Encerra-se o 4º Congresso Nacional da Associação Cristã de Empresários e Gestores com a Santa Missa do 2º Domingo da Páscoa. Quer isto dizer que não se “encerra”, antes se prolonga, pois assim é toda a Missa, que nos envia a testemunhar a vida ressuscitada que nos oferece. O Congresso teve precisamente como tema “Empresários e Gestores: Missão e Valores perante os desafios de hoje”. É de “missão” que se trata, outro modo de dizer envio. Daqui partireis decerto mais convictos de que no mundo da empresa e da gestão se abre um campo vasto, complexo e inadiável de missão, em tempos difíceis mas por isso mesmo à altura da vossa criatividade e coragem. Como cristãos sabeis muito bem que essa é exactamente a fronteira aberta dos discípulos do Ressuscitado, que persistem e recriam, em constante Páscoa. Lembrava-nos o Evangelho que na tarde daquele dia – o dia da Páscoa que eles ainda não sabiam – os discípulos continuavam fechados em casa e com medo que lhes acontecesse porventura o mesmo que a Jesus, condenado e morto. Mas eis que Jesus “se apresenta” no meio deles e lhes dá a paz e o Espírito, para prosseguiram a sua obra de reconciliação, isto é, de recomeço geral das vidas e de todas as coisas. Caríssimos irmãos, é esta a experiência fundamental que fazemos em Igreja, em cada celebração eucarística, como estamos aqui e agora. Não há “portas fechadas” que impeçam Cristo de continuar connosco, para nos pacificar o coração e nos dar força bastante para a missão que temos. Força que é a do seu próprio Espírito, que recebe do Pai e partilha connosco. Espírito que criou o mundo e agora o ressuscita e recria em Cristo e nos que são de Cristo, para a felicidade de todos. É esta a missão. E, falando também de valores, o que mais “vale”, no sentido de poder e conseguir, é o Espírito de Cristo em vós, que vos dá coragem e lucidez para estardes activamente na primeira linha da reconstrução social, que tem na empresa e na gestão, como na economia em geral, um factor determinante. Mas o Evangelho ouvido adianta ainda outro importantíssimo ponto. Dizia que Tomé, um dos discípulos, não estava com eles naquela altura, não acreditando depois no que lhe contaram. Oito dias depois – ou seja neste 2º Domingo da Páscoa – “estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles”. Viu então Jesus e acreditou. Significa este trecho que a nossa reunião em nome de Cristo e dos valores evangélicos é condição indispensável, para “vermos” Cristo e a vida a partir de Cristo. É este o significado da Igreja como comunidade cristã onde ouvimos a Palavra de Cristo, experimentamos a sua presença e comungamos da sua vida e missão. É por isso que sois “Associação Cristã”, para que, na partilha mútua, ganheis o Espírito de Cristo, que vos inspirará na empresa e na gestão, como nos vários aspectos da vida, da família à sociedade e à cultura. Diria assim: tão simples como isto, tão imprescindível sobretudo. A sociedade portuguesa, atingida pela presente crise sócio-laboral, com reflexos tão preocupantes na vida das famílias e no futuro dos jovens e dos desempregados em geral, olha também para a Igreja, à espera de sinais concretos de proximidade e ajuda. Pessoalmente falando e estando ao serviço duma diocese muito atingida por falências e desempregos, tenho verificado a disponibilidade de muitas pessoas e instituições da Igreja nesse sentido: paróquias, institutos religiosos, associações, irmandades e grupos informais vão somando apoios às pessoas necessitadas, o mesmo se dizendo da Cáritas, da Obra Diocesana de Promoção Social ou das Conferências Vicentinas. Creio, no entanto, que associações como a vossa, caríssimos empresários e gestores, têm aqui um lugar fundamental e insubstituível, dada a especificidade dos problemas que enfrentamos no país, como além dele. Esta é uma ocasião irrecusável para a ACEGE, em termos de intervenção na sociedade portuguesa, como presença cristã, competente e generosa. E como competência “cristã” propriamente dita, com os valores que a inspiram, ou seja, o pensamento social cristão ou Doutrina Social da Igreja. A reflexão somada neste campo, sobretudo desde que a revolução industrial se expandiu, a par da organização política contemporânea e até à presente globalização, é efectivamente muita e diversificada. Mas o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), indispensável vade mecum para todo o empresário e gestor cristão, proporciona-nos um quadro geral de ideias e métodos para a missão que nos compete. Permiti-me que vos deixe uma brevíssima resenha dos pontos essenciais a ter em conta, porque também aqui se aplica a sentença de que “não há nada mais prático do que ter ideias claras”. Especialmente na actual conjuntura, que, sendo de crise, deverá ser oportunidade para nos refazermos doutro modo, na sociedade, na economia e na mentalidade. A Doutrina Social da Igreja assenta em quatro “princípios permanentes”, que devem sustentar tudo quanto se pense e faça neste campo. São eles: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade (cf. CDSI, nº 160). Não podendo referir agora tudo quanto inclui cada um destes princípios e valores básicos, que todo o empresário e gestor cristão há-de ter em conta nas suas iniciativas e decisões concretas, adiantarei apenas o seguinte: O respeito pela dignidade da pessoa humana concretiza-se, além do mais, em “considerar ‘o próximo’, sem excepção como ‘outro eu’, tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a viver dignamente”. Por isso, “é necessário que todos os programas sociais, científicos e culturais sejam orientados pela consciência do primado de cada ser humano” (cf. CDSI, nº 132). O bem comum entende-se como “o conjunto das condições da vida social que permitem, tantos aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (cf. CDSI, nº 164); daqui derivando, objectivamente, tanto a responsabilidade de todos – dos Estados aos cidadãos em geral – pelo seu alargamento quantitativo e qualitativo, como o destino universal dos bens, que a propriedade privada não deve contrariar antes valorizar, dado “o dever dos proprietários de não manterem ociosos os bens possuídos e de os destinar à actividade produtiva, também confiando-os a quem tem desejo e capacidade de os levar a produzir” (cf. CDSI, nº 178). Por seu lado, a subsidiariedade determina que “todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda (subsidium) – e portanto de apoio, promoção e incremento em relação às menores” (cf. CDSI, nº 186). Nas actuais circunstâncias significará que o papel do Estado, gerindo as contribuições de todos, com especial atenção aos mais pobres ou empobrecidos, deve sobretudo estimular e apoiar tudo quanto a vitalidade social manifestar. Finalmente, a solidariedade, sendo um princípio social, “é também uma verdadeira e própria virtude moral”, qual “determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”, segundo uma incisiva afirmação de João Paulo II recolhida no Compêndio (cf. CDSI, nº 193). Caríssimos sócios da ACEGE, com estes princípios e valores partireis em missão. Retomareis o quadro ideal e tantas vezes procurado que São Lucas desenhou nos Actos dos Apóstolos, como ouvimos na 1ª Leitura, unindo os crentes na partilha dos bens: “A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma; ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum. […] Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade”. Sabemos que este trecho bíblico foi glosado por vários movimentos sociais, nem sempre com a devida compreensão dele. Na verdade, não se tratava de imposição mas de conversão, unindo os “corações” e levando à partilha. Os aludidos princípios da Doutrina Social da Igreja, atendendo a cada um deles e conjugando-os entre si e na prática, levar-nos-ão aonde precisamos de nos reencontrar como sociedade portuguesa. Melhor e mais além. Para tal temos felizmente a altíssima figura de Nun’Álvares, o Santo Condestável agora canonizado. No tempo que vivemos, é muito estimulante aquela figura juvenil e determinada que verdadeiramente defendeu e refundou o país, como terra da nossa criação comum. Assim a tomava ele, ultrapassando antigos vínculos, menos “nacionais” e fundando em tempos de gravíssima crise uma “nova idade” em que Portugal deu ao mundo o melhor e mais surpreendente de si próprio. Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 18 de Abril de 2009 + Manuel Clemente, Bispo do Porto