Homilia do Arcebispo de Braga no Domingo de Ramos

“Se vos calardes, gritarão as pedras dos caminhos” A Semana Santa é um momento privilegiado para recentralizarmos a vida pessoal e eclesial naquilo que nos move como programa. A vida nunca se limita a acontecer. Ela programa-se e os resultados dependem do empenho colocado nas concretizações propostas ou assumidas. Daí que, como Arquidiocese, tenhamos que “tomar conta da Palavra para que ela tome conta de nós” e fazê-lo ao ritmo do programa para este ano, ou seja, consciencializar-se que o cristão é um homem ou mulher que é encontrado/a pela Palavra. Deste modo, a Semana Santa nunca nos deveria colocar em atitudes passivas de ver os acontecimentos programados. Ela é, numa variedade policromada de celebrações, um momento para se deixar encontrar pela Palavra. Neste Domingo de Ramos que interpelação nos deixa a Palavra? Muitas. Pretendo sublinhar um pormenor: a Palavra que nos encontra deve ser comunicada. A Igreja é portadora duma mensagem que não é sua. Com ela alimenta e estimula os seus fiéis. Só que a dimensão da sua missão situa-se na humanidade inteira que pode aceitar ou recusar, acolher ou desprezar. A Igreja nunca pode calar ou reservar para si o que lhe foi dado para ser proposto. Muitos poderão não compreender ou preferir que ela se refugie no âmbito da interioridade dos templos ou na intimidade das consciências. Não realiza a sua missão se não encontrar modos de colocar o que acolheu na praça pública, nos ambientes da discussão, para propor um estilo pautado por valores. Numa história repleta de anunciadores proféticos, o anúncio e a denúncia são estruturantes para a missão da Arquidiocese. Neste Domingo, que também é Dia Mundial da Juventude, a Igreja tem de reconhecer a pouca incidência das suas palavras no mundo juvenil. Este parece viver ao lado ou à margem dos valores dum humanismo cristão. Isto deve fazer com que a Igreja repense a sua metodologia e linguagem para prosseguir, em fidelidade, no anúncio de verdades que estruturem, mental e vivencialmente, jovens. A Igreja é mediadora da Palavra e não pode fugir à responsabilidade de se questionar sobre as causas ou razões pelas quais a juventude, salvas muitas e boas excepções, não se deixa encontrar pela Palavra. É um dever a que não pode renunciar. Será que esta responsabilidade de não se calar perante o evoluir da sociedade, denunciando erros e comportamentos e propondo itinerários diferentes, coincide com a liturgia de hoje? Os discípulos, cheios de alegria louvam a Deus e aclamam o Rei, pobre e pacífico, montado num jumento e não num cavalo de guerra. Os fariseus, por seu lado, incomodam-se e pedem a Jesus que se calem. A resposta é inequívoca: “Se eles se calarem, gritarão as pedras dos caminhos” (Lc 19, 38-40). Isto mesmo nos diz S. Paulo: “Toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fil 2, 11). Para exercitar permanentemente, com fidelidade e originalidade, esta responsabilidade, o cristão deve tornar-se discípulo, consciente de que Deus “todas as manhãs desperta os seus ouvidos para escutar” (Is 50, 5). Trata-se do exercício do silêncio, a única realidade capaz de fazer compreender o verdadeiro conteúdo daquilo que importa comunicar. Direi que a Igreja para poder comunicar algo de válido para a sociedade hodierna, mensagens carregadas de sentido e capazes de motivar adesões, tem de tornar-se contemplativa como atitude permanente. O discípulo ouve com a inteligência e com o coração. Coloca-se despido de preconceitos perante algo que acolhe com uma genuidade que o marca. Aqui ganhará coragem para os momentos de incompreensão ou de ironia que podem acontecer. A linguagem simbólica de Isaías pode ser paradigmática: “O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo”. “Apresentei as costas àqueles que me batiam, não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam” (Is 50, 6). Necessitaremos de mais elucidações ou de razões para a coragem e ousadia de anunciar com fidelidade num mundo adverso? Ao deixar-se encontrar pela Palavra para não a amordaçar no íntimo das comunidades mas para a proclamar, temos um âmbito de universalidade mas com um espaço privilegiado que é o nosso. Sempre mas com uma urgência particular nos tempos que correm. “O Senhor deu-me a graça de falar como discípulo para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos” (Is 50, 4). Que são muitos os abatidos ninguém ignora. As circunstâncias sociais, queiramos ou não, oprimem. A tristeza começa a impor-se e a alegria desvanece-se. A Igreja deve “saber dizer” palavras de alento e coragem. A todos, mas particularmente aos jovens que ainda não encontraram emprego, que prolongam o tempo de estudo ocupando o tempo e procurando alicerçar-se para a hipótese de novas possibilidades, que enveredam por experiências negativas na ilusão de encontrar algo que os motive, que interpretam formas de violência ou roubos, gerando uma preocupante insegurança, para, talvez, poderem viver concretizando sonhos que lhe foram impostos por uma sociedade sem exemplos. Não é fácil “saber dizer” esta palavra de esperança, de optimismo, de confiança no futuro. A Igreja necessita, por isso, de conciliar a contemplação e escuta da Palavra com a reflexão necessária para que tenha capacidade de estruturar respostas, nas palavras e nos actos, adequadas e geradoras desse novo clima por que todos anseiam. Nesta simbiose da escuta da Palavra com o compromisso de a viver, o discípulo “sabe que não ficará desiludido” (Is 50, 7) e que o mundo, como o centurião perante a certeza e realismo cru da morte de Cristo, reconhecerá: “Na verdade, este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39). † Jorge Ortiga, A.P.

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