O Senhor ressuscitou vitorioso do Sepulcro, Aleluia.
Este é o grande anúncio que, de novo, jubilosamente cantamos e oferecemos ao mundo.
Fazemo-lo, este ano, com muitos constrangimentos, mas não queremos deixar de colocar, neste renovado anúncio, todo o entusiasmo que dele nos vem para ajudar a revigorar a esperança dos que, neste momento, mais estão a sofrer.
Celebramos a Vigília Pascal, Mãe de todas as vigílias e que constitui, ao mesmo tempo, ponto de chegada e ponto de partida do conjunto do movimento de preparação, celebração e vivência do Mistério Pascal.
Durante quarenta dias preparámo-nos para este momento da jubilosa celebração da Ressurreição de Cristo. Durante os próximos cinquenta dias, até ao Pentecostes, vamos deixar que a novidade de Cristo Ressuscitado e vivo no meio de nós transforme as nossas vidas, incluindo a suas relações em sociedade.
E, olhando para o Evangelho de hoje, vamos começar por partilhar a surpresa de Maria Madalena e da outra Maria que, de manhã muito cedo, foram ao sepulcro par ultimar os procedimentos habituais nestes casos. Foram realmente surpreendidas pelo Anjo, que lhes apareceu de repente, removeu a pedra do sepulcro e sentou-se sobre ela. Os guardas ficaram a tremer de medo e caíram como mortos. E então vem a grande novidade que as surpreende, saída das palavras do Anjo, que lhes diz: “Procurais Jesus, o crucificado. Não está aqui. Ressuscitou, como tinha dito”. E acrescentou – “Ide depressa e dizei aos discípulos – Ele ressuscitou dos mortos e vai adiante de vós para a Galileia. Lá o vereis”.
De repente, o medo das mulheres transformou-se em amor e grande alegria e correram a levar a notícia aos discípulos.
A notícia do anjo é, de seguida, confirmada pelo mesmo Ressuscitado que lhes faz a primeira aparição e insiste com elas – “Não temais. Ide avisar os meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me vereis”.
E aqui tudo recomeça, depois do desastre da cruz, do desânimo dos discípulos, que, abandonarem o Senhor, na noite da agonia e, depois de saberem da sua morte ignominiosa, se dispunham a voltar às anteriores ocupações. Porém, o caminho que Jesus lhes indica, através das mulheres, é outro: Esse caminho é para a Galileia, isto é para o mundo onde Jesus os encontrou e recrutou, onde começou o anúncio do Reino e agora haviam de continuar e, a partir de lá, irradiar para todo o mundo.
Desde o início, fica-lhes a garantia de que o Ressuscitado vai à frente e sempre os acompanhará.
Estava aberto um novo futuro, primeiro para a comunidade dos discípulos e depois para toda a Humanidade destinatária da novidade que Cristo Ressuscitado nos traz.
Hoje, nós como discípulos de Cristo pelo Batismo, nesta Vigília Pascal, queremos sentir-nos mais envolvidos na construção deste novo futuro aberto pela Ressurreição de Cristo. Por isso relembramos o nosso Batismo e renovamos as promessas que nele fizemos ou alguém fez por nós.
- Paulo, na carta aos Romanos, dá-nos hoje a pauta da identidade de todos os Batizados, a saber: sepultados com Cristo na morte, com ele ressuscitamos para a vida nova; uma vida nova que implica a recusa do pecado e a garantia de vitória sobre a morte.
Grande símbolo do Batismo é a passagem do Mar Vermelho, hoje relatada no Livro do Êxodo. Nela o Povo abandona a escravidão e caminha na esperança para a novidade da terra prometida. Por sua vez, os profetas e hoje, em particular, o Profeta Isaías, tentam manter a chama acesa da esperança no mundo novo simbolizado na terra prometida e representado sobretudo no Reino de Deus anunciado por Jesus.
Jesus venceu a morte, ressuscitou e abriu-nos as portas da vida em plenitude.
Perguntamo-nos agora que vida em plenitude é esta e que nos falta para lá chegar.
Estes dias, de muito sofrimento e alguma angústia, à escala do mundo, por causa da pandemia, estão a demonstrar que certos hábitos, há muito tempo instalados na vida das pessoas e das sociedades e até respaldados pelas próprias leis, não só não representam essa vida em plenitude, mas claramente não estão a responder aos verdadeiros e legítimos anseios das pessoas em geral.
O Papa Francisco, numa entrevista que deu, esta Semana Santa e foi publicada em vários jornais, chama a atenção para vários aspetos da nossa vida em sociedade que precisam de ser revistos para passarmos a ter uma sociedade verdadeiramente amiga das pessoas e da natureza.
As denúncias que faz não são novas, pois já de todas elas tem feito referência nas suas intervenções, mas focaliza um conjunto de comportamentos sociais que têm de mudar para todos podermos ter futuro digno em sociedade.
Assim, começa por referir que a pandemia é uma resposta firme da natureza dirigida a toda a Humanidade e uma chamada de atenção contra a hipocrisia de alguns líderes políticos, que pretendem encobrir a verdade, mesmo cientificamente comprovada, nos aspetos que não lhes convêm.
Chama, depois a atenção para a profunda divisão que marca a nossa sociedade atual; divisão entre ricos e pobres, com a abundância de alguns a contrastar com a fome de muitos, entre os países e grupos em guerra, por um lado e o negócio das armas, por outro. Perante estes e outros contrassensos, a pandemia lembra-nos que estamos todos no mesmo barco e nele partilhamos a mesma sorte.
Face a estes e outros hábitos instalados na nossa sociedade, perguntamo-nos em que é que o acontecimento da Ressurreição e a vida nova que dele surge podem ajudar a reequacionar a nossa vida em sociedade. Lembramos que também a pandemia está a mostrar essa mesma necessidade, embora deixando para a nós a responsabilidade de definir os novos caminhos.
Em resposta a esta pergunta, olhemos para a celebração da Eucaristia.
Cada vez que nela participamos, sobretudo na assembleia do domingo, somos colocados perante os grandes desafios de renovação que nos vêm da vida nova inaugurada na Ressurreição de Cristo. E vale a pena revisitar o que realmente nela se passa.
Em primeiro lugar, fazemos memória e tornamos presente a realidade de um Homem justo e santo a quem a injustiça dos outros homens infligiu a morte.
Torna-se igualmente presente a realidade e a força da Ressurreição deste mesmo Homem injustamente condenado, mas a quem o próprio Deus fez justiça e o constituiu como primícia da Nova Humanidade.
E nessa Humanidade Nova somos nós também convidados a parti-cipar de acordo com o que pedem as circunstâncias do momento e a alargar a sua presença e influência nos meios que frequentamos.
Levando a sério a realidade da Ressurreição que tornamos presente e celebramos em cada Eucaristia, nós contribuímos para abrir, pelo menos, algumas brechas neste mundo velho e gerador de muito sofrimento, como os factos o estão a demonstrar e caminhamos em direção ao mundo novo que a memória de Cristo Ressuscitado representa.
Esta memória é, de facto, libertadora, na medida em que questiona e pressiona as várias situações do mundo presente, com suas injustiças e comportamentos desumanos persistentes, e lhe aponta um futuro diferente para o qual é urgente que todos caminhemos.
O apelo que hoje nos faz Jesus Cristo Ressuscitado é que não desistamos de denunciar os erros da sociedade atual, entre os quais está o deus do lucro e do crescimento económico como também o poder dos mercados sem ética e com desrespeito por crescente número de pessoas, como também as agressões à natureza, de facto, criada para ser mesa posta para todos.
Em contrapartida, lembremos a urgência de criar condições, também sociais, políticas e económicas para que as pessoas e as suas relações estejam sempre em primeiro lugar; relações entre nós, a começar pelas relações em família, com a natureza e com Deus.
Que Cristo Ressuscitado e Vivo no meio de nós nos ajude a relançar o entusiasmo por lhe ajustar a nossa vida pessoal e em sociedade.
D. Manuel R. Felício