Homilia de D. António Carrilho na Sexta-feira Santa

A Paixão de Cristo no hoje da História

 

A Palavra de Deus, há pouco proclamada, e a cerimónia da adoração da cruz, que se vai seguir, evocam neste dia de sexta-feira santa o amor eterno do Pai, revelado em Jesus Cristo, Dom por excelência à Humanidade. Como escreveu S. Pedro, “nas Suas Chagas fomos curados” (1 Ped 2,24).

 Hoje a Igreja não celebra a Eucaristia, mas oferece-nos, em comunhão sacramental, o pão eucarístico consagrado ontem à tarde, na Eucaristia da Ceia do Senhor, e que juntamente com o jejum e a abstinência deste dia, nos ajudam a participar no sacrifício de Cristo na Cruz, hoje comemorado de modo tão expressivo e eloquente.

Caríssimos diocesanos, fixemos o nosso olhar na Cruz de Cristo. A Sua morte violenta na Cruz é a expressão mais alta da Sua entrega e obediência ao Pai e do Seu amor sem limites pela Humanidade. Nela refulge a Luz da Sabedoria divina e a Beleza do Amor do Crucificado por cada um de nós. Nela se aponta, segundo o desígnio de Deus, para a vitória definitiva sobre a morte, mediante a graça e o mistério da Ressurreição.

Unidos ao sofrimento redentor

A Paixão de Cristo e todo o Seu Mistério Pascal permanecem vivos no coração da nossa história. Em todo o tempo e lugar, nos sofrimentos, medos, adversidades e incertezas, somos iluminados pela Luz da Páscoa, Morte e Ressurreição do Senhor, porque Deus está connosco na superação dos limites da nossa própria natureza.

Ainda perduram na lembrança e no coração de muitos, as notícias e imagens dolorosas, que invadiram as nossas casas, aquando dos sismos no Haiti, no Chile, na Turquia e das intempéries da Madeira, que mergulharam milhares de pessoas numa dor indescritível. É a Paixão de Cristo encarnada no hoje da nossa história, e que o Crucificado, uma vez Ressuscitado, continua a inundar de Luz e de Esperança.

Este sofrimento indizível, feito de destruição e morte, uniu os corações não somente dos madeirenses e de tantos outros portugueses, mas também da comunidade internacional. Podemos dizer que, na nossa “aldeia global”, circulou o amor, a comunhão de vida e de esperança, em gestos de solidariedade e fraternidade, verdadeiros sinais de Vida e de Ressurreição.

Como poderemos esquecer os sinais visíveis da bondade do Senhor Crucificado e de Maria, que nos foi dada por Mãe, junto da Cruz de seu Filho?! Como bem sabeis e eu tive ocasião de recordar na eucaristia de sufrágio das vítimas do temporal do passado dia 20 de Fevereiro, o crucifixo e a imagem da Imaculada Conceição, resgatados quase intactos do meio do lamaçal, que ficou a ocupar o espaço da conhecida Capela das Babosas totalmente desaparecida, bem podem considerar-se verdadeiros sinais de consolação e de esperança para o nosso povo. Sinais que foram logo interpretados por muita gente como apelos à reconstrução da Capela, mas sobretudo, à vivência dos momentos difíceis, em união com o sofrimento de Cristo e contando com a protecção da Mãe Imaculada, a Virgem Nossa Senhora.

Maria, tão viva e presente na devoção do nosso povo madeirense, nas suas festas e tradições, e de forma tão expressiva no acolhimento e celebrações da Imagem Peregrina, em visita à nossa Diocese – Maria acompanha-nos com a sua ternura de Mãe, sempre próxima de nós, em especial nos momentos de angústia e sofrimento, para acolher as nossas lágrimas e nos envolver no seu abraço maternal de consolação e de esperança.

Viver as dimensões da fé

Houve quem perguntasse onde estava Deus durante aquelas tragédias. Como já tenho dito e agora repito, coloca-se aqui a questão da fé e da providência divina, perante as dificuldades da vida e situações de maior sofrimento. Nestes momentos, quem não desejaria a intervenção miraculosa de Deus, como resposta directa aos problemas pessoais e sociais? O milagre é possível, mas constitui sempre algo de extraordinário e aponta, como sinal, para uma mensagem de salvação. Normalmente, Deus respeita as leis da natureza, que Ele próprio estabeleceu, e com elas ofereceu ao Homem, na sua liberdade responsável, as imensas possibilidades do desenvolvimento da Ciência e da Técnica.

 

Irmãos: a fé coloca-nos no seguimento de Jesus, vivendo à luz do Seu mistério pascal, que é sofrimento, morte e ressurreição! Como nos adverte o Concílio Vaticano II, Jesus podia ter cumprido plenamente a Sua missão redentora de outro modo, sem a cruz; fê-lo assim, para tocar o sofrimento e a morte, aquilo que é mais difícil aceitar e assumir na vida do Homem, dando-lhe, porém, um sentido de vida e de esperança, na perspectiva da Sua gloriosa Ressurreição!

Afinal, naqueles momentos de dor, Deus não estava longe, mas bem perto de todos os que sofriam, crianças, jovens e idosos, bem presente nos gestos de amor e de esperança dos que se disponibilizaram para, de algum modo, ajudar consolar. E não obstante a dor e saudade por aqueles que morreram, temos a certeza da fé e a firme esperança de que, à semelhança da semente que jaz no silêncio da terra e volta a germinar, os que partiram são chamados a viver eternamente na Luz do Ressuscitado.

Só o Amor liberta e encoraja

No silêncio desta Sexta-Feira Santa, contemplemos, cheios de gratidão, Cristo Trespassado e Suas Chagas benditas, pelas quais fomos curados. Jesus ofereceu-Se ao Pai em sacrifício, como Cordeiro imolado, inocente e sem mancha, para nos reconciliar com Ele e nos libertar do pecado e de toda a espécie de mal.

Sob a ternura do olhar de Jesus, envoltos no Seu abraço de amor universal, lembramos as Suas palavras inspiradoras de grande fé e confiança: “E Eu, quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Só o Amor salva, liberta e encoraja, dando-nos a força para trilhar caminhos de serenidade, paz, alegria e esperança!

 

Funchal, 2 de Abril 2010

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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