Homilia do bispo do Funchal na Vigília Pascal

A celebração desta noite santa de Páscoa é marcada pelas narrações das diferentes passagens de Deus pela vida do povo da Antiga Aliança: é a passagem do nada à existência; a passagem da provação da fé; a passagem da escravidão à liberdade; a passagem da indiferença à vida da Aliança.

E todas estas passagens — da criação do mundo à vida do crente — desenham diante de nós um sentido: mostram o sentido da história, a direcção que o próprio Deus vai imprimindo aos diferentes acontecimentos da história, por entre o encontro da sua vontade com a liberdade humana. Todas estas passagens reclamam a ressurreição de Jesus: sem Jesus, vencedor da morte e do pecado, tudo permaneceria sem sentido. De que serviria termos sido criados, se não tivéssemos sido resgatados? Como poderia a nossa liberdade ver-se constantemente inclinada para o mal e não ter a esperança de um redentor? De que serviria a liberdade se não pudéssemos viver a vida de gente libertada, povo resgatado? A Páscoa (as Páscoas) da Antiga Aliança indicam, requerem, encontram a sua plenitude na Páscoa de Jesus.

Mas, na IIª Leitura, S. Paulo vai mesmo mais longe. Porque, se fosse apenas a Páscoa de Jesus aquela que era requerida para que as Páscoas da Antiga Aliança fizessem sentido, tudo ficaria parado e perdido no tempo. Olharíamos para esse acontecimento como realidade magnífica; faríamos dele memória transmitida de geração em geração, mas seria apenas um acontecimento que diria respeito a um homem do passado — admirável, sem dúvida, mas prisioneiro do passado.

Não. S. Paulo, ao escrever aos cristãos de Roma, ia muito mais longe. Porque, olhando para a Páscoa de Jesus, descobria nela uma realidade maior: descobria nela a vida dos cristãos de todos os tempos e lugares. Por isso, o Apóstolo não hesitava em usar aquele “com”, característico do seu pensamento e da espiritualidade e vida dos cristãos: sepultados “com” Cristo, somos também “com” Cristo ressuscitados.

Quer dizer: a morte e a ressurreição de Jesus alargam o seu dinamismo pascal, ultrapassam tempos e lugares, para nos envolver a nós, cristãos. Para nos envolver a nós, cristãos madeirenses, que celebramos esta Páscoa de 2022.

Como é que tal acontece? Como é que a Páscoa de Jesus nos pode abraçar, envolver, e fazer-se nossa de verdade? S. Paulo responde também a esta questão: “Fomos sepultados com Ele pelo Baptismo na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova”.

É por meio do sacramento baptismal que todos nós, cristãos, nos passamos a identificar com Cristo. Não é fruto das nossas capacidades, da nossa inteligência, da nossa vontade férrea, ou mesmo do nosso comportamento exemplar. É fruto da vontade de Deus, que em nós crucifica o Homem velho e nos faz viver com Cristo ressuscitado.

Por isso aguardamos com ansiedade que, diante de nós, se realize esta Páscoa, esta passagem, nestes nossos irmãos que irão ser baptizados: sepultados com Ele no baptismo, por uma morte semelhante à sua, com Cristo vão também ressurgir, homens novos, para uma vida nova.

E olhando para eles, percebemos também o que sucedeu com todos nós quando, porventura ainda recém-nascidos, os nossos pais nos conduziram à Igreja, para nos dar a possibilidade de, desde tenra idade, vivermos já na graça baptismal.

Com Cristo mortos e com Cristo ressuscitados, queremos deixar que Deus faça connosco a Páscoa. Deus connosco e em nós: vida nova a brotar sempre de novo.

Olhando para estes nossos irmãos que, dentro de momentos, vão ser baptizados, sintamos todos renascer em nós a vocação baptismal, a docilidade ao Espírito Santo, o apelo divino a deixarmos o homem velho que teima em se manifestar, para vivermos a vida nova da santidade: a vida de Cristo ressuscitado, presente em nós e na vida da Igreja.

Sé do Funchal, 16 de abril de 2022
D. Nuno Brás

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