Servidores da Caridade
Cantarei eternamente a bondade do Senhor
A liturgia da Missa Crismal encerra uma beleza espiritual própria com a bênção dos Santos Óleos e com a memória peculiar do sacerdócio ministerial. Toda esta liturgia é um cântico à bondade do Senhor que perfuma a Igreja com a unção do Seu Espírito de Amor e faz dela a Igreja da caridade na diversidade de dons e serviços.
Cantarei eternamente a bondade do Senhor: é o canto de comovida gratidão pelo dom inestimável do sacerdócio ministerial, que elevamos a Cristo a quem nós padres queremos renovar o nosso propósito de fidelidade.
Cantarei eternamente a bondade do Senhor: é o canto de ação de graças particularmente entoado pelos sacerdotes que este ano celebram o jubileu dos 50 anos de ordenação a quem nos unimos com a nossa oração e as nossas felicitações.
Nesta grande expressão de louvor e ação de graças recordamos e incluímos os colegas que desde o ano passado partiram para a casa eterna do Pai e todos os outros que por diversos motivos não podem estar aqui presentes.
Cantarei eternamente a bondade do Senhor: este refrão do salmo recorda-nos a nossa vocação sacerdotal. Recorda-nos que somos, de modo especial, ministros da bondade, da misericórdia do Senhor.
Nesta perspetiva queremos considerar a nossa missão de servidores e ministros da caridade – segundo o tema do ano pastoral – à luz da missão de Cristo.
No Coração de Cristo, a fonte da Caridade
A Palavra de Deus proclamada apresenta-nos o Evangelho da Caridade na beleza comovente e simbólica de um septenário de ações concretas que em Isaías caracterizam a missão do Messias e no Evangelho de Lucas sintetizam o programa do reino de Deus que Jesus inaugura na história: anunciar a boa nova aos infelizes, curar os corações atribulados, proclamar a libertação aos prisioneiros do mal, consolar os aflitos, etc.
Jesus é o Enviado que entra no âmago da dor dos homens e lhes leva o amor apaixonado do Pai. No centro deste anúncio está a proclamação do Ano da Graça, da Misericórdia de que Jesus é o rosto visível. É essa riqueza de misericórdia que enche o coração de Jesus e o leva a percorrer todos os caminhos e formas da caridade desde a Palavra aos gestos até à paixão, morte e ressurreição. Que é a caridade senão a expressão incarnada do amor terno, misericordioso e libertador de Deus que quer a salvação do homem todo?
O ministério do presbítero como presidência da caridade
Este amor de Deus é constitutivo e construtivo da Igreja. Esta nasce e vive da caridade: recebe-a e anuncia-a, celebra-a e testemunha-a. Na Igreja, o presbítero é pois aquele que “exerce a presidência da caridade”, segundo a belíssima expressão de Santo Inácio de Antioquia, tal como preside ao anúncio da Palavra e à celebração da Liturgia.
O que significa presidir à caridade? Antes de mais, significa que o bispo e o padre, com o seu ministério e com toda a sua vida, ajudam o povo sacerdotal dos crentes a acolher o primado da caridade de Jesus que é a fonte, a medida e a norma da caridade da Igreja.
A presidência do presbítero é testemunho e sinal da presidência que Jesus exerce com todo o seu amor na Igreja e em toda a humanidade e que exemplifica no lava-pés aos discípulos, para que as comunidades cristãs se revistam da beleza da caridade de Cristo e a irradiem no mundo.
A partir daqui podemos tirar algumas aplicações práticas ao ministério pastoral e à vida de santidade do padre.
A caridade e o ministério pastoral: implicações e aplicações práticas
Neste aspeto convido os presbíteros a meditar a última parte da Carta Pastoral.
Não será difícil encontrar aí as tarefas concretas no âmbito da ampla renovação que a caridade pede a toda a comunidade cristã. Aqui limito-me a algumas sugestões.
a) O nosso ministério deve, antes de mais, criar em nós e nos nossos irmãos uma firme convicção sobre o valor configurador e unificante da caridade. Dedicar-se ao tema da caridade não significa acrescentar mais algumas iniciativas a um setor específico da vida paroquial. A caridade é o princípio dinamizador de tudo e tem que configurar a forma, o ambiente e o estilo da vida comunitária. Compete a nós padres criar as condições espirituais para que as nossas comunidades percebam o valor central da caridade, toda a sua riqueza, beleza e alcance. O primeiro testemunho duma comunidade cristã deverá ser a fraternidade evangélica que se vive dentro de si mesma.
b) A convicção interior do valor central da caridade tem o seu reflexo exterior numa real renovação de todas as iniciativas pastorais da comunidade para que exprimam a raiz da caridade que lhes dá unidade, verdade, fervor e entusiasmo.
Da pregação à catequese, da liturgia ao uso dos bens comunitários, das prioridades pastorais ao cultivo das vocações para o serviço eclesial e social, a comunidade deve confrontar-se com esta pergunta elementar: como é que um determinado aspeto consegue exprimir, da forma mais luminosa possível, a caridade de Jesus para os homens de hoje, concretamente para os mais necessitados?
A animação de toda a vida comunitária segundo a forma da caridade é tarefa de todos os cristãos, mas diz respeito de modo direto ao padre como presidente – servidor da comunidade: sensibilizando a comunidade sobre a dimensão caritativa e social da vida cristã, promovendo o exercício organizado da caridade, procurando a corresponsabilidade de todos.
A caridade pastoral, alma do ministério sacerdotal
O ministério do presbítero está intimamente ligado com a vida espiritual. Que atitudes espirituais devem acompanhar o ministério da presidência da caridade? Também aqui me limito a salientar alguns pontos.
a) Em primeiro lugar, a intensa comunhão com a caridade, a doçura, a misericórdia de Jesus que deve enformar todas as nossas atividades pastorais.
De facto, o nosso modelo é a presidência da caridade de Cristo Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas. Somos chamados a ser pastores segundo o coração de Cristo, a viver a caridade pastoral como participação da própria caridade pastoral de Cristo. Neste dia sacerdotal em ordem a reavivar a graça da nossa ordenação convém relembrar o perfil desta caridade. Ela é, antes de mais, “o princípio interior, a virtude que orienta e anima a vida espiritual do presbítero, enquanto configurado a Cristo Cabeça e Pastor”. Daqui deriva o seu conteúdo essencial que “é o dom de si, o total dom de si mesmo à Igreja à imitação e como participação do dom de Cristo”(PdV 23). Assim, a caridade pastoral é amar a Igreja com o coração de Cristo Pastor. Em concreto, amar a comunidade que me foi confiada tal como é e não como eu a sonho; amar a Igreja diocesana com a disponibilidade inteira de a servir onde for preciso.
b) A caridade pastoral é a alma do ministério sacerdotal: leva-nos a vivê-lo como “amoris officium”, no dizer de Sto Agostinho, e não como “funcionários de Deus”.
Isto vale sobretudo no contacto mais direto com as pessoas, que “é o alfa e o ómega da caridade pastoral”(W. Kasper). Não há nada que o substitua; nem se limita às horas de atendimento no cartório. Eis um texto ilustrativo de João Paulo II: “O presbítero que queira conformar-se ao Bom Pastor e reproduzir em si mesmo a caridade dele para com os seus irmãos deverá esmerar-se nalguns pontos que hoje têm igual ou maior importância que noutros tempos: conhecer as sua ovelhas, especialmente nos contactos, nas visitas, nas relações de amizade, nos encontros programados ou ocasionais, sempre com a finalidade e o espírito de bom pastor; acolher como Jesus a gente que se dirige a ele, estando disposto a escutar, desejoso de compreender, aberto e simples na benevolência, esforçando-se nas obras e iniciativas de ajuda aos pobres e infelizes; cultivar e praticar as ‘virtudes que com razão se apreciam no trato social, como são a bondade de coração, a sinceridade, a fortaleza de alma e a constância, a assídua preocupação da justiça, a urbanidade e outras qualidades’(PO 3), e também a paciência, a disposição a perdoar com prontidão e generosidade, a afabilidade, a socialidade, a capacidade de ser disponíveis e serviçais, sem considerar-se a si mesmo como benfeitor. É uma gama de virtudes humanas e pastorais que o perfume da caridade de Cristo pode e deve tornar realidade na conduta do presbítero (cf. PdV, 23)” (O presbítero, homem da caridade, 07.07.1993).
c) A caridade pastoral manifesta-se também no desejo de melhorar a qualidade do nosso serviço pastoral e o espírito de fraternidade, de colaboração e apoio entre os padres, na busca de novos caminhos de evangelização, na solicitude pelas vocações sacerdotais. Não resisto a citar a PdV: “Uma exigência insuprimível da caridade pastoral à própria Igreja particular e ao seu amanhã ministerial é a solicitude que o sacerdote deve ter em conta para encontrar, por assim dizer, alguém que o substitua no sacerdócio” (n. 74).
d) Para concluir, desejaria acenar brevemente à raiz e ao fruto da árvore da vida do sacerdote, a caridade pastoral.
A raiz é a Eucaristia, sacramento da caridade, “centro e raiz de toda a vida do presbítero, de modo que a alma sacerdotal se esforçará por espelhar em si mesma o que é realizado no altar do sacrifício”(PdV 23), isto é, a oferta com Cristo de toda a sua pessoa e existência ao serviço dos irmãos. De outro modo, a obediência decairá em trabalho forçado, a castidade reduzir-se-à a afetividade inibida ou congelada e a pobreza tornar-se-à privação frustrante.
O fruto a colher na árvore da caridade pastoral será a alegria, como diz o Apóstolo: “há mais alegria em dar do que em receber”. Posso dizer com sinceridade que, nas visitas pastorais, tenho recebido de vós este testemunho: encontro padres felizes, embora por vezes cansados; outras vezes preocupados ou demasiado atarefados, mas sempre contentes em serem padres!
Não vos quero cansar mais. Deixai que o vosso bispo vos diga, hoje, em nome do Senhor, em nome dos fiéis e em nome pessoal só uma palavra: obrigado! Muito obrigado!
Que Nossa Senhora, Rainha dos Apóstolos, nos acompanhe com o seu auxílio materno e nos ajude a ser verdadeiros Pastores da Caridade! Ámen!
Catedral de Leiria, 21 de abril de 2011
D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima