Em cada ano somos convidados a renovar as nossas promessas sacerdotais. Isto significa ir à fonte para colher a frescura, a alegria, o entusiasmo, numa palavra, deixarmo-nos abraçar de novo por Jesus Cristo que nos chama e envia.
Eis a configuração permanente a Jesus Cristo que nos fascinou na experiência fundante da nossa decisão vocacional e que ao longo da vida foi sendo desafiada por tantas solicitações e, por isso, a necessitar de ser renovada permanentemente.
Fazemo-lo em presbitério porque é este o lugar próprio de ser presbítero, de viver a comunhão sacerdotal, de nos inter-ajudarmos e de partilharmos a missão pastoral. Certamente reconhecemos que a edificação de um presbitério de irmãos, na comunhão entre todos, animando-nos na missão evangelizadora, prestando atenção ao outro, curando as suas feridas, em suma um presbitério formado por presbíteros cujo objetivo é servir a Deus e aos irmãos, exige uma renovação permanente porque persistente é a sua construção.
Em cada ano, nesta celebração, escutamos a palavra do Evangelho na qual Jesus de Nazaré reproduz as palavras do profeta Isaías que dizem: «O Espirito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu. Enviou-me a anunciar a Boa Nova aos pobres».
Na verdade, renovar as nossas promessas sacerdotais, colocarmo-nos perante a fonte donde jorra o manancial de vida e de graça que inunda o nosso ser e dá razão à nossa vocação e missão de presbíteros é assumirmos como nossas estas palavras proféticas com as quais hoje Jesus de Nazaré nos interpela e exorta a viver com autenticidade o nosso sacerdócio na identificação plena com Ele.
Realmente, somos ungidos pelo Espirito. Tudo na nossa vida pessoal, comunitária, em presbitério e na missão pastoral é fruto do Espirito. Daqui brota uma interpelante pergunta: qual o lugar que dou ao Espirito Santo para que seja Ele a provocar a unção do meu ser para que tudo o que sou e tudo o que faço seja verdadeiramente realizado segundo os ditames do Espirito?
Recorro a uma passagem de S. Paulo na sua Carta aos Gálatas, onde refere que «o fruto do Espirito é caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança» (Gal. 5, 22); e logo a seguir sublinha que «se vivemos pelo Espirito caminhamos também segundo o Espirito. Não nos enchamos de vanglória, provocando-nos mutuamente, tendo inveja uns dos outros» (Gal. 5, 25-26).
Em tempos tão nefastos para quem queira seguir a Jesus Cristo, demolidores dos grandes ideais da vida, cerceadores dos verdadeiros projetos que conduzem à edificação de uma verdadeira comunidade de irmãos, urge deixarmos a nossa autorreferencialidade e darmos lugar à ação do Espirito de Deus, despojarmo-nos dos nossos egocentrismos e deixarmo-nos iluminar e guiar pelo Espirito que Jesus Cristo envia a todo aquele que O segue.
Só a partir desta conversão pessoal e em presbitério podemos sonhar em traduzir a mensagem profética de proclamar a Boa Nova aos pobres na realidade concreta do nosso mundo. De facto não somos nós que evangelizamos, mas sim o Espirito Santo que em nós e através de nós oferece a Boa Noticia que é Jesus Cristo.
Eis a mudança radical que teremos de operar nas nossas vida e na nossa forma de atuação para que a evangelização do mundo de hoje seja de acordo com o projecto de Jesus de Nazaré.
Diz o texto evangélico que a Boa Nova é anunciada aos pobres. Como será isto possível, se não aprendermos a linguagem da pobreza? Sim, porque há uma linguagem dos pobres e esta só se aprende no despojamento, no abandonar-se e na experiência da austeridade, da simplicidade e ascese.
O Concilio Ecuménico Vaticano II, por intuição de S. João XXIII, foi realizado para preparar a Igreja para se centrar na sua única tarefa que é ser testemunha da Boa Nova de Jesus Cristo aos homens e mulheres do mundo de hoje.
No que toca à primordial vocação e missão dos presbíteros na missão da Igreja, são variadíssimos os documentos do Magistério que nos convidam a sintonizarmos com o ser e a missão do presbítero na tarefa evangelizadora que sendo obra de toda a comunidade tem como presidente o sacerdote.
No contexto da caminhada sinodal, a nossa diocese, em todas as suas comunidades, grupos, movimentos e instituições, está convocada para a reflexão sobre a missão evangelizadora que lhe cabe no contexto do mundo de hoje, ao qual deve escutar e com o qual é chamada a dialogar, para lhe oferecer o fermento do Evangelho que renova a sociedade e a cultura.
Os sacerdotes devem ter o primeiro lugar nesta reflexão e na experiência evangelizadora que se exige na missão da Igreja. É tempo de conversão, de renovação, de nos questionarmos sobre o que somos e como somos, alterar comportamentos e modos de vida, enfim, só em sintonia com o Evangelho, em cujo núcleo estão as Bem- aventuranças, responderemos às exigências da evangelização dos pobres, dos excluídos, dos prisioneiros e marginalizados.
Caros sacerdotes, somos chamados à santidade, à fidelidade, à comunhão, a estabelecer um novo estilo de vida pastoral a partir de uma refontalizada forma de ser e de viver. Estamos perante tempos novos, exigentes, interpelantes, que nos desafiam a uma profunda conversão e a decisões audazes, que brotam da nossa identificação a Jesus Cristo.
Todos nós estamos convocados para uma profunda reflexão acerca do presbítero com perfil evangelizador. Entre os diversos temas que informam este objetivo fundamental da missão sacerdotal, destacamos três: o homem de Deus; o homem da comunhão; o homem pobre com os pobres.
Tornar estes temas operativos exige a profundidade de oração e de vivência sacramental; experiência de empatia com todos os seus irmãos no sacerdócio e na comunidade cristã, fazer do presbitério a verdadeira escola de comunhão, situar a sua vida no seio da sua comunidade para ser ungido pelo povo de Deus e possuir o «cheiro das ovelhas»; despojar-se de si mesmo e sintonizar com os mais pobres e excluídos da sociedade.
Isto não é palavra vã, muito pelo contrário, este é o perfil do presbítero de hoje e de amanhã.
Termino pela evocação de S. José, neste ano a ele dedicado. O presbítero, tal como S. José, é chamado a acolher, a defender e acompanhar a todos os que têm necessidade de cuidado e de ajuda; deve ser sereno, solidário e próximo; deve apoiar todos os peregrinos nesta vida; deve ser testemunha da esperança teologal; ser capaz de dar razões da sua fé e da sua esperança; enfim, como S. José, dócil à vontade e ao chamamento de Deus, que altera os projetos pessoais, desinstala e envia em missão.
Coloco-me com todos vós, caros sacerdotes, sob a proteção de Nossa Senhora, Mãe dos Sacerdotes, Mãe e Rainha dos Açores, para que nos ofereça a ternura e o afeto que ofereceu ao Seu Filho e cuide de nós como cuidou de Jesus de Nazaré desde o seio materno até à ressurreição.
Amen.
D. João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas dos Açores