Homilia de D. Claude Schockert na Missa da Peregrinação internacional dos Migrantes a Fátima

Caros amigos peregrinos, é com imensa alegria que juntamente com os meus irmãos bispos e tantos sacerdotes, celebro convosco a Eucaristia neste dia que desejamos viver em comunhão com os nossos irmãos migrantes e refugiados.

Viestes em grande número de muitos países e também de França, a terra em que vivemos, neste tempo de Verão, para reforçar as vossas raízes culturais, familiares e esprituais, neste regresso à vossa terra e aqui a Fátima. Os mais antigos migrantes dentre vós lembram-se ainda das razões, quantas vezes dolorosas e até dramáticas, que os levaram a deixar a sua terra de origem e a emigrar para outros países em que o acolhimento tantas vezes deixava muito a desejar.

Neste ano do centenário do nascimento da Jacinta, acolhemos como nossa a preocupação de Bento XVI, o nosso Papa que aqui esteve em Maio passado, de rezar e de reflectir sobre a situação dos migrantes e refugiados menores: crianças, adolescentes e jovens. 

Sim, queridos peregrinos, «Com Francisco e Jacinta, acolhamos Cristo nos Migrantes e Refugiados menores».

Francisco e Jacinta foram essas «duas candeias que Deus acendeu para alumiar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas». Que estas candeias iluminem o caminho dessas multidões de crianças e de adolescentes migrantes e refugiados do nosso mundo!

É uma realidade incontestável que o rosto dos migrantes e dos refugiados tem cada vez mais as feições dos menores. Com os pais, deixam os seus países em guerra ou demasiado pobres para os alimentar. São milhares a lançarem-se nos caminhos da migração. Esses caminhos, cheios de ciladas para os adultos são ainda mais dolorosos para os mais jovens. Estas crianças vieram ao mundo com as mesmas legítimas aspirações de felicidade que todas as outras. Precisam igualmente de estabilidade, serenidade e segurança para crescerem e se tornarem plenamente homens e mulheres. Mesmo se na opinião pública é um pouco mais importante a consciência da necessidade de uma acção pontual e constante para proteger os menores, na realidade um número significativo dentre eles são deixados ao abandono e encontram-se expostos a riscos de exploração, vítimas, entre outros, de tráficos diversos e de prostituição.

A estas crianças e a estes menores, migrantes e refugiados, ousemos dizer: «A Igreja é a vossa casa. A vossa vida é preciosa aos nossos olhos, porque também o é aos olhos de Deus. Nós não vos abandonamos!»

Às comunidades paroquiais das nossas dioceses lembremos, a tempo e contratempo, que a mensagem do Evangelho não é matéria de opção: «aquele que acolher uma criança como esta em meu nome, é a mim que acolhe».

O profeta Ezequiel desejava, do fundo do coração, o regresso dos exilados e a reunião do povo na sua terra. E Deus prometia realizar essa reunião ao mesmo tempo que transformaria os corações de pedra em corações de carne e daria a cada um espírito novo.

Nesse sentido, o fenómeno migratório que sofre hoje uma aceleração notável modifica a face de cada país e de todos os países. O horizonte que está em jogo é não só a Europa mas o mundo inteiro. Contudo o horizonte que nos é próprio e de que temos necessidade pela sua urgência é o horizonte da fé.

Olhando o horizonte da Europa e do mundo, as crianças e os jovens dizem-nos a urgência de descobrirmos e de vivermos uma fraternidade universal que Jesus veio trazer à terra

Na época de Fernão de Magalhães, vosso compatriota do século XV, época de descobertas de terras até então desconhecidas, a diversidade dos povos e das culturas não metia medo. Os povos viviam longe uns dos outros. Contudo, agora, este vasto mundo tornou-se cada vez mais pequeno, tornou-se uma aldeia em que somos vizinhos uns dos outros.

O desafio da fraternidade entre homens e jovens de culturas e de religiões diferentes transformou-se num desafio absoluto, histórico, já que corremos riscos enormes ligados ao terrorismo, ao choque de civilizações, às guerras, à fome, à crise energética e ao monopólio da água.

Nestas circunstâncias, que caminho seguir para um futuro comum?

O horizonte que está em jogo é a Europa e o mundo. Contudo, repito, o horizonte que nos é próprio e de que temos necessidade pela sua urgência é o horizonte da fé.

Nas horas sombrias e inquietas da nossa história, em 1917, a Virgem Maria, Nossa Senhora de Fátima, dirigiu-se ao Francisco, à Jacinta e à Lúcia, ilustrando as palavras de S. Paulo: «O que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é o que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa.”1Co1:27-28.

A mensagem de Maria é uma mensagem de fé e de esperança para todos os homens e mulheres do nosso tempo, seja qual for o seu país. “ A minha mãe e os meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. Maria é a mulher da escuta: vêmo-la a quando do encontro com o Anjo e revêmo-la em todas as cenas da sua vida, desde as bodas de Caná até à Cruz e até ao dia de Pentecostes quando se encontra no meio das Apóstolos para acolher o Espírito.

Ela acompanhou seu Filho Jesus até à hora da paixão, da morte, da ressurreição, da Páscoa, a hora do amor que venceu a morte.

Nesta terra de Fátima, Maria veio ter com o Franciso, a Jacinta e a Lúcia convidando-os a oferecerem orações e sacrifícios pelos pecadores, declarando-lhes que os faria penetrar na intimidade de Deus. Foi assim que uma luz os invadiu até ao mais profundo das suas almas ao ponto de se sentirem mergulhados em Deus como quando uma pessoa, segundo as suas próprias palavras, se vê num espelho.

Nos caminhos das nossas vidas, quantas vezes sombrios, Nossa Senhora é uma luz de esperança que nos ilumina e nos orienta no nosso caminhar. Pelo seu sim ao Anjo da Anunciação, pelo dom generoso de si própria, Maria abriu a Deus as portas do nosso mundo e da nossa história. Convida-nos a viver como ela numa esperança que nada pode perturbar, recusando dar ouvidos a todos aqueles que acreditam estarmos condenados à fatalidade das nossas vidas. Maria acompanha-nos com a sua presença materna nos acontecimentos pessoais, familiares e dos nossos povos.

Nesta terra de Fátima, como em muitas outras de tantos países em que costumais reunir-vos, católicos da diáspora portuguesa, vamos pedir à Mãe do Senhor o dom de termos olhos que reconheçam a presença de Jesus crucificado nos migrantes e refugiados menores. Na Cruz, o Filho de Deus partilha as lágrimas e a obscuridade da humanidade e assume em si a dor e as trevas até ao dom da sua vida. O Filho de Deus uniu-se à humanidade real. Vamos pedir o dom de termos olhos que reconheçam a sua presença “crucificada” em todas as dores, noites e traições que suportamos e vivemos.

Vamos pedir o dom de termos olhos que reconheçam a presença de Jesus ressuscitado que nos prometeu estar “connosco todos os dias até ao fim dos tempos”. Olhos que descubram a sua presença e a sua acção na Europa, no mundo, em todos os lugares em que a sua palavra é anunciada, em que é celebrada a Eucaristia, em que duas ou três pessoas se reúnem em seu nome, em toda a parte em que homens e mulheres dão corpo ao amor, lutando pela justiça, a solidariedade, a paz, o perdão, a reconciliação e o acolhimento do estrangeiro.

Raros são aqueles que, como o Francisco e a Jacinta, vivem nesta espécie de mistério em que o homem pode começar a respirar um novo ar, um ar que vem de algures, que nos coloca directamente na presença daquele que tudo criou, daquele que deu ao homem a sua extraordinária dignidade e que é o único a poder salvá-lo!

Pela intercessão dos beatos Francisco e Jacinta, aprendamos a descobrir a grandeza a que somos chamados. Aprendamos a descobrir que Deus é uma Presença ardente no íntimo de cada um de nós; que Deus é a Presença mais actual e real, a Presença fora da qual não podemos encontrar mais ninguém!

Ao pé da cruz, com Nossa Senhora das Dores, vamos ouvir o convite a decobrir a luz da ressurreição e a confiança que transformam as lágrimas de Maria. Não há raciocínio que nos ajude a compreender o sofrimento. Contudo temos a certeza de que nos encontramos mergulhados num abismo de misericórdia. Maria partilha a compaixão de seu Filho e por isso deseja fazer entrar os pecadores e todos os que sofrem no dinamismo do seu Magnificat. Maria mergulha no íntimo do coração de seus filhos, esses espaço sagrado em que o amor louco de Deus se une a eles e os espera; é aí que ela os atrai, na fonte que nunca se esgota, que cria e recria, a partir de pouco ou nada, até mesmo a partir das recusas e do pecado.

Em Maria é a Igreja que se compreende e se recebe como testemunha da misericórdia. 

É este, queridos peregrinos, o horizonte da experiência da fé para que somos convidados no seio do nosso mundo, através do acolhimento e do acompanhamento dos nossos irmãos e irmãs migrantes e dos menores em particular.

D. Claude Schockert, Bispo de Belfort-Montbéliard e presidente do Serviço Nacional da Pastoral dos Migrantes de França

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