Olhar em frente, construir um futuro solidário!
Irmãos e Amigos
Está ainda muito vivo, nas nossas memórias e nos nossos corações, o cenário de destruição e sofrimento, causado pelo trágico temporal, que assolou a Madeira, no dia 20 deste mês de Fevereiro.
Visitando as zonas mais afectadas, observando a força das imagens televisivas e fotos publicadas, e contactando com a população nalguns lugares, junto das suas casas e dos seus negócios ou nos espaços destinados aos desalojados, eu pude conhecer bem de perto a história e a situação de muita gente: vidas destroçadas pela morte e desaparecimento de entes queridos; sonhos e projectos de longos anos subitamente desaparecidos; perda de grande parte ou da totalidade dos seus bens, como as próprias habitações e as fontes ou garantias do sustento quotidiano; destruição da beleza e encanto de tantos espaços comuns de convivência e lazer da nossa cidade e da nossa Região.
No quadro desta catástrofe, cada pessoa tem a sua história própria e única: momentos de perplexidade e angústia, sem saber o que fazer nem como fazer; a alegria de ajudar alguém a salvar-se ou de sentir-se ajudado e liberto de algum perigo; a fé e a esperança, expressas na oração, em súplica confiante a Deus, por intercessão da Virgem Nossa Senhora ou de algum santo da devoção pessoal. Enfim, tantos casos e tantos testemunhos, que emocionam, suscitam compaixão e desejo de ajudar, edificantes pela coragem e pelo espírito de caridade, que manifestam. A par da natural angústia e possível desespero momentâneo, perante situações de verdadeira impotência humana, surgem gestos e atitudes de profundo humanismo e sentido cristão.
Comunhão e solidariedade
Uma onda extraordinária de comunhão e solidariedade se gerou e desenvolveu, a nível regional, nacional e internacional. Chegaram mensagens de conforto, donativos, disponibilidades para trabalho voluntário de apoio aos desalojados e outros serviços de maior necessidade e urgência. Cresceu o espírito de cooperação entre as instituições públicas e privadas, reconhecendo-se as suas finalidades e capacidades próprias e aceitando uma participação coordenada, tão importante na forma como se processaram os apoios às pessoas e famílias e o árduo trabalho de limpeza e remoção dos destroços. Uma experiência forte que bem pode gerar um novo espírito de comunhão e participação, sempre tão necessário.
No âmbito das instituições da Igreja, não posso deixar de reconhecer e agradecer as mensagens e apoios recebidos dos Bispos Portugueses, através do Presidente da Conferência Episcopal e individualmente; da Cáritas Nacional e das Cáritas de algumas Dioceses; mensagens de Bispos estrangeiros e comunidades de emigrantes madeirenses da África do Sul, Venezuela, Califórnia, Londres, etc.; e de um modo particular a Mensagem do Papa Bento XVI, com palavras de conforto e a sua paternal Bênção Apostólica para todo o nosso povo.
Ainda neste âmbito eclesial, não posso, também, deixar de agradecer a generosa dedicação e os serviços prestados pelos nossos sacerdotes e comunidades paroquiais, numa relação de ajuda fraterna com os carenciados da sua proximidade, e de modo especial a intervenção tão importante, em diversas frentes, da Cáritas Diocesana do Funchal e suas equipas, dos Escuteiros, de diversos Centros Sociais Paroquiais e de algumas Congregações religiosas, nomeadamente dos Irmãos de S. João de Deus e das Irmãs Hospitaleiras, no Funchal, e das Irmãs da Apresentação de Maria, na Ribeira Brava.
O caminho da Páscoa
Coloca-se aqui a questão da fé e da providência divina, perante as dificuldades da vida e situações de maior sofrimento. Nestes momentos, quem não desejaria a intervenção miraculosa de Deus, como resposta directa aos problemas pessoais e sociais? O milagre é possível, mas constitui sempre algo de extraordinário e aponta, como sinal, para uma mensagem de salvação. Normalmente, Deus respeita as leis da natureza, que Ele próprio estabeleceu, e com elas ofereceu ao Homem, na sua liberdade responsável, as imensas possibilidades do desenvolvimento da Ciência e da Técnica.
A fé coloca-nos no seguimento de Jesus, na escuta da Sua Palavra e no ideal de vida que Ele testemunhou. É este, afinal, o ensinamento do santo tempo da Quaresma, que estamos a viver, em toda a Igreja: convidados a uma atitude de profunda conversão a Deus e ao próximo, caminhamos para a grande celebração do mistério pascal de Jesus, que é sofrimento, paixão, morte e ressurreição! Como nos adverte o Concílio Vaticano II, Jesus podia ter cumprido plenamente a Sua missão de outro modo, sem a cruz fê-lo assim para tocar o sofrimento e a morte, aquilo que é mais difícil aceitar e assumir na vida do Homem, dando-lhe, porém, um sentido de vida e de esperança, na perspectiva da Sua gloriosa Ressurreição!
As leituras proclamadas na liturgia deste 2º Domingo da Quaresma (Ano C) apontam-nos esta mensagem, este caminho de vida. Na transfiguração de Jesus, no Monte Tabor, “alterou-se o aspecto do Seu rosto e as Suas vestes ficaram de uma brancura refulgente” (Lc 9, 28b-29), preparando os discípulos para o mistério da Sua morte na Cruz, pois, como refere S. Lucas, “Pedro e os companheiros viram a glória de Jesus” (Lc 9, 32). E S. Paulo, na segunda leitura, escrevendo aos Filipenses, diz-nos também a nós que “a nossa pátria está nos Céus” (3,20) e, por isso, em todas as circunstâncias, “permanecei firmes no Senhor” (4,1).
A fé vivida, assim, no seguimento de Cristo, supera o desespero e a revolta, e leva-nos a assumir a vida toda em referência a Ele: as alegrias e as tristezas, as facilidades e as dificuldades, o sofrimento e a própria morte. A fé será sempre uma força interior, a força de Deus em nós, que nos ajuda a aceitar e oferecer a vida tal como ela se nos apresenta. Da fé brota a esperança e a exigência do amor-caridade, o mandamento novo que Jesus nos deixou: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 13,34), isto é, dando a vida uns pelos outros.
Grande o sofrimento, maior a esperança
Irmãos e amigos, considerando as razões que aqui nos congregaram nesta tarde, eu quero dizer-vos: se é grande o sofrimento do nosso povo, seja maior a força da nossa esperança! Rezamos por aqueles que faleceram e pelos seus familiares; pedimos, também, a Deus o ânimo e a coragem para todos quantos, com determinação, se empenham na reconstrução das suas vidas e na restituição, às zonas mais afectadas da nossa Ilha, da sua reconhecida e tão apreciada beleza.
É hora de olhar em frente e reconstruir o futuro; é hora de conservar e desenvolver o espírito de solidariedade, atenção mútua, união e entreajuda fraterna, para que perdurem e não esmoreçam os sentimentos e valores, agora aflorados e estimulados. É hora de reavivar, aprofundar e esclarecer a fé cristã, tão profundamente arreigada na alma e na cultura do nosso povo madeirense, sentindo que não caminhamos sós, pois estamos seguros da presença de Jesus e da protecção maternal de Maria, de tão grande devoção entre nós.
Como se dizia na primeira leitura (cf. Ap 21, 1-5), Deus veio habitar com os homens: Ele enxugará as lágrimas do Seu povo, vem renovar todas as coisas e, por isso, possamos também nós antever, como S. João, “um novo céu e uma nova terra” (21,1), que juntos, com Cristo, queremos construir!
Sinais de consolação e de esperança
Diante de nós temos o crucifixo e a imagem da Imaculada Conceição, resgatados do meio do lamaçal, que ficou a ocupar o espaço da conhecida Capela das Babosas, construída em 1906, para comemorar os 50 anos do Dogma da Imaculada Conceição. Encontrados quase intactos, naquele contexto de destruição e total desaparecimento da Capela, bem se podem considerar verdadeiros sinais de consolação e de esperança para o nosso povo, já interpretados por muita gente como apelos à reconstrução da Capela e, mais ainda, à vivência da presente situação das nossas vidas, associando-nos ao sofrimento de Cristo por todos os homens e contando com a protecção da Mãe Imaculada, que, afinal, também naquela sua imagem ficou com os seus filhos.
Estas duas peças, estes dois símbolos, já estão e ficarão, entretanto, na igreja da Senhora do Monte, dedicada àquela que, no aluvião de 1803, foi escolhida como Padroeira da Cidade e da Diocese do Funchal, em reconhecimento do seu patrocínio, que todos os anos se celebra, em festa própria, no dia 9 de Outubro. Também uma pequena imagem da Senhora do Monte está aqui colocada no canto do altar e a ela dirigimos a nossa prece:
Senhora do Monte, nossa Padroeira, olhai para esta Cidade e Diocese que são Vossas; abençoai e protegei todas as famílias, as crianças e os jovens, os idosos, os doentes, os pobres e todos quantos mais precisam da Vossa ajuda; que não nos falte a saúde, a paz e a concórdia, o trabalho e a prosperidade, o ânimo, a coragem e a alegria da fé e da esperança, para o presente e o futuro da nossa vida de cada dia. Assim seja!
Funchal, 28 de Fevereiro de 2010
† António Carrilho, Bispo do Funchal