D. José Traquina
Com esta Missa da Ceia do Senhor, damos início ao Tríduo Pascal. Três dias para viver com especial densidade espiritual, em união com Cristo e uns com os outros, acolhendo o dom que Jesus faz de si mesmo ao Pai e a nós.
Como escutámos do Livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14), a Páscoa que Deus instituiu para comemorar a libertação do Egito, deveria acontecer em família e a referência para todos é um cordeiro. Cordeiro oferecido, sangue que havia de marcar as portas dos hebreus e alimento pascal para a família reunida.
O povo hebreu manteve essa ceia pascal como uma ação de graças pela força libertadora de Deus e ao mesmo tempo como uma celebração de esperança. Na medida em que houvesse fidelidade à celebração da Páscoa, haveria esperança de que o povo não seria mais escravizado. Foi esta a tradição familiar que Jesus conheceu.
Hoje é o dia da última Ceia. O que aconteceu? Na noite que precede a sua paixão, Jesus celebra a sua Páscoa com os seus discípulos, a sua nova família. Porém, como defende o Papa Bento XVI, não terá havido nenhum cordeiro. Jesus terá seguido a tradição da sobriedade da comunidade dos monges judeus das grutas de Qumram que celebravam a Páscoa sem o cordeiro. Serve esta interpretação para se acolher Jesus como o Cordeiro de Deus, o Cordeiro que Deus aceita em nome de todos e para a todos purificar. É este o sentido da célebre apresentação feita por S. João Batista quando certo dia apresentou Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).
Na sua última ceia, reunido no cenáculo com os seus apóstolos, na véspera da sua morte na cruz, Jesus conclui toda uma vida entregue por amor, oferecida ao Pai e a todos: doentes, pobres, estrangeiros, crianças, pecadores e também aos seus discípulos que o acompanham. Sintamo-nos hoje nessa intimidade do grupo dos doze discípulos-apóstolos reunidos com Jesus para a sua ceia. Jesus antecipa para a celebração da ceia, a sua entrega na cruz que vai acontecer no dia seguinte.
Com o pão e o vinho, Jesus dá graças, bendisse o Pai e entrega aos seus discípulos: “isto é o meu corpo entregue por vós”, “isto é o meu sangue derramado por vós”. Deste modo, Jesus conclui a sua história neste mundo fazendo uma entrega de si mesmo, consagrando o compromisso, a nova Aliança, de que não abandonará os seus discípulos e conta com eles nesta entrega celebrada pela vida do mundo. E neste sentido institui o ministério sacerdotal que lhes é confiado: “Fazei isto em memória de Mim”.
Como recorda São Paulo à comunidade dos Coríntios (1Cor 11,23-26): é com o pão e com o vinho que Jesus assegura o Memorial da sua entrega ao Pai e da sua presença continuada junto dos seus discípulos. Deveriam fazê-lo até que Ele volte. Isto é, a Eucaristia é Memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor na esperança da sua vinda.
O apóstolo São João (Jo 13,1-15) deixou-nos o registo do Lava-pés no contexto da última ceia: “sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. E para ilustrar o significado da sua entrega, Jesus lava os pés aos seus apóstolos, fazendo cair por terra a falsa ilusão do ‘poder’ messiânico; estamos perante um Messias que se faz servo de todos. É a lógica invertida da organização da sociedade.
A recusa do apóstolo Pedro e a resposta de Jesus deixa-nos outro ensinamento: o lava-pés, naquele contexto, quer dizer que para participar na mesa de Jesus é necessário ter os pés lavados, é necessária a purificação do amor de Jesus que nos restabelece na verdadeira comunhão. Portanto, lavar os pés uns aos outros não é apenas uma indicação de um dever comunitário, é a capacidade de estar ao serviço do amor que perdoa, purifica e reconcilia.
A celebração da Missa da Ceia do Senhor, introduz-nos no mistério do coração de Cristo. Denunciando injustiças, ódios, escravaturas e opções de violência, a Eucaristia é o sacramento do Amor que fraterniza e salva a humanidade, tornando-se o centro e o ponto alto da vida da Igreja e o seu verdadeiro tesouro espiritual.
Hoje é dia também para manifestarmos gratidão a Deus pelos nossos padres, ministros do perdão e da Eucaristia. Aqueles que marcaram as nossas vidas e aqueles que estão ao serviço, especialmente os da nossa Diocese; Deus lhe conceda a alegria pelo bem que promovem e podem promover no exercício do seu ministério sacerdotal.
+ José Traquina