Caríssimos irmãos e irmãs!
Estamos diante de um cenário verdadeiramente carregado de sentido teológico, espiritual e humano nesta celebração da sexta-feira da paixão do Senhor. Acompanhamos Jesus, o Verbo de Deus feito carne, o nosso rei e Senhor, o nosso irmão, pelas veredas do sofrimento até à morte. Este percurso de dor não deixa ninguém indiferente, quando se trata do Filho de Deus, como não deixa ninguém indiferente, quando se trata dos filhos dos homens. Esta proximidade e configuração de Jesus, o Filho de Deus, com a humanidade e a sua dor, manifesta o mais profundo mistério do desejo salvador de Deus e os seus verdadeiros sentimentos em relação a todos nós.
Falar de sofrimento é uma coisa, experimentá-lo é outra bem diferente; consolar os que sofrem com palavras de esperança e alento estando felizes e consolados, tem valor e é bálsamo de solidariedade e amor, mas configurar-se plenamente com os que sofrem com dor igual à sua, é amor redentor.
Jesus escolhe o caminho mais duro, mas redentor, a partir do amor com que assume na sua carne as dores, as injustiças, o desprezo e a humilhação da humanidade. Ali se manifesta a vontade amorosa do Pai, que não manda mensageiros a manifestar solidariedade e compaixão junto dos homens, mas manda o seu próprio Filho, como homem de dores, experimentado no sofrimento, para que partilhe plenamente a nossa condição. Ali se manifesta também a autenticidade da incarnação do Verbo de Deus, que sela a sua mensagem com o seu próprio sangue e a sua própria vida: é verdadeiramente homem e identifica-se com a nossa humanidade.
Este é o Deus em quem acreditamos, que não está longe de nós, que não manda mensagens do Céu, mas partilha a nossa vida na terra e ilumina os nossos caminhos indo connosco, indo à frente, assumindo tudo o que nos alegra e tudo o que nos dói.
Na narração da paixão segundo o Evangelho de S. João, que agora escutámos, há uma expressão de grande significado, que queremos trazer para a nossa meditação. Pilatos, quando apresenta Jesus no Pretório, vestido com a coroa de espinhos e o manto de púrpura, proclama solenemente: «Eis o homem».
Pilatos manifesta assim que não acredita que Ele seja o Filho de Deus nem o Rei de Israel, como lhe havia declarado, e que são as acusações que impendem sobre Ele. Aquela cena constitui uma forma de ridicularizar as suas afirmações e a sua pessoa e de dar razão aos que O apresentam como culpado e a quem ele já se referira da mesma forma quando lhes perguntou: “Que acusação trazeis contra este homem?”. “Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, acostumado ao sofrimento, era como aquele de quem se desvia o rosto, pessoa desprezível e sem valor para nós”, como profetizara Isaías. No entanto, para agudizar o escárnio, é apresentado com as insígnias reais.
Jesus anuncia que é Rei de Israel e apresenta-se como o Senhor, Aquele que é a verdade, Aquele que assume toda a humanidade, com as suas debilidades e todas as suas alegrias. E, no entanto, fez-se em tudo igual a nós menos no pecado, pois é o Santo de Deus, cujo amor é divino e, por isso, resgata todo o homem do pecado que o escraviza e o impede de partilhar da sua vida.
No nosso pensamento comparecem hoje todos os homens e mulheres de todas as gerações, mas sobretudo do nosso tempo, que são reduzidos à condição assumida por Jesus. O mundo está cheio de pessoas maltratadas, injuriadas, desprezadas, o mundo está cheio de homens de dores, experimentados no sofrimento, de quem se desvia o rosto e considerados sem valor. Custa olhar para eles de frente, pois como o Servo do Senhor narrado por Isaías, estão desfigurados e parecem ter perdido toda a aparência de um ser humano.
A guerra, a destruição e a violência exercidas sobre tantos homens e mulheres, pretendem roubar-lhes a alegria de viver, ofuscam a dignidade que, no entanto, ninguém lhes pode retirar. Temos diante o panorama da guerra que devasta a Ucrânia e reduz a escombros aldeias, campo e cidades, mas reduz sobretudo a servos sofredores todos os que morrem, fogem, passam frio e fome, não são respeitados como pessoas iguais em dignidade e humanidade.
Todos têm lugar no coração de Cristo, o Servo de Deus, que se entrega livremente à morte por eles. Todos hão de ter lugar no nosso coração, mas também na nossa solidariedade, na nossa caridade e nas ações desenvolvidas por pessoas e instituições que não se resignam à escalada dos horrores a que assistimos.
Esta Sexta-Feira Santa é mais dolorosa e triste, porque continuam diante dos nossos olhos e dos olhos do mundo cenas que reproduzem o panorama narrado por Isaías e contado pelo evangelho da paixão.
Na palavra homem usada por Pilatos para escarnecer de Jesus, estão incluídos todos os homens maltratados e ofendidos, verdadeiramente escarnecidos pelas ações da maldade humana.
O Evangelho segundo S. João que escutamos nesta celebração, introduz uma referência à Virgem Maria, que está de pé, junto à cruz de seu Filho, com o discípulo predileto. Este cenário anuncia a certeza da presença constante da Virgem Maria na vida de seu Filho e a certeza da sua dor diante das cruzes e sofrimentos de todos os que lhe foram dados como filhos.
Maria, Mãe e figura da Igreja, fica connosco para nos ajudar a compreender e sentir as dores de Jesus, que ela mesma partilhou junto à cruz do seu Filho e nosso salvador. Maria permanece igualmente connosco como Mãe de toda a ternura para nos consolar nas nossas tribulações e nos assegurar que nada nem ninguém nos pode roubar a nossa condição de homens e de filhos.
Enquanto contemplamos Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem suspenso na cruz, pedimos à Virgem Maria que seja a Mãe que nos acolhe como filhos e que proteja especialmente aqueles que, nesta hora, são maltratados e desprezados na sua dignidade humana.
Hoje, comprometemo-nos a tudo fazer para que o “eis o homem” do sarcasmo e do escárnio dê lugar ao “eis o homem” do amor e da fraternidade.
Coimbra, 15 de abril de 2022
D. Virgílio do Nascimento Antunes, Bispo de Coimbra