Homilia do bispo do Funchal na festa litúrgica do Corpo de Deus

Jesus Cristo caminha connosco e reparte o Pão!

 

A Igreja celebra, hoje, a solenidade do Corpo de Deus, em consonância com o sentido litúrgico de Quinta-feira Santa e convidando os seus filhos e filhas a aprofundar, a celebrar e a adorar o inefável mistério do Amor de Deus, a Santíssima Eucaristia. Em comunhão eclesial e com o salmista, louvamos e adoramos o nosso Deus, pelo admirável Sacramento da Caridade: “Como agradecerei ao Senhor tudo quanto Ele me deu”?

Portugal celebra esta solenidade de Adoração Eucarística desde o séc. XIII, no reinado de D. Afonso III. É-nos grato recordar, neste tempo de preparação dos 500 Anos da Criação da Diocese do Funchal, que a espiritualidade eucarística sempre esteve profundamente enraizada na alma do nosso povo.

De facto, desde os primórdios da descoberta das Ilhas da Madeira e do Porto Santo, no séc. XV, a festa do Corpo de Deus e as tradicionais festas do Santíssimo Sacramento foram celebradas com grande espírito de fé e fervor religioso; e, não obstante as diversas vicissitudes históricas, perduraram até aos nossos dias, bem vivas no coração da nossa gente.

A Ceia da nova Aliança

A Liturgia da Palavra deste dia ajuda-nos a aprofundar a beleza e o assombroso mistério da Eucaristia, memorial das maravilhas do Senhor. A Eucaristia é verdadeiramente o maior tesouro da Igreja, que tem a sua origem na Fonte Trinitária do Amor.

O texto do Livro do Êxodo que escutámos é a narração da Antiga Aliança que, através de Moisés, seu mediador, Deus realizou com o Seu povo após a libertação do Egipto: “Este é o sangue da Aliança que o Senhor firmou convosco, mediante todas estas palavras” (Ex 24,8). A aspersão com o sangue dos animais sacrificados em sinal de pertença, de vida e vinculação a Deus, é não só recordação do passado, mas sobretudo memória profética, figura do grande acontecimento salvífico do Mistério Pascal de Cristo.

O relato da Carta aos Hebreus sublinha a insuficiência dos sacrifícios antigos e apresenta-nos Cristo – o Mediador perfeito de uma Nova e Eterna Aliança no Seu Sangue – como resposta de plenitude redentora. “Pelo Espírito eterno, Cristo ofereceu-Se a Deus como vítima sem mancha e purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo” (Hebr 9,13). Derramou o Seu próprio sangue, alcançou-nos uma redenção eterna.

No Evangelho de São Marcos escutámos a narração da ceia pascal judaica, na qual se inseriu a Ceia de Jesus. Os surpreendentes gestos de Cristo, novo Cordeiro Pascal, conferem àquele banquete de páscoa uma novidade absoluta: “Tomai: isto é o meu Corpo. Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos beberam dele. Este é o meu Sangue, o Sangue da nova Aliança, derramado pela multidão dos homens” (Mc 14,22-23).

No Corpo entregue e no Sangue derramado, Ele próprio, sacerdote e vítima, sela um pacto, não apenas com o povo de Israel, mas com a Humanidade de todos os tempos. Cristo assumiu o mistério da iniquidade da Humanidade e entregou-Se incondicionalmente ao Pai, oferecendo-nos a plenitude da vida eterna.

Fonte de vida e de unidade

O Sacramento da Eucaristia projeta uma intensa luz sobre a vida de cada cristão, sobre a Igreja e sobre o mundo, e relança-nos num renovado dinamismo eclesial e missionário. Manancial de Vida e de Graça, é fonte perene de Água Viva a jorrar para a vida eterna (cf. Jo 4,10).

 

Cristo convoca-nos, como filhos e filhas muito amados do Pai, para o Banquete da Nova e eterna Aliança no Seu Sangue, une a comunidade dos crentes e impele-a para uma autêntica evangelização dos povos e das culturas. A Eucaristia ilumina uma verdadeira eclesiologia, aponta para o verdadeiro sentido da vida em Igreja e uma espiritualidade de comunhão, nas suas mais profundas implicações sociais e éticas.

Numa sociedade de pressas e cultura do imediato, urge ter consciência da presença de Cristo Ressuscitado. Ele caminha connosco, como outrora em Emaús, e conhece o pó da nossa estrada. Com a força da Palavra cura as nossas feridas, desilusões e medos, e aviva a nossa fé; abre-nos os olhos ao partir do pão da unidade e convida-nos a vencer dificuldades, individualismos e egoísmos; aponta-nos um futuro de Esperança na construção da paz e da justiça e oferece um novo sentido para a vida; abre caminhos de reconciliação e comunhão fraterna entre todos.

Mistério celebrado e adorado

A Eucaristia é o mistério de Cristo vivo e presente no meio de nós. “A adoração eucarística é o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja” (Bento XVI, Sacramento da Caridade, 66).

O Santo Padre pede “que se iniciem as crianças no sentido e na beleza de se demorarem na companhia de Jesus, cultivando o enlevo pela sua presença na Eucaristia” (SC, 67). As primeiras comunhões das nossas crianças não podem reduzir-se a um ato social; devem ser uma experiência de fé e de amor, no encontro pessoal com Jesus Eucaristia.

Quase a finalizar o Ano do Pai, na nossa Diocese, lembramos que o Sacramento do Altar é dom do Pai para a Vida do mundo: “Meu Pai é que vos dá o verdadeiro Pão que vem do Céu” (Jo 6,32). Na Eucaristia somos introduzidos, pelo Espírito Santo, na “hora” de Jesus, na fonte do Amor da Santíssima Trindade. Participamos na Sua intimidade divina e infinita ação de graças pela criação, redenção e santificação do mundo. “A Igreja acolhe, celebra e adora este dom, com fiel obediência. O mistério da fé é mistério de amor trinitário, no qual por graça somos chamados a participar” (SC,8).

Ilhas do Santíssimo Sacramento

Na continuidade da dinâmica trinitária iniciada rumo aos 500 Anos da criação da Diocese, o próximo ano pastoral será dedicado ao Filho, com o tema “Jesus Cristo caminha connosco e reparte o Pão”. Graças a Deus, a multissecular história religiosa e cultural da Madeira e Porto Santo (as “Ilhas do Santíssimo Sacramento”), está marcada pelo rico património espiritual, evangélico e franciscano, que privilegia um grande amor ao Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor.

À comunidade diocesana, recordo o dever e a necessidade de um maior empenho em celebrar, reavivar e viver uma autêntica espiritualidade eucarística. Neste sentido, e de acordo com o Programa Diocesano de Pastoral 2012/2013, desde já vos anuncio que, após a realização de múltiplas atividades paroquiais e arciprestais, teremos no final do ano pastoral uma grande Assembleia Diocesana, dando particular solenidade à Festa do Corpo de Deus, precedida de um Simpósio ou Congresso Eucarístico. Será um momento marcante, assim o desejamos, na caminhada das comemorações dos 500 anos da Diocese.

É, pois, a Eucaristia que nos relança no dinamismo da Caridade Divina e se traduz em gestos, sempre renovados e inovadores, de solidariedade, unidade e comunhão fraterna. É esta proximidade de Deus, que Se faz Pão vivo descido do céu, que atrai os corações simples e abertos, os pobres e os mais frágeis, aqueles que, afinal, sentem necessidade de perdão, de reconciliação e de graça, sentem a necessidade da Salvação.

Como disse João Paulo II: “A Eucaristia é uma grande escola de paz, onde se formam homens e mulheres que, a vários níveis de responsabilidade na vida social, cultural e política, são instrumentos de paz, de diálogo e de comunhão” (Mane nobiscum Domine, 27). A Eucaristia implica sempre um compromisso social de fraternidade, porque é exigência de comunhão com os outros.

Congresso Eucarístico Internacional

Na feliz coincidência dos 50 anos do início do Concílio Vaticano II, a Igreja celebra, de 10 a 17 deste mês de Junho, em Dublin, na Irlanda, o 50º Congresso Eucarístico Internacional, com o tema “A Eucaristia: comunhão com Cristo e entre nós”. Tempo privilegiado de graça e de bênção de Deus para toda a Igreja e para o mundo.

 No contexto histórico do mundo atual, permeado de luz e sombras, mergulhado numa profunda crise de verdade e humildade, o Congresso Eucarístico recorda-nos a urgência de viver em comunhão e na unidade: “Esta é, sem dúvida, uma ocasião providencial para nos reunirmos em comunhão com Cristo e entre nós. Na Eucaristia nós descobrimos o código genético da comunhão que é o coração da identidade cristã”.

Bento XVI, na Carta aos Católicos da Irlanda, lembrou ainda a necessidade de “refletir sobre as feridas infligidas no Corpo de Cristo, sobre os remédios por vezes dolorosos, mas necessários para as tratar e curar e sobre a necessidade de unidade, de caridade e de ajuda recíproca no longo processo de renovação eclesial”.

A Eucaristia é verdadeira Fonte de Vida e de Unidade, de comunhão transformadora e de solidariedade, abraça toda a caminhada existencial. “A Eucaristia é como o coração pulsante que dá vida a todo o corpo místico da Igreja” (Bento XVI, Homilia do Corpo de Deus, 2011).

Cristo vivo nas ruas da cidade

Após esta celebração eucarística teremos a tradicional procissão do “Corpo de Deus”, pelas ruas da nossa cidade, ornamentadas com belos tapetes de flores. É Cristo vivo que vai passar! Esta bela tradição eucarística, vivida com fé e amor na presença real de Jesus na Eucaristia, bem nos faz recordar as caminhadas de Jesus, quando, outrora, percorria os caminhos da Palestina, acolhendo todos os que O procuravam, privilegiando as crianças, os pobres e os doentes, “porque saía d’Ele uma força que a todos curava” (Lc 6,19).

Que Jesus, ao percorrer as nossas ruas e colocar o Seu olhar sobre aqueles que encontra nestes caminhos ou Lhe dirigem uma prece do silêncio das suas casas ou do sofrimento dos seus corações, a todos conforte na coragem da fé e na alegria da esperança!

Com Maria, Mulher Eucarística

E que a Virgem Maria, Senhora do Santíssimo Sacramento, nos ensine a viver, em cada dia, uma verdadeira cultura eucarística. A ela dirigimos a nossa prece:

Ó Maria, Mulher Eucarística, ensina-nos a participar na Ceia do Senhor, gravando no nosso coração a imensidade do amor de Jesus e as exigências do amor fraterno, que se há-de expressar em gestos concretos de partilha do nosso tempo e da nossa vida, na ajuda aos que mais precisam. Ensina-nos a ser pão partido e repartido, na construção da nova Civilização do Amor.

 

Funchal, 7 de Junho de 2012

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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