforçam por transmitir a seus filhos e netos. Por isso, também eu, enquanto Bispo desta Diocese, que tem visto tantos dos seus filhos partir para terras longínquas, levando no alforge ilusões e esperanças, crenças e tradições, ousadia e coragem, não posso deixar de olhar para estes homens e mulheres nascidos na Madeira e Porto Santo “como símbolos das potencialidades da nossa identidade, forjada ao longo dos séculos pelos valores da esperança cristã, que nos alarga os horizontes e desperta as virtualidades para vencer os desafios e as crises do presente, de um modo solidário e fraterno” (Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana, Mensagem para o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, 10 de Junho de 2008). Olhar o futuro com esperança Olhar com esperança e orgulho os nossos emigrantes, não pode fazer-nos esquecer quanto sofreram e ainda sofrem, na alma e no corpo, na busca da realização dos seus ideais. Por essa razão, faço agora minhas as palavras recentes do Fórum das Organizações Católicas para a Imigração, onde também está representada a Comissão Episcopal da Mobilidade Humana, que lamenta a recente Directiva do Parlamento Europeu relativa à deportação dos imigrantes em situação ilegal e nos recorda quanto é importante “olhar o fenómeno migratório numa perspectiva social, vendo nos migrantes pessoas que se deslocam para construir ou reconstruir um projecto de vida” (Comunicado final da reunião de Lisboa, 28 de Junho de 2008). Esperamos, por isso, que o nosso País, na hora de transpor esta directiva comunitária para a sua legislação interna, se recorde dos milhões que deixaram o solo pátrio, em condições tantas vezes ilegais e clandestinas, e que se tornaram mais tarde não apenas no orgulho das suas famílias, como também, através do seu trabalho e das suas economias, muito contribuíram para o desenvolvimento socioeconómico, tanto da terra que os viu nascer como da pátria de acolhimento. Súplica à Senhora do Monte Para concluir, confio à Senhora do Monte, nossa Mãe, as necessidades e anseios, preocupações e sofrimentos, projectos e propósitos de todos os madeirenses, tanto dos que residem na Madeira e Porto Santo como daqueles que estão dispersos nas comunidades do vasto mundo da emigração. Confio-lhe, de modo particular, esta Cidade do Funchal, engalanada por motivo da celebração dos 500 anos da sua fundação, e para todos imploro as maiores bênçãos da nossa Padroeira: a saúde, a paz e a concórdia, o trabalho e a prosperidade, a força, a coragem, a alegria da fé e da esperança para a vida de cada dia. Funchal, 1 de Julho de 2008 † António Carrilho, Bispo do Funchal

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