Homilia do Bispo de Aveiro na Solenidade de Santa Joana Princesa

Celebrar a santidade e viver com esperança 1.A cidade e a diocese de Aveiro voltam, neste dia solene e festivo, o seu olhar e o seu coração para Santa Joana, Princesa de Portugal, nossa Padroeira. Santa Joana identificou-se de tal maneira com esta terra da ria e do mar e com as gentes de Aveiro que desperta de imediato no coração de todos os aveirenses, de forma natural e espontânea, a gratidão, a alegria, a homenagem, a devoção, o respeito e a veneração. Não é possível ser aveirense sem esta devoção e sem esta congénita empatia pela sua santa padroeira, porque ao lado de muitos outros aveirenses ilustres ela nos ensina a amar e a servir Aveiro com um jeito humilde e único e com insuperáveis gestos de benemerência e de generosidade. Na sua vida, no seu testemunho e nas suas palavras, em suma na sua presença no meio de nós, Aveiro redescobre continuamente a sua identidade e a sua matriz cultural e traça com renovada esperança o caminho de um futuro belo e solidário. Retomemos as palavras com que Monsenhor João Gaspar, Vigário Geral da Diocese, conclui a biografia da nossa santa padroeira: “Para as gentes cristãs da Beira-Ria, no meio de quem a Princesa ficou sepultada, as relíquias venerandas da Padroeira não são apenas um mero objecto de museu; consideram-nas, sobretudo, como termo de piedosas peregrinações e rodeiam-nas com o incenso de religioso amor e com o murmúrio de profunda prece. É que as personagens eminentes do passado serão tanto mais válidas no presente, quanto mais a sua memória veneranda e o seu testemunho extraordinário se tornarem presentes na vida de todos os dias” (A Princesa Santa Joana e a sua época, pág. 334). 2. Tornar presente na vida de todos os dias a memória de Santa Joana e a santidade de Deus que nela, de forma tão bela e eminente, se espelha é a missão dos cristãos e constitui o renovado compromisso da Igreja de Aveiro. Cumpre-se esta missão e realiza-se este compromisso sempre que, na fidelidade a Jesus Cristo, nosso Mestre e Salvador, semeamos a beleza e a alegria do Evangelho e ancoramos a esperança cristã de uma sociedade justa e fraterna, empreendedora e progressiva, onde haja lugar para Deus e espaço irmão para todos. A missão da Igreja, no seguimento de Jesus Cristo, vivo e ressuscitado e do testemunho de Santa Joana é uma missão de serviço. O caminho que queremos seguir é este: o do serviço, na escuta de Deus e de quanto o Espírito do Ressuscitado nos inspira, para percorrermos um necessário e persistente itinerário de diálogo e de atenção aos irmãos, onde se abram horizontes de vida e de bênção para todos. Consciente desta urgência pastoral, a Igreja de Aveiro centra este ano a sua atenção maior no serviço aos mais pobres, sentindo que neste modo evangélico de servir vamos ao encontro de uma causa que é de todos e que a Igreja aprendeu com Jesus a assumir como exigência do amor primeiro de Deus pelo seu Povo. O exemplo de Santa Joana diz-nos que a Igreja nunca foi alheia, indiferente ou insensível ao fenómeno da pobreza e aos dramas da injustiça, da violência ou da miséria. A este mal humano e a estes dramas sociais, a Igreja responde com o imperativo da justiça, com a ousadia da caridade e com uma proposta evangélica de bem-aventurança a que a Doutrina Social procura dar concretização em cada momento e em cada realidade. Face aos dramas e lágrimas dos que não têm nada nem ninguém, a Igreja envolve-os com a caridade terna e criativa que faz de todo o homem e mulher nossos irmãos. O exercício da caridade é, por parte da Igreja também um alerta, tantas vezes pioneiro e nem sempre compreendido, que nos lembre que a justiça é um imperativo indeclinável a que ninguém se deve eximir e que o progresso equilibrado e sustentável exige este respeito sagrado pela pessoa humana, pela sua dignidade, liberdade e valor irrepetível, porque em cada pessoa se espelha a imagem e a semelhança de Deus. Aquilo que Santa Joana nos ensinou e ensina é que não há amor possível nem serviço coerente aos irmãos se não nascerem do amor contemplativo de Deus e se não se alimentarem da Eucaristia, sacramento da caridade, e pão repartido para a vida de um mundo novo. “ Sem acções a favor da justiça e sem solidariedade da Igreja a favor dos que sofrem, o Evangelho resulta incompreensível”, recordava-nos o Sínodo dos Bispos de 1974. Santa Joana teve este sábio e santo desígnio de tornar o Evangelho compreendido e amado, a santidade admirada e procurada, a fé reconhecida e testemunhada e a vida religiosa respeitada e seguida. 3. Ao celebrarmos a Padroeira da cidade e da diocese dirigimos todos o pensamento e a oração para a grande família humana que aqui vive, estuda e trabalha, proveniente de diversificadas origens, culturas e credos. Olhar com desvelo para a família humana que somos, porque aqui nascemos ou porque como Santa Joana fizemos desta amada cidade a nossa cidade e desta acolhedora terra a nossa terra, leva-nos a implorar da Santa Padroeira de Aveiro protecção e bênção para todas as famílias da Diocese para todos os seus membros. Tem redobrado sentido esta nossa oração na Semana da Vida que nestes dias celebramos, sob o tema “ Vida com esperança. Viver com esperança é colocar-se ao lado do dom sagrado e inviolável da vida e lutar pelo bem, pela verdade e pela justiça e abrindo a razão humana à força salvífica e evangelizadora da fé. Viver com esperança é antever, como nos dizia o Livro do Apocalipse na primeira Leitura da Liturgia, um novo céu e uma nova terra e ver, no horizonte que nos envolve, essa cidade santa que somos chamados a construir desde já. Viver com esperança leva-nos, segundo nos lembrava S. Paulo, a conhecer Jesus Cristo e centrar n’Ele as razões da nossa esperança, que nos fazem, a exemplo de Santa Joana, deixar o superficial e o transitório para nos fixarmos no definitivo e no eterno. Viver com esperança consiste em construir, com encanto e determinação, o futuro inscrito na vida de uma cidade jovem, sustentado em instituições com paradigmas de excelência e afirmado em todo o espaço eclesial de uma diocese nova onde crescem os dinamismos e os valores da vida e da fé que impulsionam processos e percursos de nova evangelização. Viver com esperança significa compreender a opção do despojamento, da humildade e da cruz com a qual Santa Joana tanto se identificou, renunciando ao fausto do palácio real e às glórias do reino para se entregar com generosidade, alegria e fidelidade ao serviço pleno do reino de Deus, numa vida simples e santa. 4.A família é a primeira escola onde esta pedagogia da santidade deve acompanhar o despertar religioso da fé e o sentido cristão da vida. Celebrar Santa Joana ajuda-nos a compreender, hoje, o lugar e a importância da pastoral vocacional e a descobrir o valor da consagração de muitos ao longo dos séculos no coração da nossa cidade e ao serviço do seu povo. Recordemos quantos no silêncio do convento, na vida trepidante do mundo ou no serviço do ministério ordenado nas comunidades cristãs e nos serviços pastorais se consagraram e consagram a Deus na radicalidade e na fidelidade de uma entrega sem reservas e sem cálculos. Não foi em vão nem é para nós indiferente que o primeiro Bispo da Diocese restaurada tenha dedicado o Seminário de Aveiro a Santa Joana Princesa, como primeira e insubstituível iniciativa a que se dedicou por inteiro até ao seu último olhar, quando há precisamente 50 anos se despedia da terra onde nasceu e que tanto amou e tão bem serviu, e donde partia ao encontro de Deus. Quero realçar este ano, na linha do dom da consagração religiosa, a presença das Irmãs Carmelitas contemplativas que, retomando uma bela presença e benemérita acção no centro histórico da nossa cidade, celebram agora o primeiro jubileu do seu regresso a Aveiro onde chegaram de novo em 1983 e aqui se encontram no Convento de Cristo Redentor. 5.Senhor, nosso Deus, ajuda-nos a celebrar dignamente Santa Joana, nossa Padroeira, a quem de novo confio a Cidade e a Diocese: os sacerdotes, presbíteros e diáconos, as comunidades religiosas, as autoridades, as famílias, as instituições e as pessoas de Aveiro. Senhor, nosso Deus, ensina-nos a dar primazia aos que mais precisam e aos que mais sofrem e a ajudar as crianças e os jovens, que em tão grande número procuram as Escolas e a Universidade de Aveiro. Senhor, nosso Deus, faz-nos descobrir na vida da nossa Santa Padroeira uma pedagogia de evangelização e um paradigma de santidade, onde vidas com valor e com sentido se alicercem e cresçam e onde um futuro digno e feliz se anuncie e se sustente. Aveiro, 12 de Maio de 2008 + António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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