Homilia de D. Manuel Clemente na dedicação da Sé do Porto e início do Ano Pastoral 2011-2012

– Em Cristo e nos que vivem em Cristo está a resposta, como sempre e esplendidamente esteve!

Amados irmãos, especialmente vós os que a vários títulos vos corresponsabilizais comigo e com os Senhores Bispos Auxiliares nos serviços centrais e órgãos colegiais da Diocese do Porto, ou nas 22 Vigararias e na lecionação de Moral e Religião Católica, em pleno início dum novo ano escolar:

1. Ano pastoral, contexto social e nova evangelização a fazer

A Dedicação da Sé proporciona-nos anualmente a feliz ocasião de retomar a normalidade das atividades diocesanas naquilo a que se convencionou chamar um novo “ano pastoral”. É já uma designação corrente, mas nem por isso indistinta. Na verdade, só se pode dizer assim se realmente participar – participarmos nós todos, os que, na responsabilidade de cada um, nos dispomos a protagonizá-lo – dos sentimentos e da atitude de Cristo, “o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas” (Jo 10, 11).

E é muito significativo que o discurso do Bom Pastor seja colocado pelo evangelista no contexto da festa da dedicação do templo de Jerusalém. Templo que Jesus já purificara, num episódio anterior – o que acabámos de escutar -, para responder surpreendentemente: “Destruí este templo e em três dias o levantarei”. E o evangelista esclarece: “Jesus falava do templo do seu Corpo” (cf. Jo 2, 13 ss). Anunciava, podemos dizê-lo, uma nova dedicação e um novo templo. Jesus dedica-se a si mesmo como o novo templo em que nos encontramos agora, na oferta ao Pai para a salvação de todos.

Esta é a verdade da Igreja e a sua operação no mundo: a Páscoa de Cristo, feita, também por nós, Páscoa do mundo, com a verdade primeira e última de que só na entrega nos realizamos plenamente. É o nosso “segredo”, que – aqui positivamente – será proclamado sobre os telhados (cf. Lc 12, 3). Com o “novo ardor, novos métodos e novas expressões” que caracterizam a nova evangelização, tão inadiável e premente.

O ano pastoral que inauguramos – 2011-2012 – acontece num preciso momento da sociedade e da Igreja que não podemos nem queremos ignorar. Muito pelo contrário, é este o cronos que o Espírito de Deus quer fazer kairos, por entre as alegrias, as esperanças, as tristezas e as angústias (cf. Gaudium et Spes, 1) que a todos geralmente respeitam.

A sociedade portuguesa – como tantas outras da Europa e além desta – sofre uma “crise” que verdadeiramente se pode chamar assim, tanto por sobressaltar o curso normal de muitas existências, como por exigir um sério “juízo” sobre o que a originou e como sair dela.

Na encíclica Caritas in Veritate, Bento XVI já fez tal juízo e apontou-nos as necessárias mudanças a empreender, decerto na sociedade e na economia, mas prioritariamente nas consciências individuais e “coletivas”, se assim se pode dizer. Trata-se de levar muito mais a sério do que se tem feito e a todos os níveis da sociedade civil e política aquele conjunto de princípios que a Doutrina Social da Igreja enuncia basicamente como: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 160). No que nos diz diretamente respeito, como Igreja Portucalense, sugiro e quase requeiro que, neste ano pastoral, cada comunidade cristã e cada associação de crentes não deixe de reler esta parte do Compêndio da D.S.I., para ajuizar do que faz e deve fazer, muito concretamente, a partir daí.

2. Jornadas Mundiais da Juventude: um sinal dos tempos

Quanto à Igreja em geral, temos de tirar conclusões e consequências do que de mais relevante aconteceu ultimamente. Seleciono em especial as Jornadas Mundiais da Juventude, que vivemos com o Santo Padre e mais de um milhão de jovens em Madrid, há menos de um mês.

O que ali experimentámos e agora continua no espírito de tantos jovens que nelas participaram – inclusive da nossa diocese – é, sem dúvida alguma, um “sinal dos tempos” de primeiríssima ordem. Compete-nos agora – como o urgiu o Concílio há quase meio século – perscrutar e interpretar evangelicamente tal sinal (cf. Gaudium et Spes, 4) dando-lhe o melhor seguimento na vida eclesial. O que se passou nas Jornadas configura já aquela performatividade da esperança a que Bento XVI aludiu na sua segunda encíclica (cf. Spe Salvi, 2): pela sua alegria e disponibilidade, pela sua procura e adesão ao convite papal, aqueles jovens já davam substância e atualidade à esperança que inegavelmente constituem para a Igreja e para o mundo.

Foi, de facto, um magnífico sinal dos tempos, porque tantos jovens do catolicismo mundial se evidenciaram ávidos de comunhão autêntica, nas duas dimensões que cristãmente a definem: a busca de Deus e a disponibilidade para os outros. Nas múltiplas manifestações que preencheram aqueles abençoados dias, este verdadeiro “essencial cristão” demonstrou-se exuberantemente.

E, bem assim, o sentido pascal da existência. As Jornadas Mundiais da Juventude configuram propositadamente um “tríduo”, que leva da meditação da Paixão, à grande vigília de sábado e à Missa final do domingo. Isto mesmo, com o misto de cansaço e alegria, com as catequeses e o culto eucarístico, com as oportunidades de convívio, reflexão e celebração da Reconciliação, tudo proporciona aos jovens participantes uma forte experiência de encontro com Cristo vivo na sua Igreja e nos múltiplos sinais em que nela se evidencia. Também não é por acaso que todas as edições destas Jornadas redundam em descobertas e decisões vocacionais, sempre na ordem das centenas e com as mais variadas especificações.

3. Família e Juventude: viver em comunhão, formar para a comunhão

Amados irmãos: Se me detive um pouco mais nas Jornadas Mundiais da Juventude foi também para reforçar o que já foi anunciado, ou seja que na Diocese do Porto nos dedicaremos neste ano – e porventura além dele – aos pontos centrais da Família e da Juventude. Assim decorreu da avaliação feita à Missão 2010 e assim foi colegialmente decidido que se fizesse.

É claro e sabido que a programação pastoral duma diocese já está previamente preenchida com tudo o que ocupa quase a cem por cento a normalidade das ações comuns dos pastores e das comunidades, ou seja, com a pregação e a catequese, a piedade e os sacramentos, a ação sóciocaritativa. Mas também sabemos que é conveniente destacar algum ponto mais urgente, quer em todas essas ações habituais, quer com realizações mais oportunas. É agora o caso da Família e da Juventude, continuando e especificando a missão.

Quer isto dizer que paróquias e vigararias, congregações e institutos, associações e movimentos, todos são convidados a ter tais pontos muito presentes no que fizerem por si ou conjuntamente. Já em maio passado tive ocasião de escrever aos padres, pedindo-lhes que combinassem entre si e inter-paroquial ou vicarialmente algumas ações específicas para a Família e a Juventude. Na última reunião de vigários e adjuntos já se partilharam algumas ideias nesse sentido, cuja concretização avançará certamente agora.

Por seu lado, os nossos Secretariados Diocesanos também terão estes dois pontos particularmente em vista, na ação conjugada que desenvolvem. Perspetiva-se desde já uma grande atividade para toda a Diocese, quase um encontro geral de famílias e jovens, nos três primeiros dias de junho.

E, com esta dupla incidência, de novo se evidenciarão quer a referida essencialidade cristã, quer o sentido pascal da existência. O lema poderá ser, ligando o significado da família com a pedagogia juvenil: “Viver em comunhão, formar para a comunhão”.

4. Com exemplos concretos de santidade reconhecida

Estimados vigários e adjuntos, que agora iniciais ou continuais a importantíssima tarefa de coordenação pastoral que vos incumbe; estimados professores de Educação Moral e Religiosa Católica que estais a começar um novo ano escolar, com tão relevante encargo; caríssimos irmãos todos, aqui felizmente presentes, numa “dedicação” que, relembrando a desta venerável catedral, é sobretudo nossa: Deixai-me acrescentar ainda uma sugestão prática, muito recebida de João Paulo II e Bento XVI, qual seja a da importância dos exemplos concretos de santidade reconhecida.

Todos lembramos a preciosa indicação de Paulo VI, de que “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (Evangelii Nuntiandi, nº 41). Pois bem, sugiro-vos a todos que, em relação à Família ou à Juventude, deis os exemplos magníficos de quantos foram recentemente elevados aos altares porque demonstraram, ao longo do século XX, o que é uma família cristã e o que é um jovem cristão.

Sobre a família, tendes o exemplo dos esposos Luís e Maria Beltrame Quatrocchi, beatificados conjuntamente há dez anos e pelas virtudes de cada um, sendo a primeira vez que tal aconteceu. Deles escreveu o bispo e teólogo Bruno Forte: “[A de Luís e Maria Beltrame Quattrocchi] é antes de mais a história dum profundíssimo amor humano, feito de paixão e delicadeza, de doação e fidelidade totais, de partilha e comum empenho em amar e servir a vida em si e nos outros, começando pelos amadíssimos filhos. […] As cartas, os gestos, as atenções destes dois enamorados, que assim se mantiveram não obstante o correr do tempo e a fadiga dos dias, são um hino à beleza e à dignidade de tudo o que é verdadeiramente humano, um testemunho do valor altíssimo duma vida vivida a dois com sabedoria e responsabilidade, que em tudo e para tudo souberam ser como um só” (Cf. prefácio de Bruno Forte ao livro de Giorgio Papàsogli, Questi Borghesi… I Beati Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi, Siena, Edizioni Cantagalli, 2001, p. 5).

Sobre a juventude, tendes os vários jovens beatificados pelos dois últimos papas, de Marcel Callo, militante do Escutismo e da Ação Católica, morto num campo de concentração nazi porque aí mesmo prosseguia o seu apostolado com os outros prisioneiros, a Chiara Luce Badano (Clara Luz), luminosa focolarina a que nem a doença tirou a alegria e a fé irradiantes. Indico-vos ainda um outro jovem, beatificado em 1990 por João Paulo II, que lhe chamou “o jovem das oito bem-venturanças”, e que já marcou tantos jovens católicos, sempre sensíveis à sua espantosa irradiação de vigor e caridade. Refiro-me obviamente a Pedro Jorge Frassati, a quem o grande teólogo Karl Rahner dedicou as seguintes palavras: “Frassati representava o jovem cristão puro, alegre, dedicado à oração, aberto a tudo o que é livre e belo, atento aos problemas sociais, que trazia no coração a Igreja e os seus destinos” (Karl Rahner. Cf. Maria Di Lorenzo, Pier Giorgio Frassati. O amor nunca diz: “Já chega!”, Lisboa, Paulinas, 2003, p. 133).

Amados irmãos: estes e outros bem-aventurados nos guiarão no presente ano pastoral, em torno da família e da juventude, que eles tão exemplarmente figuraram. Com eles saberemos motivar as nossas famílias e jovens, nas comunidades e nas escolas, para continuarem a ser resposta de Deus ao mundo. – Em Cristo e nos que vivem em Cristo está tal resposta, como sempre e esplendidamente esteve!

Importa então recebê-la, para a prolongar agora. E aqui nos encontramos – imprescindivelmente nos encontramos! – com Maria Santíssima, Mãe de Cristo e da Igreja, magnífico modelo de nós todos no acolhimento da Palavra divina e na sua transmissão ao mundo. Celebrámos ontem a Natividade da Virgem Maria, nove meses depois da sua Imaculada Conceição, que de novo teremos em dezembro. Virão depois o Natal de Cristo, que por Ela aconteceu, e Santa Maria Mãe de Deus, para começarmos religiosamente o novo ano civil… Proponho-vos instantemente, amados irmãos e irmãs, que não deixeis passar nenhuma destas e outras datas litúrgicas sem aprofundardes criativamente a necessária dimensão mariana da existência cristã, particularmente com as famílias e os jovens.

Estou certo e certíssimo de que o acolhimento filial e confiante da Mãe de Cristo – da Mãe que Ele mesmo nos deu ao pé da Cruz – é condição básica para a compreensão profunda e o seguimento certo do Evangelho eterno.

– E, como foi no Cenáculo, com Maria e os discípulos a inaugurarem a primeira evangelização, assim será agora, com Ela sempre, justamente proclamada “Estrela da Nova Evangelização”!

D. Manuel Clemente
Sé do Porto, 9 de setembro de 2011

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