Homilia do Bispo de Vila Real na missa do Dia de Natal

A liturgia deste dia solene apresenta-nos o nascimento de Jesus como o momento em que Deus falou. Jesus é o Verbo cuja encarnação marca toda a história: estava no princípio com Deus e virá no fim assumir o senhorio de todas as coisas. No acontecimento do Natal Deus falou e de maneira eloquente, através do dom do Seu filho ao mundo. Ao tempo das palavras sucedeu o momento em que a Palavra se fez carne.

Nesta celebração de Natal importa pôr-se à escuta para tentar compreender o sentido deste dizer divino. Em primeiro lugar, se Deus assumiu a carne humana significa que é através dela que havemos de encontrar o caminho da salvação. O Natal é a afirmação da bondade e da dignidade da vida, a demonstração de que o cristianismo, desde a sua raiz é uma fé incarnada. Por isso há de ser vivido mergulhando mais profundamente no mistério da vida, comprometendo-se com o humano, tal como se revela em Cristo e não alienando-se, fugindo ou maldizendo a vida. Nesse sentido é muito enriquecedora a contemplação daquela vida frágil de um recém-nascido deitado numa manjedoura. É o ícone da vida humana com a marca da fragilidade e da dependência.

A pandemia confrontou-nos com os limites da vida, com a sua fragilidade. Sentimos que precisamos uns dos outros, estamos dependentes dos outros não só quando nascemos, quando adoecemos, mas em tantas outras situações. Por isso é também ocasião para valorizar todos os que se dedicam a cuidar dos mais vulneráveis, como fizeram Maria e São José com o menino. Esta experiência dura que estamos a viver desafia a nossa fé para que não passe ao lado da vida. Pelo contrário é na fé em Jesus Cristo, feito homem que havemos de encontrar a esperança, o ânimo e a fortaleza para continuar a caminhar no meio das adversidades. A fé recorda-nos que a partir da encarnação, o Filho de Deus entrou na aventura humana, aprendeu o que é rir e chorar, o que significa o sofrimento e a alegria, o que é a solidão e o calor da amizade.

O presépio é um hino à vida, ao que ela tem de mais simples, belo, vulnerável e grandioso. Celebrar o Natal é celebrar a vida, a vida divina que se faz vida humana e por isso eleva-a a uma dignidade sagrada. Nunca é demais pensar nisto porque há sinais preocupantes de erosão no reconhecimento deste princípio matricial da religião e da civilização.

O Verbo de Deus, Jesus Cristo, fez-se carne e habitou entre nós. No seu rosto resplandecia a glória de Deus, aquele Deus que até então era invisível aos nossos olhos. Deus mostrou-se, falou pelo rosto do seu Filho, primeiro no rosto infantil de criança e depois no rosto de bondade e misericórdia do profeta da Galileia, no rosto ensanguentado do crucificado e no rosto glorioso do ressuscitado. E Deus continua a falar hoje pelo rosto dos irmãos. Por detrás de uma máscara há olhares que indiciam os rostos de solidão dos mais idosos, os rostos de ansiedade dos mais jovens e os rostos de preocupação e cansaço dos mais velhos.

Mas neste dia de Natal, contemplando o rosto do menino Jesus deixemo-nos inundar pela luz, pela força e pela verdade que dele irradiam. A mensagem de esperança que podemos aprender no presépio enche o nosso rosto de uma confiança que não é vazia ou ilusória porque alicerçada na certeza de que Ele nasceu como o Emanuel, o Deus-connosco.

Neste Natal ousemos escutar a Deus que falou e fala, ousemos acolher o Filho que Ele enviou para salvar a humanidade. Para os que capazes desta vivência autêntica e espiritual do Natal, para os que O recebem e acreditam, Deus, segundo o evangelho, «deu-lhe o poder de se tornarem filhos de Deus». No Natal podemos, também nós, nascer ou renascer de Deus, um nascimento que supera o da carne e do sangue. Um nascimento que estabelece novos laços não só com Deus, nosso Pai, mas também com todos os outros de quem nos tornamos irmãos. Após um período de algum confinamento que em muitos casos pareceu quase uma hibernação, a mensagem do Natal é um convite a renascermos, a renovarmos

a nossa consciência de filhos amados de Deus e a refazer o sonho de uma verdadeira fraternidade humana. Na sua bela e profética Encíclica – Fratelli Tutti – o Papa Francisco apelou a que não desistamos deste sonho. O Natal em que acolhemos o Filho de Deus que quis ser nosso irmão, é um sinal de que Deus comunga do nosso sonho de uma humanidade mais fraterna. Mas o Papa alerta para os riscos de alguns retrocessos, para os sinais de egoísmos de pessoas e povos, para as lógicas que encaram o outro como o adversário ou o inimigo. À volta do presépio sentimo-nos mais irmãos e mais próximos.

A pandemia lançou uma grande sombra nos nossos corações, abalou tantas vidas e projetos, mas veio evidenciar também muitas ilusões e equívocos em que andávamos enredados. O Natal vem trazer luz e esperança aos nossos corações e iluminar as nossas mentes para olharmos a vida real de outra forma. Deixemos que o espírito natalício continue a inspirar-nos a encarar a vida como dom e bênção de Deus, a perceber melhor que estamos ligados uns aos outros pela pertença à mesma família humana que habita a mesma casa comum. Apesar da prevalência cada vez maior do mundo virtual, não percamos o sabor do real, o valor da relação humana e próxima. Empenhemo-nos em valorizar a família que não pode ficar na uma nostalgia sentimental de uma quadra festiva, mas é um projeto a construir em cada casa, a valorizar e respeitar em cada sociedade.

No Natal, Deus falou por seu Filho que assumiu um corpo, mostrou o rosto, revelou a sua paixão pela vida. Acolhendo-o na fé, saibamos escutá-Lo e renascer como irmãos que são capazes de construir uma humanidade mais iluminada por esta luz que veio do céu habitar na nossa terra.

Vila Real, 25 de dezembro de 2020

D. António Augusto de Oliveira Azevedo

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