Estimados Irmãos no Episcopado,
Caros Presbíteros e Diáconos,
Meus Irmãos,
Todos os anos a Sagrada Liturgia nos concede a possibilidade de nos reunirmos na Igreja mãe da Arquidiocese para esta belíssima celebração da Missa Crismal, no decorrer da qual, os presbíteros, principais cooperadores do Bispo, evocando o dia solene da Ordenação e confiantes no amor de Deus que os chamou, renovam os compromissos sacerdotais perante toda a assembleia celebrante, com o firme propósito de fidelidade ao dom recebido pela imposição das mãos do sucessor dos Apóstolos. Em continuidade, seguindo as normas litúrgicas, procederemos à bênção dos óleos dos enfermos e dos catecúmenos e à consagração do Crisma. Estes óleos irão ser usados durante o ano como sinais da graça sacramental que Deus concede àqueles que vierem a ser ungidos. Desta forma, pela presença dos presbíteros, vindos de toda a Arquidiocese, e pela repartição dos óleos novos por todas as paróquias, se exprime simbolicamente a comunhão entre bispo, presbíteros, diáconos e fiéis, todos eles servidores do mistério que os envolve e os habita, embora cada um a seu modo.
A comunhão que nos une não se fundamenta nem nos esforços de colaboração pastoral nem sequer no sincero desejo de amizade que todos cultivamos. Esses são elementos importantes na vida do presbitério que devemos levar a peito, questionando-nos frequentemente sobre eles, para os purificar e fortalecer. Porém, a comunhão de que falam o livro dos Atos dos Apóstolos (2,42) e a Primeira Carta de S. João (1,3.6-7), traduzida pela expressão estar juntos, tão característica da comunidade primitiva, ultrapassa o nível da vontade dos indivíduos. Ela é um puro dom que vem do alto e constitui um novo modo de ser. Essa comunhão tem por fundamento a união de Jesus com os discípulos, chamados para estarem com Ele, e constitui um modo de participação na comunhão com a Trindade.
A comunhão é um dom que se funda em primeiro lugar na graça batismal. E é o Batismo que nos faz estar unidos com a Igreja dispersa pelos quatro cantos do mundo e com todos aqueles que o Senhor quiser chamar (Act 2,39). O dom da comunhão na vida trinitária é concedido por Deus à Igreja e, dentro da Igreja, é dada a cada um de nós a possibilidade de viver essa experiência de comunhão.
É este o contexto dentro do qual se entende a nossa fraternidade presbiteral, que se concretiza através da graça do sacramento da Ordem e nos torna servidores da comunhão, na esperança de que, posteriormente, nos venhamos a tornar peritos em comunhão. Mas, atenção, a vivência da comunhão presbiteral nunca poderá significar desejo de isolamento ou de promoção de uma qualquer casta de segregação social. Ao contrário, deverá antes conduzir a uma atitude de disponibilidade para acolher o dom que nos une para o serviço da fraternidade universal. Não somos irmãos em consequência de um qualquer privilégio a defender mas em virtude do dom da comunhão do qual somos servidores e se há de manifestar como sinal de unidade para o mundo.
Assim, a comunhão não é algo fechado em si mesmo. Há de ser vivida ao serviço da Igreja e do mundo e implica atenção e abertura ao ambiente em que vivemos, com todos os seus problemas e dificuldades, de modo que apareça como prognóstico de uma sociedade renovada.
Comunhão consiste em estar juntos. Mas também há de ser caminhar juntos. Como Abraão que parte aberto aos planos de Deus, o bispo e os presbíteros também estão a caminho da terra de Deus. Nisso se distingue a espiritualidade do crente da lógica do mundo que prefere a segurança e a acomodação. A atitude de caminhar juntos fará de nós servidores do Evangelho, disponíveis para o anúncio pela mobilidade, que nos permitirá ir aos lugares onde o Evangelho não foi anunciado. E com a nossa disponibilidade evitaremos que a comunidade adoeça por esclerose, colocando o bem das almas (CD, 31), que é a suprema norma da ação pastoral, no seu devido lugar, sem perder de vista que a dedicação incondicional à Igreja implica, por um lado, perseverança no cargo, mesmo à custa de sacrifícios, e por outro, coração livre e disponível para mudar quando o bem da Igreja o exigir.
Nos nossos dias, a vivência da fé implica capacidade de comprometer a própria vida com o anúncio da Boa Nova, até ao ponto de aceitar a expropriação de si próprio para se tornar Corpo de Cristo. Porém, o anúncio da palavra, o trabalho pastoral e o serviço da caridade hão de ser precedidos de uma verdadeira experiência espiritual de comunhão e de comunicação autêntica e existencial, de forma a evitar que a fé fique refém dos programas, dos encontros e das reuniões. Estar juntos na comunhão de fé é premissa fundamental para alcançar a sintonia na pregação e no anúncio e garantia de que o bispo e os presbíteros anunciam a mesma fé (CD, 12; 1 Cor 15,11), falam de comunhão entre eles, pregam a mesma doutrina e vivem no mesmo contexto histórico. A comunhão do anúncio torna visível a unidade. Por sua vez, o testemunho da unidade, juntamente com a união dos espíritos e dos corações constituem o primeiro e indispensável elemento de evangelização.
Ora, para chegar a este grau de comunhão é preciso ter fé, confiança e ousadia. A ousadia de por em prática aquilo que a fé nos propõe. Certamente não será no ambiente social, eivado de materialismo e de indiferentismo religioso, que encontraremos incentivos de audácia para viver a comunhão presbiteral. A nossa audácia tem outros fundamentos. A este propósito, lembro aqui a reflexão feita pelo papa Bento XVI, no encerramento do Ano Sacerdotal, chamando a nossa atenção para a audácia de Deus que se abandonou nas mãos dos seres humanos, apesar das nossas debilidades. E acrescenta: esta audácia de Deus é realmente a maior grandeza que se oculta na palavra sacerdócio. No mundo contemporâneo, o sacerdote é sinal da audácia de Deus e ícone da sua presença na história dos homens. Deus conjuga audácia com confiança. Ele não tem medo de confiar uma missão tão decisiva a um homem. Sabe que vai correr um grande risco. E não se retrai. Dá a cada sacerdote a coragem para realizar a obra extraordinária de transformar a vida de uma pessoa a partir do seu íntimo pelos gestos sacramentais que produzem a graça que significam.
Deus é audaz até ao ponto de confiar em nós que somos frágeis. E a nós não faltam razões para confiar em Deus que, em Jesus Cristo nos revelou o Seu amor incondicional e está sempre connosco para nos amparar e nos guiar no exercício do nosso ministério. Sejamos ousados.Tenhamos a audácia de viver em comunhão.
Évora, 5 de abril de 2012
D. José Alves, arcebispo de Évora