Homilia do bispo de Évora na Vigília Pascal

VIGÍLIA PASCAL 2019

. Reverendíssimos Senhores Cónegos e demais Sacerdotes

. Caros Diáconos

. Estimados Seminaristas

. Meus irmãos e minhas irmãs,

. Uma saudação muito amiga, nesta noite de Vigília Pascal, para todos vós com votos de Santas Festais Pascais na alegria do Senhor Ressuscitado!

. Uma saudação muito particular à Comunidade Cristã de São Brás desta nossa cidade de Évora, que vê, nesta noite santa, a sua comunidade aumentada com estes três catecúmenos que, nesta celebração, irão receber os Sacramentos da Iniciação Cristã.

. Saúdo ainda com particular atenção os 72 irmãos das Comunidades Neocatecumenais de Évora e de Elvas que, depois de um longo caminho, irão, hoje, renovar as suas promessas batismais

 

1.Eis o grande pregão desta noite; o grande pregão que ecoa neste templo e que ressoa por toda a terra: «Não está aqui!» (Lc 24, 6). Esta é a «proto-notícia» da Ressurreição, dada pelos «proto-mensageiros» da Ressurreição. Jesus não está aqui, ou seja, não está ali, no lugar da morte. Ele agora está aqui, nesta grande, extensa e intensa liturgia. Está no Lume Novo (mais: Ele é o Lume sempre novo); está na Liturgia da Palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura; está na Liturgia Baptismal, que iremos celebrar dentro de momentos, pois quando alguém baptiza é Cristo que baptiza; está na Liturgia Eucarística, fonte e cume da vida cristã; está presente hoje, aqui, na Igreja que reza e canta, pois Ele prometeu «Onde estiverem dois ou três reunidos, em meu nome, Eu estou no meio deles».  É, por isso, que «angelus», que se traduz por anjo, significa mensageiro. Nós somos, pois, anjos da ressurreição, mensageiros contínuos e sem desfalecer da Ressurreição.

A Vigília Pascal, mãe de todas as vigílias, é também a mãe de todos os mensageiros. Como dizia São João Paulo II, «nós somos o povo da Páscoa e o Aleluia é a nossa canção». Cantamos o Aleluia com os lábios para nunca deixar de cantar o «aleluia» com a vida.

É na Páscoa que começa a vida cristã. Por isso, o Baptismo é um sacramento eminentemente pascal. E quem começa a viver em Páscoa não pode parar, tem que percorrer a vida com Cristo até ao fim, conduzindo-se pela Sua Palavra, alimentando-Se no Pão da Eucaristia e fortalecendo-se no dom do Espírito Santo, que continuamente nos unge pelo Óleo do Crisma, pelo Sacramento da Confirmação. É, assim, que a Igreja gera e alimenta filhos para Deus: a partir da entrega do Filho de Deus, como Paulo escreve à Comunidade da Galácia (cf. 4, 5). A sua função consiste em “gestar” Cristo no homem e em “maternar” cada homem no seu itinerário, por Cristo, até Deus, consumando-se na parusia: Vinde benditos de meu Pai, vós que chegais da grande tribulação e sois vencedores!

 

2.Estamos, uma vez mais, perante uma luminosa afirmação de vida. A intenção de espetar a lança, picando o corpo para testar a morte. Sucede que aquele coração estava repleto de vida: da vida que, pelo Seu Filho, Deus ofereceu à humanidade. Como recordou o Papa Pio XII foi «do coração ferido do Redentor que nasceu a Igreja». O coração sinaliza o imenso amor «que moveu o nosso Salvador a celebrar o Seu místico matrimónio com a Igreja».

Como os primeiros discípulos, nós também somos testemunhas da vitória de Cristo sobre a morte: «Deus ressuscitou Jesus, do que nós somos testemunhas», como proclama o Livros dos Atos dos Apóstolos (cf. 2, 32); «o Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes […] e nós somos testemunhas destes factos» (5, 30.32).

Temos de ser testemunhas pela palavra e, sobretudo, pela vida. Também somos testemunhos de que aquele sepulcro não estava vazio, mas cheio: cheio de sinais de vida. No sepulcro, os panos que envolveram o corpo de Jesus estavam no chão e o lenço que Ele tivera na cabeça encontrava-se cuidadosamente dobrado, noutro sítio, como nos refere São João (cf. 20, 5.7).

Para os judeus, a posição do lenço constituía uma mensagem subliminar do senhor para o seu servo. Este nunca tocava na mesa antes de o senhor ter terminado a refeição. E como é que ele saberia que o senhor terminou? Precisamente pela posição do lenço. Se o senhor colocasse o lenço amarrotado queria dizer: «Eu terminei». Mas se deixasse o lenço dobrado ao lado do prato, o servo continuava a não tocar na mesa, porque aquele lenço dobrado queria dizer: «Eu voltarei!». Jesus tinha voltado, mas não à antiga vida. Jesus voltou para entrar na nova e definitiva vida. Não houve o assalto ao corpo de um morto, mas o definitivo salto da morte para a vida. Isto significa que aquilo que se passou no túmulo não foi acção humana, mas obra divina. O túmulo foi aberto por Deus. A pedra foi removida por Deus. A morte foi vencida por Deus.

Deus desamarra Jesus de todas as amarras. É Deus que desliga Jesus de todas aquelas ligaduras. É então que se faz luz nas escuras vidas dos discípulos. Faz-se luz sobre a Ressurreição e faz-se até luz sobre a morte. A morte não eliminou Jesus, pois a Sua vida entregue nas mãos do Pai – «Pai, nas Tuas mãos entrego o meu espírito!» – não foi interrompida, mas transfigurada.

 

3.A morte de Jesus é uma morte morticida, uma morte que mata a morte. Não elimina a vida, ilumina a vida! Aquela morte não era um termo da vida biológica, mas o ingresso na vida plena, na vida que vence a morte e permanece eternamente para lá da morte. Esta ressurreição não era um regresso à vida, mas um ingresso na Vida: na vida que vence a morte.

Nós que, tantas vezes, sentimos que vamos morrendo aos poucos na vida, encontramos assim sentido para as mortes na própria morte. Aquele que foi à morada dos mortos continua vivo e até aos mortos Ele dá vida; é Ele que nos faz viver; É, por Ele, que nem na morte havemos de morrer.

A Ressurreição não apaga a Cruz; dá sentido à Cruz. Aquele que volta à vida é o mesmo que deu a vida. A Cruz está sempre a ensinar-nos que é quanto mais damos que mais recebemos. A Cruz mostra-nos que vencemos sempre quando damos tudo, se nos dermos inteiramente. Por isso, entre os primeiros cristãos não havia «qualquer necessitado», como nos lembra o Livro dos Atos dos Apóstolos (4, 34) e Tertuliano dá-nos conta do espanto dos que não eram cristãos quando olhavam para o comportamento dos cristãos: «Vede como eles se amam!» No fundo, eles apercebiam-se de como a palavra de Deus professada nos seus lábios se repercutia coerência e transparência da sua vida. A nossa missão há-de ser a missão do próprio Jesus. Como Ele fez, façamos nós também (cf. Jo 13, 15). Uma vez que Ele veio para servir, nós também somos chamados a servir (cf. Mt 20, 28). Quem não serve, não serve para a missão. Por isso, somos chamados a ser Discípulos Missionários. Somos discípulos missionários quando contemplamos Jesus, o Cordeiro Imolado, perla Salvação da Humanidade. Como nos lembra o Papa Francisco, «o cordeiro não é um dominador, pelo contrário, é dócil; não é agressivo, antes pacífico; não mostra as garras e os doentes diante de um ataque, pelo contrário, suporta e é dócil. Assim é Jesus, como um Cordeiro!» (cf Francisco, Angelus, 19 de janeiro de 2014). Eis o modelo do discípulo missionário: Homem Novo, construtor de um mundo novo. Só com corações novos faremos um mundo novo.

Jesus ressuscitou para a vida plena, não reviveu para a vida biológica, por isso, a Ressurreição é novidade, não é regresso. Como Páscoa, é uma passagem para a frente, não é um passo atrás. Ressurreição não é recuo, reencarnação, pois Jesus não é devolvido à vida anterior, mas entra numa vida nova, na vida definitiva. É, por isso, que hoje nós não evocamos alguém que já morreu; nós celebramos Alguém que continua vivo. A Igreja, alicerçada na Páscoa, não transporta a recordação de um ausente, mas oferece-nos a permanente celebração de uma presença. Nunca digamos, pois, «Cristo viveu». Digamos e proclamemos sempre «Cristo está vivo», connosco. Ele é sempre o Emanuel! Com o Papa Francisco, também nós dizemos: «CRISTO VIVE!, ALELUIA, ALELUIA». Vivamos com Ele, Aleluia! Aleluia!

+ Francisco José, Arcebispo de Évora

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