Homilia do bispo de Coimbra na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

 

Caríssimos irmãos e irmãs!

A Igreja convida-nos a iniciarmos o novo ano com a celebração da solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.

Pretende deste modo levar-nos a acolher e confessar a maternidade divina da Virgem Maria, com os olhos postos no presépio e, por isso, na pessoa de Jesus, o Filho de Deus, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, como referia a Epístola aos Gálatas.

 

Pretende ainda a Igreja com esta celebração que acolhamos a maternidade universal da Virgem Maria, isto é, que a aceitemos como mãe deste povo de irmãos e irmãs que sentem diariamente a sua companhia, intercessão e cuidado espiritual no meio das alegrias e dores da vida.

 

A Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, dá, assim, o tom a todo o ano que inicia e leva-nos a ordenar retamente a nossa fé e a nossa vida. Partimos da certeza de que, como Maria, somos criaturas humanas e de que toda a graça e toda a bênção nos vêm de Deus, que nos dá o Espírito Santo e nos torna filhos, como ouvíamos. Mas, vivemos igualmente na certeza de que, como criaturas amadas por Deus, recebemos uma nobre missão sobre a terra em que vivemos e em comunhão com toda a comunidade humana.

 

Começamos o novo ano procurando situar-nos, como cristãos, no plano de Deus, na nossa identidade e na missão que nos é confiada. Como pessoas humanas com as suas marcas de grandeza e debilidade, revigoramos a confiança e esperança por meio da companhia e intercessão da Virgem Santa Maria, Mãe de Deus e Mãe da Humanidade.

 

O Evangelho escutado oferecia-nos a síntese admirável da atitude de Maria, ao dizer: “Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração”. Maria olhava para os sinais reveladores existentes na vida do seu povo, considerava os últimos acontecimentos em que se vira envolvida, a anunciação, o nascimento do Menino, a adoração, e fortalecia a sua fé em Deus, que a escolhera para trazer ao mundo o Salvador. Por outro lado, Maria olhava para os pastores e para todos os que se aproximavam de Belém e via neles a humanidade de filhos e filhas para os quais nascera Aquele a quem foi dado o nome de Jesus, isto é, aqueles a quem veio salvar.

 

No primeiro dia do novo ano a Virgem Maria, como modelo e imagem da Igreja, indica-nos dois traços essenciais da nossa vida: a partir do coração em que conservamos os acontecimentos reveladores somos chamados a cuidar da fé pessoal e dos irmãos; e a partir do mesmo coração em que meditamos silenciosamente sobre o que se passa à nossa volta, sentimos o apelo a amar a humanidade e a cuidar dela enquanto cooperadores de Jesus na sua obra salvadora.

 

Os sinais para a fé são muitos e falam de forma eloquente, mesmo nos nossos dias. A situação de extrema debilidade em que a humanidade se encontra, depois de um tempo de grande confiança em si mesma e nas suas possibilidades ilimitadas, aponta para além de nós, para Quem está antes de nós e está também depois de nós – “o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último” (Ap 22, 13). A carência de esperança e de amor, marcas características desta situação de crise de saúde, de solidariedade e de possibilidade de uma vida mais normal, faz-nos reviver a expectativa do Antigo Povo de Deus, referida pela voz dos Profetas, e a fazer crescer o desejo do encontro com o Messias. Os resultados alcançados pelo engenho científico, que desejamos sejam portadores de novas esperanças de vitória sobre a doença e todos os seus males, levantam-se como um sinal da bênção de Deus, que continua a acompanhar com amor de Pai a criação boa e bela que saiu do seu poder criador. A solidariedade e a caridade expressas de tantas formas e com tanta criatividade por pessoas e instituições, com o objetivo de minorar o sofrimento de muitos, fala-nos de Deus e das sementes de bondade aninhadas no mais íntimo de todas as pessoas, abre-nos à fé.

 

A Virgem Maria, convida-nos neste início de ano a guardarmos todos os acontecimentos felizes ou dolorosos no coração como sinais de Deus; convida-nos a meditar silenciosamente sobre tudo o que se passa connosco e à nossa volta, para tirarmos as lições adequadas e crescermos em fé e humanidade mesmo na situação de crise em que nos encontramos; convida-nos ainda a uma atitude orante, elevando até Deus as súplicas e a gratidão da humanidade, levando até aos homens o auxílio para percorrerem os caminhos da fé.

 

O coração da Virgem Maria volta-se sempre com um amor de Mãe para Jesus, o Filho, e para todos os homens e mulheres, seus filhos espirituais. Dentro desse coração nasce o natural apelo para cuidar de todos e em todas as situações.

 

Qual reflexo do coração de Deus e recetáculo da grandeza da sua misericórdia, Maria cuida de nós, ensina a Igreja a cuidar dos seus filhos e impele cada pessoa a cuidar do seu semelhante. Nisso Ela vive e ensina a viver a mensagem e o testemunho mais profundo e caraterístico de Jesus, Aquele que veio ao mundo para cuidar de todos e salvar o que estava perdido.

 

Estamos diante da missão concreta da Igreja, que não pode ficar por palavras, mas tem de estar junto de toda a pessoa e em todas as situações da sua vida. Nos últimos tempos, tem-se vindo a salientar muito esta dimensão do cuidado da Igreja por todos. É chegado o momento de cada comunidade cristã, passar aos atos, ou seja, de clarificar no seu programa pastoral, de forma explícita e num lugar de relevo, de que modo e com que meios se propõe cuidar de cada pessoa mais débil no seu seio.

 

Com Maria por imagem e modelo, a Igreja que nós somos com Cristo, revela a sua identidade quando cuida das pessoas, das que estão dentro e das que estão fora, como filhos amados de Deus; cada um de nós realiza a sua missão e a sua verdadeira identidade cristã quando, a partir do coração, vive da fé no Deus que o ama e cuida do próximo que o mesmo Deus ama.

 

O novo ano, que iniciamos, seja portador de renovados caminhos de fé e cheio de consoladores sinais de que estamos disponíveis para cuidar uns dos outros com mais amor. Será um ano marcado pela Esperança de que foi portadora Santa Maria, a Mãe de Deus.

 

Sé Nova de Coimbra, 01 de janeiro de 2021

D. Virgílio do Nascimento Antunes, bispo de Coimbra

 

 

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