Homilia de D. António Couto na Solenidade de Nª. Sª. dos Remédios

Miqueias 5,1-4
Salmo 13(12),6; Isaías 61,10
Romanos 8,28-30
Mateus 1,1-16.18-24

 

1. O Salmo 13 que hoje cantamos como Salmo responsorial pediu emprestado a Isaías 61,10 o refrão que repetimos: «Exulto de ALEGRIA no Senhor!». Traduzido mais literalmente soaria com mais força ainda: «Transbordo de ALEGRIA no Senhor»! Típico da gramática desta ALEGRIA, é que não se trata de uma alegria nossa, que em nós nasce, que em nós começa e em nós acaba. Trata-se de uma ALEGRIA que vem de Deus, e por inteiro nos atravessa, nos enche a alma, nos enleva e nos eleva até Deus. Sim, é em Deus que esta ALEGRIA tem o seu começo e o seu fim. Bonito é que a figura que celebramos neste Dia, Maria, também tenha pedido este versículo emprestado a Isaías para conseguir compor, no Magnificat, a torrente da ALEGRIA que lhe inunda a alma e lhe faz pulsar a um ritmo novo o coração: «o meu espírito exulta de ALEGRIA em Deus, meu Salvador!» (Lucas 1,47), assim canta Maria. Quer isto dizer, meus amados irmãos, que a ALEGRIA verdadeira não é do nosso mundo, não é daqui, não se compra nem se vende em pacotes servidos em shows. Típico do show é servir uma alegria líquida e passageira, que tem a duração de um gelado a liquefazer-se nas mãos de uma criança. Esta alegria ténue e líquida tem a duração de um grito histérico. A ALEGRIA que vem de Deus, que jorra do coração de Deus, não se compra nem se vende, não se liquefaz, ninguém vo-la pode tirar (João 16,22), dura até à vida eterna. É a ALEGRIA que podeis serenamente contemplar, amados irmãos, no rosto, na voz e nos braços de Maria.

 

2. Sim, irmãos muito amados, a ALEGRIA que podeis contemplar no rosto de Maria vem de Deus, é Eterna como Deus, é a ALEGRIA que se vive na Casa de Deus, e é por isso que Maria vos encanta e me encanta, não um dia, mas sempre. Meus irmãos mais pequeninos, mais simples, mais humildes, vou revelar-vos um segredo que afinal vós já sabeis muito bem, tão bem que foi convosco que o aprendi. Sim, vós viestes aqui nove dias seguidos, às seis da manhã, e enchestes completamente este Santuário, esta Casa de Deus e de Maria. Cheios de ALEGRIA viestes, cheios de ALEGRIA regressastes a vossas casas, cheios de ALEGRIA voltastes aqui no dia seguinte, no dia seguinte, no dia seguinte. Apetece-me glosar aqui um intenso dizer de Jesus às multidões, registado no Evangelho de Mateus: «O que viestes ver aqui, irmãos? Uma cana agitada pelo vento? Mas o que viestes ver? Alguém vestido com roupas finas? Mas os que se vestem com roupas finas vivem nos palácios dos reis. Então, o que viestes ver? Um profeta? Sim, eu vos digo, e mais do que um profeta» (Mateus 11,7-9). Viestes ver Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, rainha dos Profetas. Viestes ver a ternura maternal de Deus, visível no colo de Maria. Viestes rezar. Viestes entregar a Maria as vossas dores e as vossas flores.

 

3. O Evangelho deste Dia põe diante de nós um imenso desfile de nomes e de gerações, desde Abraão até Jesus. Tantos nomes distribuídos por muitos séculos de história, mas que aqui, nesta admirável litania, aparecem lado a lado, como se fossem contemporâneos e irmãos e se pudessem mesmo dar as mãos. Oh admirável arte divina da Escritura Santa! Deus entretido a fazer miniaturas! Na verdade, Abraão está lá muito atrás no tempo. Uns quatro mil anos atrás de nós. Dois mil anos depois surge Jesus. Nós, que estamos aqui hoje, vulgarmente dizemos que estamos dois mil anos depois de Cristo e quatro mil depois de Abraão. E Deus diz-nos que não. Esta arte divina da miniatura, que é a Escritura Santa, faz-me, a mim e a ti, leitor e ouvinte de hoje, entrar na página, e tomar lugar ao lado de Jesus e de Maria e de Abraão. A miniatura é de quem ama. Por isso Deus, que é amor e ama e nos ama, meteu numa pequena partitura tantos nomes, os seus filhos queridos todos. Pode assim Deus estar sempre a olhar para os seus filhos e pelos seus filhos, e podemos nós sentir a ALEGRIA de sabermos que Deus olha por nós e que temos afinal muito mais irmãos do que pensávamos! A miniatura é de quem ama. É assim que os pais transportam na carteira, em formato pequeno, a fotografia dos seus filhos, mas o mesmo acontece com os amigos, os namorados, aqueles que se amam. E o mesmo sucede, quando nas paredes da nossa sala vamos dependurando quadros de familiares de séculos diferentes. Sim, irmãos amados, é esta a técnica, é este o amor, que faz com que hoje, apareçamos lado a lado com Abraão, David, mas também com Jesus, Maria e José.

 

4. A Bíblia é um livro cheio de nascimentos. Hoje é o dia de anos de Maria, o aniversário de Maria, que aqui, nesta sua Casa, saudamos de perto sob a invocação de Nossa Senhora dos Remédios. O humilde profeta Miqueias, saudou-a de longe, à distância de oito séculos no tempo, e de trinta quilómetros no espaço, lá do meio dos seus campos de Moreshet-Gat, a sua aldeia natal. Daí, levantou os seus olhos puros, carregados de verdade como árvores carregadas de frutos, e viu a cidade capital, Jerusalém, cheia de vícios, de vazio religioso, exploração dos pobres pelo rei e pelos poderosos. Miqueias denuncia esta situação escandalosa com uma linguagem duríssima. Escreve ele: «Por acaso, não cabe a vós, chefes de Jacob, dirigentes de Israel, conhecer o direito, vós que odiais o bem e amais o mal, que arrancais a pele do meu Povo, que lhe comeis a carne, cortando-a em pedaços e cozendo-a na panela, e lhe roeis os ossos?» (Miqueias 3,1-3).

 

5. Visto isto e dito isto, Miqueias levanta ainda mais os seus olhos muito claros, lancinantes, como estremes facas de dois gumes, e eis que vê nascer, ainda que à distância e em claro contraponto, um futuro novo, um mundo novo, que se condensa, não na figura de um rei, rico, viciado, explorador, mas no puro recorte de uma mãe que há-de dar à luz e amamenta um menino (Miqueias 5,2). Uma mãe que amamenta um menino. Este quadro, vê-o Miqueias, não a surgir da viciada capital, Jerusalém, mas dos campos da humilde terra de Belém (Miqueias 5,1). Por isso também, não se atreve Miqueias a dar o título de rei (melek) ao senhor desse mundo novo, a raiar; em vez de rei, será um guia sábio, que o profeta chama môshel, portanto, um contador de parábolas (meshalîm, sing. mashal). Parece mesmo que, à distância de oito séculos, Miqueias está a pintar o retrato de Jesus. Pobre, humilde, despojado, feliz, apaixonado, ousado, próximo e dedicado.

 

6. Uma Mãe que amamenta um menino. Se vejo bem, estou mesmo a ver o quadro luminoso de Nossa Senhora dos Remédios. E compreendo melhor a razão porque a amamos tanto. Está ali, bem à vista, a Mãe e o Menino, mas também o coração,/ a respiração,/ a pulsação,/ a lalação,/ a embalação,/ a aleitação./ Vida recebida,/ amada,/ mimada,/ acariciada./ Nunca enlatada.

 

7. Não há no mundo braços tão fortes como os de uma Mãe. Da nossa Mãe. Por isso vimos aqui de dia e de noite. Respira-se aqui outra cultura, outro amor, outra ALEGRIA. Por isso vimos aqui, de noite e de dia, entregar a Maria as nossas dores e as nossas flores. Aqui encontramos a cura do amor verdadeiro e sem ruga. Daqui saímos sempre renovados, porque aqui sentimo-nos amados e embalados nos teus braços maternais, Mãe. Aqui, aqui, aqui começa o mundo, Mãe.

 

8. Senhor Reitor deste Santuário, Senhor Comissário da Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios, Caríssimas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, enchei esta Casa de Amor e de Alegria. Caríssimos irmãos e amigos que aqui vindes tantas vezes saudar Maria. Bem sabeis que esta Casa é vossa. Só tendes de a partilhar mesmo com Maria.

 

9. Senhora dos Remédios, Senhora da Embalação e da Aleitação, pega em nós ao colo, vela por nós, fica à nossa beira. É bom ter uma Mãe como companheira.

Lamego, 08 de Setembro de 2013, Solenidade de Nossa Senhora dos Remédios

+ António, vosso bispo e vosso irmão

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