Homilia de D. António Francisco dos Santos no Dia Mundial da Paz

«Invocareis o meu nome e Eu vos abençoarei» (Num.6,25) SOLENIDADE DE SANTA MARIA MÃE DE DEUS 1. No início de um novo ano, na oitava do Natal, tempo habitado pela esperança, ouvimos com alegria as palavras do Livro dos Números, dirigidas por Deus ao povo de Israel, através de Moisés, o libertador e condutor desse povo: “ O Senhor te abençoe e proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz. Invocareis o meu nome e Eu vos abençoarei ” (Num.6,22-27). São de bênção igualmente as palavras de saudação à cidade, neste primeiro dia de 2009, ano em que celebramos 250 anos da elevação de Aveiro a cidade, e à diocese no início dum plano pastoral para ser vivido intensamente ao longo de cinco anos, no horizonte de um tempo jubilar de nova evangelização. São votos de bênção e de paz os que a todos exprimo na Solenidade litúrgica de Santa Maria Mãe de Deus e no Dia Mundial da Paz, que hoje celebramos. O olhar terno da Mãe acompanha-nos desde o início do tempo e desde o começo da vida, assim como Maria acolheu o Filho de Deus desde a encarnação do Verbo e desde o nascimento de Jesus e acompanha a Igreja em todo o seu percurso desde a sua origem. Confiemos este ano, em todo o tempo e em cada um dos dias, à protecção e à bênção de Maria, a Mãe de Deus, Mãe da Igreja e nossa Mãe. Confiemos-lhe a cidade e a diocese como mães que são do nosso viver solidário, da nossa comunhão fraterna e do nosso crescer na fé, na esperança e na caridade. Confiemos-lhe as nossas Mães e todas as famílias da diocese, com todos os seus projectos, esperanças e provações. 2. Ao celebrar a solenidade de Maria, Mãe de Deus, a liturgia de hoje acentua nas leituras proclamadas a referência ao “nome do Senhor” e à missão Jesus, o “Filho de Maria”. De Maria recebemos o Filho de Deus e nela encontramos a Mãe da Palavra da vida e do Dom da salvação. Maria, sublime mestra e educadora da fé, é estrela da esperança a iluminar o horizonte do nosso futuro e a conduzir os desígnios da humanidade na busca da plenitude da paz e da felicidade. Nasce deste mistério de salvação a nossa filiação divina e o nosso direito à herança e à liberdade de que nos falava S. Paulo na segunda leitura: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, para nos tornar seus filhos adoptivos…E se és filho também és herdeiro por graça de Deus.” (Gál.4,4-7). Irrompe igualmente deste mistério da encarnação do Verbo o fascínio dos pastores que se dirigiram apressadamente a Belém, atentos à voz dos anjos que anunciavam o nascimento de Jesus e com Ele a vinda do Salvador, o Príncipe da paz. Compreendemos assim o entusiasmo e a sabedoria dos pastores que não se cansavam de louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido. “Maria, a Mãe de Jesus, guardava todas estas palavras, meditando-as no seu coração” (Luc.2,19). O tempo que vivemos, tempo habitado pela esperança, apesar das situações de crise económica, financeira e social que se anunciam no horizonte, exigem dos cristãos disponibilidade para o silêncio contemplativo dos dons de Deus, coragem evangelizadora no anúncio profético da Boa Nova da salvação e uma eficaz pedagogia na construção solidária da justiça e da paz. A oração, a escuta da Palavra de Deus, o diálogo fraterno e construtivo, a acção solidária e participativa e a intervenção criativa e profética foram sempre paradigmas e critérios evangélicos da vida da Igreja e da missão dos cristãos, no decurso da história, que ajudaram a humanidade a vencer as dificuldades e fizeram renascer no coração humano a esperança e a paz. 3. É isso também o que nos propõe o Santo Padre Bento XVI na sua mensagem para este dia sob o lema: “combater a pobreza, construir a paz”. Num mundo em avançado, necessário e progressivo processo de globalização urge inscrever a urgência de erradicar a pobreza. É necessário compreender que isso depende de todos e exige dos mais responsáveis pelo bem comum uma análise atenta do fenómeno da globalização. O conhecimento da realidade é uma condição necessária para as respostas coerentes e consequentes que se impõem neste âmbito e neste tempo. Esta análise não pode ser meramente metodológica nem apenas voltada para as realidades materiais mas deve exigir um olhar alargado a tantos outros modos de pobreza moral, cultural, relacional e espiritual que desencadeiam situações de atropelo à dignidade da pessoa humana e ao justo equilíbrio das pessoas, das famílias e das instituições. O Santo Padre recorda-nos como pobrezas a erradicar e que mais afligem a humanidade, nesta hora, as campanhas de redução de natalidade que não respeitam o direito à vida, as pandemias como a malária, a tuberculose e a Sida, a pobreza das crianças que são as vítimas mais vulneráveis das carências que atingem as famílias, as despesas militares e os gastos injustificáveis em armamento e a crise alimentar que continua a afligir vários povos. Às vezes pensamos que, quando a realidade é assim formulada em termos universais, a pobreza está longe, distante ou ausente de nós, das nossas casas e das nossas terras. Bem ao contrário, a pobreza está à nossa porta, entrou já em muitas casas, magoa numerosas famílias, aflige tantos pais e mães e atinge sobretudo crianças, idosos e casais jovens. A pobreza tem hoje nomes novos. Chama-se desemprego, instabilidade no trabalho, insegurança face ao futuro, solidão na velhice, desconforto na doença, falta de casa, carência de pão em algumas mesas, exclusão social, marginalidade, ruptura de laços estruturantes da vida e da família, incerteza no horizonte provocada por tantos diálogos interrompidos e inúmeros conflitos abafados mas não resolvidos. A pobreza não é uma fatalidade histórica nem um desígnio corrosivo da humanidade a que não saibamos dar resposta. O direito a não ser pobre é um direito humano consagrado e o combate à pobreza deve mobilizar-nos a todos. Sentimos por todo o lado na nossa cidade e diocese vontade, generosidade, coragem e espírito criativo para fazermos do nosso tempo uma oportunidade e da nossa terra uma escola onde se eduque para a sobriedade, para a moderação e para a solidariedade. Ao sermos chamados a preparar a próxima Semana Social Nacional em Aveiro, de 20 a 22 de Novembro, devemos desde já assumir esta responsabilidade de, como pessoas, como Igreja e como sociedade civil, tudo fazermos para combatermos a pobreza e construirmos o bem comum e a paz. A capacidade empreendedora que nos orgulha e o espírito solidário que nos anima fazem de Aveiro, cidade e diocese, uma terra solidária e uma Igreja renovada na caridade, sinais de esperança no mundo. A terra fértil que habitamos, a lucidez diligente dos que servem a causa da educação aos seus diferentes níveis, o espírito construtivo de empresários e trabalhadores, a clarividente sabedoria dos que ouvem os pobres, a atenção solícita e solidária da Igreja, o serviço permanente de muitas pessoas e instituições aos mais pobres dizem-nos que o combate à pobreza já começou e que a construção da paz é um dever humano de todos e um imperativo cristão assumido por cada um de nós e por cada comunidade cristã da diocese. 4. A exemplo de S. Francisco, o incansável construtor da ecologia da paz, o contemplativo da natureza e da vida e o cantor dos dons de Deus, também eu rezo em nome de cada um dos diocesanos desta amada Igreja de Aveiro: “Faz-me, Senhor, instrumento da paz, da Tua paz.” Que o olhar de bênção e de paz da Mãe de Jesus, Senhora e Rainha da paz, nos ilumine e guie como estrela de esperança, bússola e farol nos oceanos imensos do mundo onde urge combater a pobreza e construir a paz. Que a intercessão de santa Joana Princesa, Irmã e Padroeira, nos dê a todos um ano de graça, de saúde e de bênção e nos faça construtores e mensageiros da esperança e da paz. +António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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