Irmãos e irmãs,
Com os devidos cuidados, é bom podermos celebrar o Natal do Senhor, promovendo o grande sacramento da fé onde se renova o encontro com Cristo. A impossibilidade que tivemos de celebrar a Páscoa, mostrou-nos quanta falta nos fazem estes sinais que significam e realizam a própria presença de Deus.
Para esta Missa converge a mensagem das outras celebrações do Dia de Natal. Em todas, a Palavra de Deus é proclamada e escutada e o seu efeito é de iluminação da vida, de ajuda para se viver como cristãos nos diversos âmbitos a que pertencem: família, comunidade e sociedade.
A primeira Leitura, do Livro de Isaías, salienta a importância da Palavra profética que animou o povo enquanto esteve prisioneiro na Babilónia. Um povo cansado de esperar por libertação, cansado de exploração e de promessas que não se cumpriam. Na palavra apresentada por Isaías, fica anunciado, a solução acontecerá por intervenção direta de Deus. O profeta usa uma linguagem poética para exortar à alegria e à esperança, afirmando que a força libertadora de Deus se revelará a todas as nações. Mais ainda, a intervenção de Deus dará lugar a um novo reino em Jerusalém.
O povo foi liberto da Babilónia, mas a palavra de Isaías teve um alcance que transcende o seu tempo. A anunciada intervenção direta de Deus, vai ter a sua concretização com a pessoa de Jesus; é n’Ele que Deus revelará a sua força “à vista de todas as nações”, como anunciara Isaías e como cantámos no refrão do salmo responsorial, “Todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus”.
O texto do Evangelho que escutámos (Jo 1,1-18) é o prólogo do Evangelho de São João que, no seu começo e não por acaso, tem paralelo com o começo da Bíblia: “No princípio Deus criou os céus e a terra”; “No princípio era o Verbo e o verbo estava com Deus”. São João apresenta Jesus, afirmando que Ele já existia antes da sua encarnação no seio de Maria. Ele é o Verbo de Deus, a Palavra por excelência com a qual Deus criou o mundo. Ele é Deus com o Pai. É a Luz e a vida dos homens.
Diante do Menino do presépio, podemos lembrar com proveito a passagem do Evangelho de São João: “E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós”.
Também o autor da Carta aos hebreus afirma: “ Deus, que muitas vezes e de muitos modos falara antigamente aos nossos pais pelos Profetas, nestes tempos que são os últimos, falou-nos por seu Filho pelo o qual também criou o mundo”.
Jesus é assim apresentado como a presença humana de Deus, o Emanuel, o Deus connosco. Com efeito, Jesus vai assumir a dimensão profética como comunicação de Deus pela palavra no meio dos homens. E o que nos revela Jesus? Revela-nos que Deus é Amor. “Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito” (Jo 3, 16).
Irmãos e irmãs
O Menino Jesus do presépio, é o Senhor, é Cristo é a Palavra e a Luz de Deus. Sem esta Luz, o homem fica circunscrito sem o horizonte da Fé. Jesus Cristo, verdadeiramente homem e Deus com o Pai, dá início a uma nova criação e passa a ser a estatura de referência para a nossa dimensão humana. Jesus sabia que o ser humano é capaz de descer ao nível da irracionalidade animal mas também é capaz de se elevar a posturas nobres e edificantes.
O que justifica o Mistério da Encarnação, a vinda do Verbo de Deus a este mundo, é a pessoa humana. Este tempo de pandemia, pela negativa, veio recolocar a questão da hierarquia dos valores, tendo vindo ao de cima a vida humana como o valor superior a defender, com prejuízo do direito à liberdade de movimentos.
A razão de ser da missão da Igreja, continua a ser a pessoa humana. Conforme a Palavra bíblica, o homem e a mulher são a imagem e a semelhança de Deus; é este o desafio que envolve toda a pastoral da Igreja e justifica todas as instituições humanas. Em sentido contrário, os problemas sociais que existem no mundo, leva à evidência que existem muitas forças de atuação no terreno que não têm a pessoa humana como o centro do seu interesse e atuação.
Foi o Filho de Deus que ao encarnar no seio da Virgem Maria, fez a afirmação mais radical de valorização da pessoa humana. Continua a ser necessário celebrar o Natal e gritar bem alto a força libertadora do Evangelho, porque continuam a existir dinamismos organizados de exploração e tráfico humano que envergonham a humanidade.
Celebrar o Natal compromete-nos no projeto do Reino, de justiça, de paz e de felicidade, referido na proclamação das Bem-aventuranças. Contemplando o Jesus do presépio, supliquemos-lhe que nos conceda a graça de um coração semelhante ao d’Ele e nos conceda a sua Bênção de consolação e de paz, extensiva a todos os que estão a trabalhar nos cuidados de saúde com os doentes e com os idosos.
Em Belém, nada aconteceu sem a presença e cooperação da Virgem Maria. Também hoje Ela coopera e acompanha a Igreja, intercedendo por nós na missão das nossas vidas.
Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!
Catedral de Santarém, 25 de dezembro de 2020
D. José Traquina