Homilia do Arcebispo de Braga na Missa da Ceia do Senhor

Não só Comunhão Eucarística

Vivemos a celebração da Ceia do Senhor ancorados na lógica e no dinamismo do amor mútuo. O que aconteceu no Cenáculo transformou-se num “dia memorável” a “festejar de geração em geração como instituição perpétua” (Ex 12,13-14). Não é mera recordação. É nossa responsabilidade assumir a imagem do lava-pés como ícone que recorda o que Jesus realizou mas, particularmente, sinal de que o discípulo de Cristo, aqui e agora, dá o que muitos necessitam de ver. “Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. “Se eu, que sou, Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, assim como Eu fiz, vós o façais também” (Jo 13, 15).

Que significado poderá ter este ícone maravilhoso que resume a vida de Cristo e atinge o seu auge nos momentos finais da Sua vida?

O Ano Sacerdotal, que estamos a viver, deveria conduzir-nos à eclesiologia contida no Concílio Vaticano II para melhor compreendermos e amarmos a missão dos presbíteros na Igreja. Aí a Igreja apresentou-se como mistério de comunhão e missão. Como mistério, não devemos ter receio de afirmar que a Igreja encontra a sua definição fora de si, e deverá ser interpretada à imagem da Santíssima Trindade que a gera e ao mundo ao qual é enviada. Gerada pela Trindade expressa-se como mistério de comunhão; enviada para o mundo é, intrinsecamente, missionária.

A comunhão já nos foi dada mas deve ser construída, na lógica do “como Eu fiz fazei-o vós também”. O dia de hoje é de comunhão, mas o grande problema ou desafio da Igreja está na vivência da comunhão. Crescemos no amor à comunhão eucarística mas a vida continua manchada por atentados ao amor fraterno, à lógica do querer-se bem, à sinceridade de um relacionamento fraterno, à verdade de uma transparência que não engana.

Esta manhã, nesta Catedral, durante a missa crismal, os presbíteros renovaram as suas promessas. Fizeram-no como Corpo e, dentro das exigências de uma fidelidade a Cristo, gostaria de acrescentar mais algumas reflexões.

Eles não se encontram aqui. Só que toda a Igreja deve estar consciente de um novo modo de interpretar o sacerdócio. No passado era vivido num estilo individual e a sua missão era interpretada em função do culto, daí serem chamados “sacerdotes”. Hoje, teremos de regressar às origens, onde o “sacerdote” era “presbítero” e vivia em verdadeira comunhão no presbitério.

Os padres não são chamados simplesmente a construir o presbitério, como se de uma tarefa importante se tratasse. São convocados, acima de tudo, a serem presbitério, uma vez que o presbitério existe antes do padre. Daí que ser presbítero é essencialmente ser corpo de pessoas solícitas e atentas aos outros, encorajando-se na estima recíproca, levando os pesos e fardos uns dos outros, sem invejas, ciúmes, divisões. Este ser corpo acontece, em primeira instância, na Igreja Particular, ou seja, na Diocese, o que leva a concluir que a responsabilidade pela comunhão eclesial deve a base do cumprimento fiel de uma tarefa que lhe é confiada pelo Bispo.

Todos os presbíteros participam da única missão da Diocese e, ainda que colocados num determinado lugar, não são pertença dessas comunidades ou das instituições. Não pode perdurar a ideia do “nosso padre” que trabalha para a paróquia e só faz o que esta necessita. A comunhão eclesial passa também pela compreensão dos fiéis no que concerne esta exigência. É fundamental que os presbíteros cresçam em comunidades sacerdotais, uma vez que isto comporta inúmeras vantagens: complementaridade de serviços, vantagens económicas nas residências comuns, maior qualidade na prestação de serviços e, acima de tudo, uma comunhão presbiteral alicerçada na Trindade.

Sempre na linha da comunhão, o presbítero deve privilegiar o relacionamento com as pessoas e investir todas as suas energias na luta contra o individualismo. As paróquias não podem ser um mero laboratório de actividades muito bem preparadas e realizadas. Se estas não nascerem da comunhão entre as pessoas e se não forem orientadas para criar laços familiares e de amor, que certamente ultrapassam qualquer limite geográfico, então perdem a sua verdadeira identidade.

A lógica da comunhão supõe que os leigos reconheçam a sua responsabilidade baptismal, expressa numa efectiva consciência eclesial, e que os sacerdotes se empenhem em promover uma presença diferenciada de ministérios e apostolados, não como expressão de uma necessidade momentânea mas consequência de um estatuto próprio. Estamos todos comprometidos na missão evangelizadora da Igreja e fazemo-lo promovendo carismas e responsabilidades diversificadas. Neste sentido, a identidade pastoral dos presbíteros redefine-se como a capacidade de promover e integrar todos os fiéis, numa síntese a que preside sem autoritarismos.

A Conferência Episcopal Italiana apresentava, de um modo admirável, esta revolução no ser e agir da Igreja como comunhão: “Os presbíteros devem valorizar sempre mais o seu ministério de pais da fé e guias na vida segundo o Espírito, evitando com grande cuidado cair num certo “funcionalismo”. De tal modo que, apoiados na fraternidade presbiteral e na solidariedade pastoral, possam ser servos da comunhão eclesial, como aqueles que levam à unidade os carismas e os ministérios na comunidade, verdadeiros educadores missionários de que todos têm necessidade” (CEI, Il volto missionario delle parrocchie in un mundo che cambia, 11). Com esta mentalidade, teremos de descobrir momentos comuns de formação e, simultaneamente, momentos que permitam evidenciar a mesma paixão num serviço complementar ao único Evangelho.

Em Quinta-feira Santa do Ano Sacerdotal, e impelido pelo ícone do lava-pés, quis sublinhar o rosto de comunhão da Igreja Arquidiocesana. Faço-o como prece ao presbitério arquidiocesano, assim como aos leigos já empenhados no acolhimento e anúncio do Evangelho e ainda a outros que queiram encetar esta caminhada eclesial.

Necessitamos de aprender “a gramática” da comunhão de vida, que deve ser pronunciada, em primeiro lugar, pelos presbíteros, ou talvez em uníssono com os nossos cristãos. Somos todos aprendizes e o fundamental é que invistamos tempo e energias nesta prioridade. Não é fácil. Não podemos dispersar, andando de um lado para outro, ou, o que é pior, atribuindo as responsabilidades aos outros.

Como consequência, que não quer dizer adiamento, devemos fazer com que a mesma gramática da comunhão encontre uma expressão visível no trabalhar juntos com os dons de todos, na aceitação da diversidade, no diálogo da procura e correcção fraterna, na revisão que não magoa, no apontar de rectificações a fazer.

Só temos um único Senhor e Mestre. Sigamos as Suas pegadas e compreenderemos a Eucaristia, o sacerdócio e o amor.

Braga, 01 de Abril de 2010,

Quinta-feira Santa,

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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