Homilia de D. José Policarpo na ordenação episcopal de D. José Cordeiro

«Vai, toma conta da minha Vinha»

1. Tanto o Profeta Isaías como o evangelista São Mateus comparam o Povo de Deus a uma vinha cuidada com ternura pelo seu dono, que dela espera frutos dignos desse cuidado. “A vinha do Senhor é a Casa de Israel e os homens de Judá são a plantação escolhida” (Is. 5,6-7).

A vinha do Senhor é a sua Igreja, o novo Povo de Deus, fruto fecundo e inesperado do sacrifício do seu próprio Filho, porque “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular” (Mt. 21,42).

Em ambos os textos se mostra uma certa desilusão do Senhor pela sua vinha: não deu os frutos que Ele esperava e que a sua solicitude tornava possíveis. Deu uvas azedas, e aqueles a quem Ele entregara o cuidado da vinha, maltratam os seus enviados e mataram o seu próprio Filho.

A vinha do Senhor sois vós, Igreja de Bragança-Miranda. Hoje, dia em que o Senhor vos envia mais um mensageiro, um sucessor dos Apóstolos de Jesus, deveis perguntar-vos: que espera de nós, o Senhor? A resposta é-nos dada pelo Apóstolo São Paulo na sua Carta à Igreja de Filipos: “Tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, é o que deveis ter no pensamento” (Fil. 4,8). A resposta é, pois, simples e clara: espera de vós uma Igreja santa, a Santa Igreja de Deus.

2. É, também, compreensível que aquele que o Senhor hoje vos envia se pergunte: que quer o Senhor, o dono da vinha, que eu faça, por esta sua vinha? Ele não pode esquecer que é enviado a cuidar da vinha, para que ela dê os frutos que o Senhor espera, mas não pode igualmente esquecer que também ele faz parte da vinha. A beleza dos frutos que o Senhor espera da sua Igreja têm de resplandecer, antes de mais, na vida do seu pastor, para quem ousadia do Apóstolo Paulo constitui um desafio: “O que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em Mim é o que deveis praticar. E o Deus da Paz estará convosco” (Fil. 4,9).

O Bispo é um dom de Deus à Igreja. Sucessor dos Apóstolos de Jesus, ele garante a plenitude do sacerdócio apostólico, expressão sacramental de Cristo, fonte da redenção. Sem esta fonte permanente, a jorrar rios de água viva, a Igreja nunca será o Reino de Deus. Ela transformar-se-á naquela vinha que desilude o seu proprietário, incapaz de produzir os frutos que Ele esperava.

A Igreja enquanto povo santo e caminho de santidade é um mistério de graça, isto é, fruto da acção continuada e transformadora do Espírito de Cristo ressuscitado. E por vontade do próprio Cristo, esta fecundidade exprime-se de um modo particular na graça sacramental do sacerdócio apostólico.

O ministério do Bispo é, pois, decisivo para a autenticidade da Igreja. Ele exprime a graça redentora pela acção sacramental de que ele é, na Igreja, o ministro primeiro. Mas o próprio Bispo é também chamado a exprimir esta mesma graça redentora na sua vida pessoal, toda ela marcada pela exigência do ministério, e que encontra a sua principal expressão na solicitude pelo crescimento da Igreja.

Esta solicitude é expressão do amor de Cristo pela Igreja, é aquela ternura pela vinha do Senhor, cuidando dela para que dê fruto. Esta solicitude atinge toda a nossa vida de Bispos: é zelo, preocupação contínua, atenção a cada pessoa, discernimento dos caminhos do Reino de Deus em cada circunstância da história. É denúncia de todas as rotinas, é atitude do profeta que se transforma em sentinela.

Mas a vinha do Senhor está, hoje, plantada em toda a terra. A solicitude do coração do Bispo não pode dirigir-se apenas a uma parte da vinha. Membro do Colégio Apostólico, o Bispo não pode deixar de ter no seu coração a solicitude por todas as Igrejas, fruto da comunhão com os seus irmãos Bispos do mundo inteiro. O ministério do Bispo é força de comunhão, de abertura missionária, o seu coração apostólico é chamado a ter as dimensões do coração de Cristo.

Desde os primeiros séculos, quando era ordenado um novo Bispo, a presença do maior número possível de Bispos na sua ordenação era garantia de que aquele Bispo que lhe era enviado, estava em comunhão com o Sucessor de Pedro e com todo o Colégio Apostólico: não era nem herege, nem cismático; professava a mesma fé e guardava no seu coração o desejo ardente de comunhão com toda a Igreja. Hoje o próprio processo de nomeação de um Bispo, conduzido pelo Sucessor de Pedro, Cabeça do Colégio Apostólico, garante à Igreja a quem ele é enviado, a unidade na fé e no zelo por toda a vinha do Senhor.

3. O Bispo partilha a solicitude pela Igreja a que é enviado com os presbíteros, aos quais, pela imposição das mãos, fez participantes do sacerdócio apostólico. Jesus entregou o mandato apostólico, não a doze indivíduos, mas a um Colégio, isto é, a um corpo unido na caridade e na missão, participando todos da mesma solicitude pela vinha do Senhor. Por isso o Bispo vive o seu sacerdócio, formando com os presbíteros um Colégio, que age como um só, unidos na solicitude pela Igreja particular: eles formam um presbitério, de que o Bispo é a cabeça e princípio da unidade.

Os presbíteros de uma Diocese não são um conjunto de indivíduos, porventura dedicados, cada um a fazer o melhor que pode, como acha. Eles são um corpo, agem como um único sujeito em tudo o que diz respeito à missão sacerdotal. Esta unidade do presbitério é o princípio da construção de uma Igreja comunhão, comunidade de comunidades. Todos presidem à Eucaristia em comunhão com Bispo e aí toda a Igreja se descobre como unidade, deixando de ser um conjunto de indivíduos piedosos, para serem o Povo do Senhor, participando, com os seus Pastores, na edificação da Igreja como comunhão na caridade, no ardor da missão, no testemunho do amor fraterno.

Meu caro D. José Cordeiro, a tua vida ganha hoje um sentido novo e definitivo. O Senhor diz-te hoje: vai, toma conta da minha vinha. Não estás sozinho, nunca o queiras fazer sozinho. Ama os teus presbíteros de modo a fazeres com eles a comunhão que vos levará, em uníssono, a ter a mesma solicitude pela Igreja. Vive sempre unido, em comunhão, aos teus irmãos Bispos, de cuja unidade o Santo Padre, Sucessor de Pedro, é um sinal forte e eficaz. A nossa presença aqui é um sinal de que os teus irmãos Bispos partilham contigo a solicitude por esta querida Igreja de Bragança-Miranda, que, apesar de ser a mais longínqua no mapa de Portugal, não é a mais distante da nossa solicitude de pastores.

Nestas belas paragens, a vinha do Senhor tem produzido – e há-de continuar a produzir – belos frutos, com a doçura da santidade, que fazem a alegria do Dono da vinha.

D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa

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