Homilia de D. António Carrilho na Peregrinação Diocesana ao Monumento de Cristo Rei

Senhor, venha a nós o Vosso Reino de Paz e de Amor!

Com a solenidade de Cristo-Rei, instituída no dia 11 de Março de 1925 pelo Santo Padre Pio XI, a Igreja quer realçar a soberania de Jesus como centro da História e do Universo. Assim, ao finalizar o ano litúrgico, somos convidados a cantar, juntamente com todas as comunidades cristãs, a alegria da fé e da salvação, trazida por Cristo através da Sua entrega na Cruz. É para nós um dia de louvor e acção de graças, pela imensa bondade de Deus e todas bênçãos derramadas sobre a Igreja e sobre o mundo.

Aqui junto de nós, sob a imensidão do azul do céu e frente ao mar, podemos contemplar a grandiosa estátua do Sagrado Coração de Jesus, memorial de fé e de amor do povo da Madeira e do Porto Santo. Este monumento, inaugurado a 30 de Outubro de 1927, é a concretização de um voto do Conselheiro Aires de Ornelas, filho do último morgado do Caniço, e de sua esposa D. Maria de Jesus de Ornelas. Como a inauguração e bênção da estátua coincidiu, nesse ano, com a solenidade litúrgica de Cristo-Rei, a mesma ficou a denominar-se, na linguagem do nosso povo, o Cristo-Rei do Garajau.

De braços abertos, como que num abraço universal, Cristo Rei do Universo olha-nos e continua a repetir-nos, em convite sempre renovado, as Suas palavras de Vida: “Vinde a Mim, vós todos os que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei, diz o Senhor(Mt 11,28).

 

A realeza divina de Jesus

A Liturgia da Palavra convida-nos a contemplar a paradoxal realeza de Cristo, feita de humildade, mansidão, serviço e entrega da própria vida por nós, na Cruz. É o preço da Encarnação e humanização do Verbo de Deus.

A primeira leitura narra-nos a unção do rei David, em Hebron, como Rei de todo o Israel. Escolhido por Deus para apascentar o Seu Povo, “O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor; eles ungiram David como rei de Israel” (2Sam 5,3). Era o tempo da unificação da Palestina, da dinastia de esplendor, que ficará gravada na memória do povo de Deus e na história da Salvação. No decorrer dos séculos, perante a invasão e domínio das nações estrangeiras, os profetas messiânicos evocavam o rei David como figura de Cristo, o Ungido do Pai, o verdadeiro Rei Messias, que havia de salvar definitivamente Israel.

O hino da carta aos Colossenses, que escutámos na segunda leitura (Cl 1,12-20), esclarece e celebra a supremacia de Cristo na criação e na redenção da Humanidade. É a chave de interpretação teológica, que confirma e sublinha a realeza divina de Jesus: “Ele (o Pai) nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados” (Cl 1,13).

Cristo é epifania de Deus, a grande manifestação do Seu superabundante e inexcedível Amor pela Humanidade. Como nos diz S. Paulo, “Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da Sua cruz, com todas as criaturas na Terra e nos Céus” (Cl 1, 20). O Amor e a Paz inundam de Luz este mundo e saciam a nossa fome e sede de Esperança e de Verdade.

 

Este é o Rei dos Judeus

O relato do evangelista S. Lucas, que escutámos no Evangelho (Lc 23, 35-43), situa-nos no calvário, diante de um “estranho Rei” crucificado. Ao cimo da Cruz, o letreiro infamante com que pretendiam identificá-l’O: “Este é o Rei dos Judeus” (Lc 23,38). Mas o Seu Reino não é deste mundo. Como se diz no Prefácio desta Eucaristia, o Reino de Jesus é “um reino eterno e universal: reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”. Jesus é Rei, porque entrega a própria vida pelos irmãos, conhecendo Ele próprio o sofrimento e a morte.

Jesus, o Filho de Deus, recusa um messianismo triunfante. Ele reina, desde a Cruz, entregando-Se totalmente a nós, e nunca pela força e pelo poder da realeza deste mundo. Mas é precisamente ali, no trono real da Cruz, que Jesus manifesta a plenitude da Beleza do Seu Rosto de Filho Amado e a grandeza do Seu Amor sem limites pelos homens e mulheres de todos os tempos. Jesus continua a salvar a Humanidade e a reinar nos corações daqueles que O acolhem: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com a tua realeza. Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,42-43). A salvação acontece “hoje”, na urgência do “agora” eterno de Deus.

 

Para que o Reino cresça

A Igreja, nascida do Lado Trespassado do Senhor, é constantemente chamada e enviada pelo Espírito Santo a evangelizar, para que o Reino cresça e Cristo reine em todos os corações. E a metodologia a utilizar é sempre a mesma, como nos alvores do Cristianismo, sempre nova e vital: “partir de Cristo, com Cristo, como Cristo”, sem esquecer que, como referiu Bento XVI, “a missão parte do coração”.

Disse, ainda, o Santo Padre que “ somos chamados a servir a humanidade do nosso tempo, confiando unicamente em Jesus, deixando-nos iluminar pela sua Palavra: “Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16).

Na verdade, a dinâmica evangelizadora da Igreja nasce da intimidade pessoal com Cristo, Bom Pastor, surpreendente Boa Nova do Pai, que atrai a Si a Humanidade (cf. Jo 12,32). Importa estar vigilantes e despertos, entusiasmados pela “profundidade e pela beleza da fé”, para a transmitirmos com paixão “aos vizinhos, aos filhos e às gerações futuras”, como nos recorda a Conferência Episcopal, no seu recente documento “Para um Rosto da Igreja Missionária em Portugal”.

 

Serviço aos mais pobres

Deste amor concreto a Cristo, encarnado na vida e em gestos solidários de amor fraterno, fala-nos a presença aqui de tantos membros das Conferências de S. Vicente de Paulo, que em muitas das nossas paróquias se ocupam do serviço aos mais pobres e excluídos da sociedade.

Esses nossos irmãos vicentinos que, há muitos anos, neste dia, promovem e organizam a sua peregrinação a este lugar, encontram no amor de Cristo e a Cristo um forte estímulo para prosseguirem a sua acção de presença fraterna, conforto espiritual e apoio material, junto daqueles que mais precisam de ajuda, para se erguerem e enfrentarem, com fé e coragem, os caminhos difíceis das suas vidas.

É bem claro para todos, certamente, que a luta contra a pobreza e a exclusão social tem de constituir uma tarefa de toda a sociedade e não apenas de algumas pessoas ou grupos, cristãos ou não, nem tão pouco uma responsabilidade exclusiva dos poderes públicos. A estes cabe, sem dúvida, prestar-lhes uma atenção prioritária e comprometida, de facto, em projectos de desenvolvimento, que articulem, devidamente, as políticas económicas e sociais.

Mas sempre, e em particular na preocupante conjuntura de crise em que vivemos, a relação de proximidade, numa presença discreta e amiga, atinge situações, que muitas estruturas sociais e organizações de solidariedade não atingem. Penetra-se, assim, mais facilmente, o campo da “pobreza envergonhada”, que só na base de uma grande confiança e respeito poderá conhecer-se e apoiar-se.

 

Marca dos discípulos de Jesus

Como tive oportunidade de dizer, ainda muito recentemente, olhar a pobreza e a exclusão social a partir da Fé situa-nos “no encontro pessoal com o outro, face a face, olhos nos olhos, partilhando as suas angústias e as suas esperanças, sentindo com ele, sofrendo com ele” (Seminário sobre “Pobreza e Exclusão Social”, Câmara de Lobos, 28 de Outubro de 2010).

Na actual situação de crise económica e social, repito, a intervenção das instituições públicas nas suas competências próprias e necessárias, não pode dispensar a atenção e o cuidado de todos uns pelos outros. Passa por aqui o verdadeiro espírito de fraternidade, marca dos autênticos discípulos de Jesus. Ele próprio Se identificou com os mais necessitados de tudo (famintos, sedentos, forasteiros, nús, enfermos, encarcerados), convidando os Seus discípulos a acolhê-los e ajudá-los. Até lhes disse: “sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos a Mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).

 

Olhos postos no Amor

Em dia de Cristo-Rei, olhos postos no Amor que brota da vida de Jesus, Filho de Deus, e se reflecte em cada Eucaristia, no memorial da Sua entrega na cruz, aprofundemos o sentido do Amor-Serviço, testemunhando-o no compromisso de construção de uma nova sociedade, mais humana e mais fraterna. Saiba cada um de nós dar o seu contributo para transformar este mundo dos homens em Reino de Deus! E rezemos: Senhor, venha a nós o Vosso Reino!

 

Garajau, 21 de Novembro de 2010

 

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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