O Domingo de Ramos é a porta de entrada da Semana Santa e coloca-nos, desde logo, num clima paradoxal: ao mesmo tempo que recordamos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, sede do poder legislativo e religioso, a Liturgia coloca-nos já perante o relato da Paixão de Jesus, deixando antever que, apesar de ter entrado festivamente em Jerusalém, Jesus não é, de facto, acolhido sobretudo pelos poderosos do tempo: o poder religioso representado por Anás e Caifás; o poder tradicional concentrado em Herodes; o poder político, judicial, económico e militar dominado por Roma, representado em Jerusalém pelo Governador Pôncio Pilatos.
Deste modo, Jesus revela-nos uma outra forma de realeza, outro tipo de Reino. A sua entrada em Jerusalém põe a nu a ambiguidade das expetativas messiânicas. O que esperar de um Rei humilde e como as pobres montadas num jumentinho? Por isso os ramos deste Domingo não são apenas ramos, são rebentos de esperança de um povo que anseia por uma primavera sem fim. São melodias que se insinuam inesperadamente num mundo ruidoso e de ritmos apressados. São símbolos de unidade numa sociedade fragmentada. São sinais do desejo de um poder assumido como missão e serviço ao amor, à justiça e à paz.
Eis o quadro, decisivo e dramático, da liturgia deste Domingo de Ramos. A aclamação dirigida a Jesus Cristo ecoa em todo o mistério pascal. A palavra “Hossana” é o grito de louvor ou adoração feito em reconhecimento ao messianismo de Jesus em sua entrada em Jerusalém, e desde então usado na Igreja cristã. É também um termo litúrgico judaico e foi aplicado especificamente aos ramos de hossana levados em procissão na Festa dos Tabernáculos, o sétimo dia que foi chamado o dia de Hossana. No cumprimento desta tradição, Jesus vai sofrer a Paixão e dar a vida por nós, até à Cruz, e por isso a Liturgia proclama hoje: “Hossana ó Filho de David”! Tu Reinarás, na Cruz Tu nos salvarás! Hossana, bendito o que vem em nome do Senhor!
Hoje, o Evangelho responde à questão central do cristianismo: Quem é Jesus Cristo?
É também a pergunta que percorre o Evangelho segundo S. Marcos. É o próprio Jesus quem toma a iniciativa de colocar a questão: “Quem dizeis que eu sou?” (Mc 8, 29). Agora, no relato da Paixão, volta a aparecer na expetativa da resposta, pergunta semelhante: “És Tu o Messias, o Filho de Deus?”.
Com atenção, percebemos que os detalhes dos relatos da Paixão, em relação aos restantes episódios, assumem uma desproporção intencional: os últimos dias da existência terrena de Jesus Cristo são a chave para desvendar a sua identidade.
A resposta inequívoca está latente do princípio ao fim. As primeiras palavras do evangelista, “Principio do Evangelho de Jesus, Cristo, Filho de Deus”, refletem-se na afirmação final colocada na boca do centurião: “Na verdade, este homem era Filho de Deus”.
O verdadeiro significado de ‘Filho de Deus’ não pode ser compreendido sem o conteúdo da Paixão. O Filho de Deus é a revelação plena do Pai, o Servo sofredor, o Messias crucificado, o Salvador ferido, a entrega gratuita até à morte na cruz. Pedro, como o resto dos discipulos, não suspeitava de algo semelhante. Era amigo dele, jurava permanecer sempre ao seu lado, mas tinha em mente outro tipo de Messias. Quando se apercebe da sua incredulidade, Pedro chorou amarga e arrependidamente, e fez a descoberta do Rosto Amoroso de Deus em Jesus de Nazaré, o Filho de Deus e Salvador.
Caros irmãos, só compreendemos Jesus Cristo, depois de fazermos semelhante experiência vital, como Pedro, também nós algumas vezes juramos amor incondicional, mas seguimos outras opções e ídolos, que dizíamos não aceitar. Queremos amar, porém, negamos e traímos.
As vivências relatadas fazem perceber que o acto de amor oblativo e Agápio, d’Aquele que dá a vida, é o mais belo sinal da presença de Deus no mundo, a plenitude da revelação do rosto misericordioso do PaI.
À maneira do Cântico do Servo do Servo do Senhor, apresentado pelo Profeta Isaías na Primeira Leitura (Is 50, 4-7), Jesus escuta a Palavra do Pai e responde-lhe confiadamente, em obediência total, através da oferta da Sua vida pela salvação dos homens.
Aqui, é o acto de amor levado ao extremo, por Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é um acto isolado, mas o culminar de toda a vida oferecida aos outros. Jesus Cristo pode dizer: Prova de amor maior não há do que dar a vida pelos Irmãos”. Por isso, a expressão proferida naquela Última Ceia é um perfeito resumo do seu viver: “Tomai, isto é o meu Corpo”; “Bebei isto é o meu Sangue. A Nova e Eterna Aliança”
Como nos apresenta a Segunda Leitura, retirada da Epístola de S. Paulo aos Filipenses, provavelmente um cântico das primitivas comunidades neotestamentais, Cristo fez-se um de nós, obedeceu aos desígnios do Pai e humilhou-Se até à morte, e foi, por isso, até à glória de “Senhor”, que é a própria glória de Deus.
Foi o encontro com a beleza deste Amor, que mudou para sempre a vida de Pedro. Conhecer Jesus Cristo implica fazer o caminho que fizeram aqueles homens e mulheres, assumindo-nos como um novo discípulo. Podemos fazer o caminho de Pedro ou como outro qualquer discípulo. Este é o ponto central: colocarmo-nos no caminho do discipulado, dispostos a aprender com Ele e a seguir com Ele, deixar de lado todas as resistências e entrarmos na história da salvação “com tudo, com a nossa inteligência e emoções, imaginação e busca criativa, com a mente e coração abertos, com o nosso desejo de entender e com a nossa sede espiritual: pois tudo isto são as componentes escondidas na palavra acreditar”, como afirma o Teólogo contemporâneo Tomás Halik.
Hoje, que a contemplação do relato da Paixão nos convença que Cristo é Caminho, Verdade e Vida; e nos guie até à Páscoa. Com Maria permaneçamos de pé junto à Cruz e perseveremos na Fé até ao fim da nossa vida. Que cada um de nós pertença ao grupo que permaneceu com Jesus até ao fim, afinal o princípio de tudo, a Vida Nova.
D. Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora